A Lua é um tesouro de recursos valiosos. Ouro, platina, e muitos outros metais de terras raras aguardam a extração para serem usados na próxima geração de eletrónicos. O hélio-3 não radioativo poderia um dia alimentar reatores de fusão nuclear. Mas há um recurso em particular que empolgou cientistas, engenheiros aeroespaciais, funcionários de agências espaciais e empresários do setor – praticamente qualquer pessoa com interesse em tornar os voos espaciais para mundos distantes mais acessíveis. A água.
Porquê? Se dividirmos a água em hidrogénio e oxigénio e depois liquefizermos esses constituintes, teremos combustível para foguetões. Se fosse possível parar na órbita da Lua ou numa base lunar para reabastecer, já não seria necessário levar o propulsor completo na descolagem, o que tornaria a nave espacial significativamente mais leve e mais barata para o lançamento. Isto é importante porque a atmosfera da Terra e a força gravitacional exigem o uso de toneladas de combustível por segundo quando os foguetes são lançados. Criar uma fonte sustentável de abastecimento no espaço pode reduzir os custos e os riscos associados a descolagens pesadas. Uma estimativa da NASA sugere que podem haver 600 milhões de toneladas métricas de gelo lunar para a mineração, e outras estimativas de alto nível destacam que existe a possibilidade de que haja mil milhões de toneladas.
Noutras palavras, se alguém pudesse explorá-la efetivamente, a Lua tornar-se-ia num posto de gasolina interplanetário de baixo custo para viagens a Marte e a outros lugares.
Da teoria à prática
Todos querem fazer parte desta iniciativa. A Agência Espacial Europeia (em inglês, ESA) idealiza a construção de uma “vila na lua” que incluiria operações de mineração. A missão de exploração lunar e de recolha de amostras da chinesa Chang’e 5 é considerada uma investigação para entender mais sobre o conteúdo da água lunar. A missão fracassada do rover lunar da Índia, em agosto passado, deveria mapear a água gelada no polo sul lunar.
Os EUA também têm planos para a água lunar, é claro. A 15 de maio, a NASA anunciou os Acordos de Artemis (PDF) – uma estrutura legal proposta para a mineração na Lua, nomeada após o programa Artemis da NASA enviar novamente astronautas à superfície lunar em 2024. Artemis é o passo mais importante para estabelecer uma presença americana permanente na Lua. Os princípios abordam questões que incluem serviços de assistência de emergência e interoperabilidade de padrões de tecnologia. Mas o mais importante é que os Acordos de Artemis permitem que os EUA ditem os termos da mineração lunar antes que outros países possam. Estes também propõem a criação de “zonas de segurança” neutras entre diferentes bases lunares para evitar interferências e conflitos entre países e empresas.
Mas aquilo que não nos podem dizer é como realmente teremos acesso a água lunar. Existem muitos obstáculos. As temperaturas frias e a radiação podem colocar em risco os seres humanos e degradar equipamentos sensíveis. Não é ideal ter uma grande equipa de seres humanos a executar esses tipos de operações dia após dia, mas também não está claro quanto pode ser delegado a sistemas autónomos. O solo lunar propriamente dito – grosso, irregular e propenso a colar a tudo – poderia destruir máquinas e causar problemas de segurança aos trabalhadores em vestuário espacial. Embora tenhamos demonstrado a viabilidade de reabastecer satélites em órbita, fazer o mesmo para grandes naves espaciais na Lua ou em órbita lunar criará o seu próprio conjunto de desafios graças à microgravidade e rególito – a camada de material solto que cobre a rocha lunar.
E ainda precisaríamos de ter astronautas a viver de forma semipermanente na superfície da Lua. Os ambiciosos planos de Artemis da NASA pedem a construção de uma base lunar até 2028 (junto a uma estação espacial lunar chamada Gateway, que deveria facilitar viagens além da Lua), mas isso aconteceria (supostamente) quatro anos depois de regressarmos à Lua. Essa visão ainda está mais próxima da ficção científica do que da realidade.
Extrair e purificar
Mesmo supondo que esses obstáculos sejam superáveis, quão fácil seria extrair água quando já estivéssemos lá? Primeiro, água lunar não é tão facilmente acessível. “Não é como uma camada de gelo ou um bloco de gelo como um glaciar”, diz Julie Stopar, uma cientista visitante do Instituto Lunar e Planetário. A água da Lua está na forma de minúsculos grãos de gelo misturados com o solo, localizados principalmente nas regiões permanentemente sombreadas, dentro de crateras próximas aos polos. Lá, temperaturas de -233,15ºC mantêm a água gelada estável e imperturbável.
