Santa Maria é a ilha mais ao sul do arquipélago dos Açores, a cerca de 1400 kms a oeste de Portugal. Clima sereno, praias de areia branca e isoladas tornaram este um dos destinos mais pacíficos para os turistas. Porém, isto está prestes a mudar.
Nas próximas décadas, Portugal planeia transformar este pequeno pedaço de terra cercado pelo oceano num dos portos espaciais mais ativos do mundo. O país quer que os lançamentos de foguetes de satélites e naves espaciais ocorram com uma frequência que se equiparia com a de aviões que descolam de um pequeno aeroporto. O país quer atrair clientes internacionais para observação da Terra, telecomunicações, turismo espacial e até mineração de asteroides.
No entanto, Portugal não está sozinho ao aventurar-se na economia espacial. Já cerca de 13 países estabeleceram agências espaciais totalmente novas na última década, a maioria delas nos últimos cinco anos. Com o objetivo de preencher os nichos lucrativos que a NASA e os outros gigantes espaciais ignoraram, essas agências fecharam grandes acordos de parceria com um setor comercial que tem sede de reivindicar ações na economia espacial em expansão. A era das pequenas agências espaciais chegou.
No passado, a principal motivação para uma nação ter a sua própria agência espacial estava sempre relacionada ao desejo de mostrar poder e prestígio. Os EUA gastaram 288 mil milhões de dólares em 13 anos com o único objetivo de levar seres humanos à Lua antes da União Soviética. Depois de vencer a corrida e consolidar o seu estatuto como a principal instituição espacial do mundo, a NASA abandonou abruptamente os planos para futuras missões lunares e começou a focar o seu programa espacial noutros objetivos.
O prestígio continua a ser uma das razões, é claro. Mas o surgimento de todos estes novos programas espaciais nacionais é impulsionado pelo pragmatismo – noutras palavras, dinheiro. O mercado espacial já vale cerca de US$ 325 mil milhões e pode atingir mais de US$ 1,5 trilião em 20 anos, de acordo com a Câmara de Comércio dos EUA. Infraestruturas de telecomunicações audazes (como a Starlink), turismo e mineração espacial, dados de observação da Terra e uma série de outros serviços são de certa forma extremamente lucrativos. Essa marca de US$ 1 trilião pode ser difícil de alcançar, mas nenhum país do mundo quer ficar para trás.
“O espaço já não é visto apenas relacionado a países que querem mostrar as suas capacidades tecnológicas e soberania”, diz Chiara Manfletti, presidente da nova agência espacial de Portugal, Portugal Space, lançada em abril e que supervisiona a criação do novo espaçoporto dos Açores. “É reconhecido como algo que agrega valor à sociedade e uma vantagem competitiva para os negócios”.
Outros responsáveis de agências concordam. Têm vindo a surgir novas atividades, estimuladas principalmente por espaçonaves, foguetes e projetos de software mais baratos e mais eficientes. Tudo isto significa que os países em desenvolvimento agora podem obter uma parcela da crescente economia espacial sem um custo tão elevado.
Como chegamos aqui?
Grande parte da razão pela qual as agências espaciais estão a abrir em alguns lugares inesperados, como Luxemburgo, Paraguai e Filipinas, são os avanços feitos pelo setor espacial privado. As inovações no hardware de computadores e no design de naves espaciais permitiram que os satélites fiquem ainda menores enquanto que as capacidades se expandem. Dezenas de satélites agora podem ser lançados de uma só vez pelo mesmo preço que costumava custar para enviar apenas um. Os custos de lançamento costumavam ser de US$ 8.100 por libra (cerca de 450 gramas). Agora custam menos de US$ 1.000 por libra. Como resultado, os lançamentos de foguetes estão se a tornar relativamente comuns.
Agências espaciais emergentes criadas na última década:
• Bolívia (ABE), fevereiro 2010 – Telecomunicações;
• México (AEM), julho 2010 – Pequenas cargas científicas;
• África do Sul (SANSA), dezembro 2010 – Projeto / fabricação do CubeSat (acrônimo das palavras em Inglês: Cube and Satellite – Cubo e Satélite), observação da Terra;
• Turquemenistão (TNSA), maio 2011 – Telecomunicações;
• Emirados Árabes Unidos (UAESA), julho 2014 – Telecomunicações, exploração humana;
• Paraguai (PSA), março 2014 – Desenvolvimento de CubeSat;
• Nova Zelândia (NZSA), abril 2016 – Capacidade de lançamento, observação da Terra;
• Quênia (KENSA), fevereiro 2017 – Infraestrutura de lançamento, satélites;
• Austrália, julho 2018 – Utilização de recursos espaciais, exploração do espaço profundo;
• Luxemburgo (LSA), setembro 2018 – Utilização de recursos espaciais, telecomunicações;
• Turquia (TUA), dezembro 2018 – Nichos;
• Portugual (Portugal Space), abril 2019 – Operações no espaçoporto, observação da Terra;
• Agência Espacial das Filipinas (PhilSA), agosto de 2019 – Desenvolvimento de pequenos satélites / CubeSat, observação da Terra
As últimas inovações nos lançamentos também estão a reduzir os custos. Empresas como a SpaceX e a Blue Origin protagonizaram revoluções com demonstrações de foguetes reutilizáveis, e a Virgin Galactic espera transformar lançamentos aéreos numa alternativa viável e barata para entregar pequenas cargas úteis na órbita e além. Outras empresas estão a aproveitar a redução dessas cargas para desenvolver veículos de lançamento menores. O novo espaçoporto de Portugal, de facto, concentra-se inicialmente em ativar os sistemas “microlauncher” (microlançadoras) nas suas plataformas de lançamento.
