Imagine um dashboard no qual os anunciantes de publicidade online podem verificar, em tempo real, o desempenho de todas as suas campanhas, em todos os canais e formatos, como redes sociais, veículos de notícias, displays, vídeos, shopping. E mais: podem avaliar quais anúncios geram mais interações e conversões no exato momento da análise. Essa plataforma ainda garante autenticidade na exibição dos anúncios e transparência nos pagamentos de compra de media. Por fim, o sistema possui um algoritmo que permite aos consumidores partilharem ou não dados pessoais e criptografados e, ao mesmo tempo, ganharem dinheiro pelos anúncios com os quais interagirem. Ficção? Na verdade, isso já é possível com a tecnologia Blockchain.
Um dos principais assuntos em destaque nos jornais ao longo dos últimos anos é a privacidade dos nossos dados. O tema ficou mais em evidência com o caso do vazamento de informações de 50 milhões de perfis pessoais do Facebook para a empresa Cambridge Analítica.
As empresas, por sua vez, não têm plena convicção de que os seus investimentos em publicidade digital alcançam total e unicamente pessoas, e não robôs. Em 2019, 72 cêntimos de cada euro gasto nos EUA foram, de fato, direcionados para media online. Em 2020 este número caiu para 34 devido aos muitos intermediários na cadeia de compra e venda de anúncios. Segundo cálculos da consultoria PwC, apenas em 2018, as marcas anunciantes perderam cerca de 16 mil milhões de euros devido a fraudes.
É nesse ponto que entra o Blockchain, garantindo quatro frentes principais nas transações: autenticação, transparência, rastreamento e segurança. Essa tecnologia gera uma cadeia confiável e verificada do anúncio ao utilizador final, além de dados seguros em tempo real e mensagens mais relevantes aos consumidores. É por isso que o Blockchain deve transformar o setor de Marketing Digital de maneira disruptiva daqui em diante, alinhado às regulamentações de proteção de dados pessoais, como a General Data Protection Regulation (RGPD).
Como o Blockchain muda este cenário
Antes de mais nada, é importante trazer ao leitor a definição conceptual de Blockchain, já que nem todas as pessoas estão familiarizadas com o tema. Trata-se de um livro contabilístico que faz o registo de uma transação de criptomoeda, de uma forma totalmente confiável e, sobretudo, imutável. “Esta tecnologia garante imutabilidade dos dados. Uma vez a informação é inserida, não é mais possível alterá-la ou apagá-la. Adicionalmente, remove intermediários numa cadeia transacional”, como explica Ricardo Zago, especialista no tema.
As informações e o conjunto de transações são armazenados em blocos carimbados com tempo e data. A cada 10 minutos é formado um novo bloco de transações, que se conecta ao bloco anterior. As moedas transacionadas são registadas no Blockchain: quem enviou, quem recebeu, quando foi feita e em qual lugar do livro. Tudo fica registado.
Outro ponto que deve gerar disrupção em diversos negócios é o facto de não haver mais a necessidade de verificação de terceiros, incluindo em contratos e transações entre duas partes. Imaginem o impacto sobre os cartórios!
Poder dos dados de volta aos próprios consumidores
Algumas pesquisas estimam que a cada euro gasto pelas empresas nos EUA, 65 cêntimos vão para a Google e para o Facebook, que têm amplo domínio no mercado digital.
O Google não apenas voltou a limitar cookies de rastreamento entre sites, mas também anunciou que podem ser extintos daqui a dois anos do seu navegador Chrome. Se isso ocorrer, os profissionais de Marketing vão precisar de se adequar às mudanças e procurar outras formas de conseguir entender comportamentos e interesses de leads e clientes no ambiente online.
Por outro lado, Brendan Eich, criador da linguagem JavaScript e um dos pioneiros no desenvolvimento do Firefox, criou o navegador Brave. A premissa é preservar ao máximo a experiência dos utilizadores. Desta forma, todo o tipo de anúncios online são bloqueados.
Além de gerar mais concorrência no setor de navegadores, o grande diferencial é o uso do Blockchain. Os utilizadores do Brave recebem tokens (BATs) pelos anúncios com os quais interagem em vez de serem somente impactados e com pouco poder de escolha.
É uma maneira completamente nova de visualizar e consumir publicidade e receber por isso. Qual o valor da sua atenção online para uma marca? Quanto vale assistir por alguns segundos um vídeo, interagir com um post de redes sociais ou clicar num banner?
Proteção dos direitos digitais dos utilizadores
Outra plataforma é a Blockstack, uma rede descentralizada de programadores, pela qual são criados aplicações e sites open source (códigos abertos) e contratos inteligentes. O que isso significa? Ao utilizar a segurança do Bitcoin por meio do “Proof of Transfer”, esta empresa fornece protocolos descentralizados para autenticação, armazenamento de dados e distribuição de software.
Na prática, hoje, as pessoas fornecem dados pessoais para usar apps e sites, que permanecem no banco de dados das empresas e completamente fora do seu alcance. Tudo isso muda com o Blockstack, que atua como uma chave para desbloquear certas aplicações. Os dados dos utilizadores são inseridos e regressam assim que terminam de utilizar as apps. Simples e revolucionário no Marketing Digital. A maneira “gratuita” de coleta de dados pelas organizações deve mudar completamente com este modelo.
Co-criação e quebra de intermediários
O Smart Advertising Transaction Token (SaTT), autodenominado símbolo revolucionário da publicidade inteligente, também tem o objetivo de revolucionar transações publicitárias por meio de blockchain e criptomoedas. As marcas podem criar as suas próprias campanhas e oferecer recompensas de tokens SaTT aos utilizadores em troca de interações nas suas redes sociais.
Neste mesmo sentido, os influenciadores podem criar posts e conteúdos e serem pagos automaticamente de acordo com indicadores, como “likes”, partilhas e visualizações. Uma vez estabelecidos, os contratos inteligentes não podem ser violados ou alterados. Os pagamentos ocorrem em tempo real, enquanto a campanha está em andamento, sem intermediários envolvidos.
As tecnologias resolvem “dores” e necessidades mal atendidas
A tecnologia sozinha não cria disrupção nas indústrias. Normalmente, a transformação ocorre após uma combinação de inovações, em especial, quando estas se apresentam como soluções para problemas de clientes e empresas de um mercado.
Considerando as premissas do Blockchain, como o rastreamento e a segurança, por exemplo, quase tudo que envolve direitos autorais pode ser contemplado na lógica desta tecnologia. A autoria das fotografias é o ativo mais precioso de um fotógrafo. Ao criptografar as imagens por meio de Blockchain, a autoria será sempre rastreada. O mesmo vale para obras literárias, artigos e textos, cujos conteúdos são alvos de plágio.
No agronegócio, é possível rastrear o alimento colhido pelo agricultor na quinta até à sua comercialização nos mercados e consumo nas casas das pessoas.
Já na área de educação, o MIT testou a emissão de certificados em 2017, a partir da app Blockcerts Wallet. Com isso, os estudantes puderam partilhar, de forma segura, os seus diplomas digitais sem o risco de os documentos serem copiados ou alterados.
O Blockchain tornará a indústria de Marketing e Publicidade de gigante (em 2019 o setor movimentou 122 mil milhões de euros) em astronómica ainda nesta década, porque consegue resolver uma grande dor de quem atua neste segmento: falta de segurança na compra e venda de media.
Artigo original publicado por Adriano Ueda, autor no MIT Technology Review Brasil (adaptado).