Os grãos são densamente misturados com complexos orgânicos e metais. Em 2009, a missão LCROSS da NASA disparou um foguete na Lua para arremessar fragmentos de rocha lunar no ar. Uma análise deste material constatou que apenas 5,6% do seu peso era composto de água. Esses dados, que depois de 10 anos ainda são a análise direta mais recente do conteúdo de água do solo lunar que temos, sugerem que mesmo que a água gelada possa ser separada do solo lunar, ainda é muito impura e exigiria uma purificação rigorosa para livrar-se de contaminantes que arruinariam qualquer combustível produzido a partir da mesma.
No ano passado, George Sowers, engenheiro de arquiteturas espaciais da Colorado School of Mines, e mais de uma dúzia de outros cientistas escreveram um artigo publicado na revista Reach que descrevia um método para o processamento de gelo de água lunar. Seriam erguidas e instaladas grandes torres com espelhos côncavos no topo ao redor das bordas da cratera para refletir a luz do sol em regiões permanentemente sombreadas. Essa energia aqueceria o solo lunar até -53,15 °C, quente o suficiente para transformar a água gelada em vapor.
Neste projeto proposto, os espelhos usariam a luz solar para aquecer a água gelada no solo lunar. O vapor da água seria transferido para tanques laterais.
Uma cobertura de lona sobre o solo (transparente, para que a luz do sol redirecionada pudesse atingir a superfície) capturaria esse vapor da água, que seria movido para grandes unidades de alumínio, onde congelaria novamente a água. Transportadores (talvez robóticos, ou conduzidos por astronautas) levariam o gelo para uma instalação onde pudesse ser purificado. Aqui, a água seria dividida em hidrogénio e oxigénio por eletrólise e finalmente liquefeita para que os constituintes pudessem ser usados como propulsores de foguetes. A Trans Astronautica Corporation, sediada na Califórnia, quer fazer algo semelhante. Esboçaram planos para torres altas com painéis solares para aproveitar a energia e levá-la até às crateras, e depois usar radiofrequência, micro-ondas e radiação infravermelha para sublimar o gelo de água.
“Nenhuma dessas etapas é incomum”, diz Sowers. Existem como aplicações em escala industrial na Terra. A baixa gravidade deve facilitar a construção e a movimentação de materiais.
No entanto, esses conceitos exigem que os astronautas no solo executem certas funções, e manter essas pessoas seguras, confortáveis e alojadas exigiria uma quantidade extraordinária de recursos e energia. (A OffWorld, uma empresa de robótica espacial com escritórios na Califórnia e em Luxemburgo, diz que deseja tornar a mineração de água de gelo num processo totalmente autónomo, executado por um grupo de robôs movidos a Inteligência Artificial (IA), mas isso é ambicioso, para dizer o mínimo).
Na verdade, nenhuma dessas técnicas ou planos está perto de poderem ser utilizados. Embora tenhamos demonstrado a capacidade de operar rovers e módulos de pouso lunares para suportar temperaturas frias e radiação, não sabemos se uma infraestrutura enorme pode durar tanto tempo. Cada região da Lua fica na escuridão por duas semanas do mês (e mais tempo se estivermos a falar das partes permanentemente sombreadas das crateras), e não é fácil despertar um pedaço de máquina de um sono de -233,15ºC.
De acordo com Phil Metzger, tecnólogo espacial da Universidade da Flórida Central e coautor do artigo Reach, a maior limitação técnica à mineração de gelo lunar – a única questão que “nos mantém acordados à noite” – é o processo de purificação. E como não temos amostras lunares reais para testar regularmente essas tecnologias, é difícil desenvolver membranas para filtrar contaminantes específicos. As impurezas podem inutilizar o combustível de oxigénio e hidrogénio líquido – ou pior, torná-lo instável e explosivo.
A recolha de água lunar terá uma alta taxa de falhas por anos, prevê Metzger. “Não acho que as tecnologias que as pessoas estão a projetar e a conceber hoje funcionem perfeitamente na Lua”, diz ele. “Mas acredito que haverá muita atividade industrial na Lua dentro de várias décadas”, acrescenta. “E quando chegarmos a esse ponto, as pessoas vão olhar para trás e dizer: ‘Oh, isso deveria ter sido óbvio. Todas as peças estavam no lugar”.
Artigo de Neel V. Patel, autor da MIT Technology Review (EUA) (adaptado).