A digitalização de dados também reduziu ainda mais os custos de certas atividades espaciais e facilitou que os países menos ricos colhessem os benefícios de tecnologias como observação da Terra e sensoriamento remoto. Países em desenvolvimento como a África do Sul e o Brasil estão a usar esses dados para rastrear os efeitos das mudanças climáticas e os efeitos da atividade humana no meio ambiente, e para ajudar a implementar contramedidas.
“O fatco de termos plataformas menores hoje significa que também podemos liderar nelas”, diz Manfletti.
Novas alianças
A ajuda é nos dois sentidos. Por exemplo, os candidatos aspirantes a tornarem-se nações espaciais estão a preparar as suas leis para atrair empresas espaciais privadas: na Holanda, as novas leis devem facilitar o lançamento de missões de viagens compartilhadas a partir de locais holandeses, diz Frans von der Dunk, especialista em direito espacial da Universidade de Nebraska (EUA).
Enquanto isso, empreendimentos comerciais podem ajudar essas agências a descolar ao convencer a sociedade e os legisladores de que são uma opção realista, diz o historiador sénior da NASA, Bill Barry. Isso pode ajudar a superar a relutância histórica em investir nessas iniciativas. A Austrália tem uma longa história de pesquisa académica em ciências espaciais, por exemplo, mas foi apenas no ano de 2018 que o país finalmente fundou a sua própria agência nacional. Isso deve-se, em parte, ao surgimento de muitas novas empresas espaciais no país. Agora, a Austrália está a considerar ressuscitar os planos para um espaçoporto. “Grande parte disto está relacionado com o facto de ter defensores certos no lugar certo e na hora certa”, defende Barry.
Movimentos de nicho
A verdade é que poucos países menores serão capazes de se igualar aos programas espaciais americanos ou chineses. Então, o objetivo dessas pequenas nações espaciais é encontrar algumas coisas que podem fazer extremamente bem na era do espaço comercializado.
Na visão de von der Dunk, Luxemburgo e Emirados Árabes Unidos são dois dos melhores exemplos de países que descobriram como preencher nichos abertos na nova economia espacial. Ambos os países fizeram movimentos extremamente agressivos para se posicionarem como faróis para o setor de telecomunicações e atrair empresas de todo o mundo.
Uma das maiores empresas de comunicação via satélite do mundo, a SES, está parcialmente localizada no Luxemburgo, e o país finalmente fundou uma agência espacial em setembro de 2018 para promover atividades comerciais e formar parcerias com outras empresas. Enquanto isso, os Emirados Árabes Unidos são o poder espacial dominante do Oriente Médio. Em vez de desenvolver as suas próprias capacidades de lançamento, preferiram usar os seus parceiros comerciais para enviar cargas de portos espaciais no exterior e concentrar-se no desenvolvimento de satélites. A agência lançou o KhalifaSat, o primeiro satélite construído inteiramente pelos Emirados Árabes Unidos (sem assistência internacional), no final do ano passado, e lançou seu primeiro astronauta no espaço em setembro de 2018. A empresa planeia lançar uma missão científica robótica em Marte. E já investiu 500 milhões de dólares na Virgin Galactic. “Eles querem-se tornar no centro tecnológico do Oriente Médio, e o espaço é uma parte importante disso”, diz von der Dunk.
Enquanto isso, na África do Sul, a agência espacial está focada em CubeSats. “Provavelmente, temos cerca de uma dúzia de empresas a trabalhar agora com CubeSats”, diz Valanathan Munsami, CEO da National South African National Space Agency. “E essas são apenas as que surgiram na última década”. Muito disso deve-se ao forte setor de engenharia ótica do país, que fabrica novas tecnologias que podem ser facilmente instaladas em satélites mais novos, grandes e pequenos, projetados para a observação da Terra.
A Portugal Space também está ansiosa para ver o seu espaçoporto desempenhar um grande papel no envio de CubeSats para o céu a um ritmo rápido, mas está longe de ser a única. Em toda a Europa, mais países estão a pensar em construir seus próprios portos espaciais para acomodar pequenos voos de carga. A Indonésia anunciou novos planos para um espaçoporto (a sua presença ao longo da linha equatorial torná-la-ia num local extremamente útil para muitos tipos de lançamentos).
Porém, nem todas as ideias darão certo e as agências espaciais iniciantes precisam de ser flexíveis. Poucos eventos recentes demonstram isso melhor do que o colapso da bolha de mineração de asteroides, que Luxemburgo ajudou a promover com otimismo durante grande parte desta década. “Um programa espacial não pode colocar o seu sucesso em apenas uma ou duas ideias”, diz von der Dunk. “Esse setor está a mudar tão rapidamente. É incrível ver tantos atores novos, privados e governamentais – mas as coisas são tão novas que mal-entendemos onde estão as armadilhas”.
Artigo original de Neel V. Patel, colaborador da MIT Technology Review (EUA) (adaptado).