Biotecnologia

Biohacking: o que tem isto a ver com saúde, tecnologia e o seu café?

É possível potencializar o funcionamento do seu corpo e mente, e aumentar o seu desempenho em diversas áreas utilizando tecnologia e dados?

Para começar, o que podemos entender como biohacking? Trata-se de uma técnica que usa tanto a tecnologia quanto a biologia para melhorar o desempenho do nosso corpo e mente, com o objetivo de fazer uma espécie de mapeamento do organismo para descobrir pontos de melhorias, elevando a potência e a capacidade do indivíduo.

Não sou um especialista nessas práticas e o objetivo aqui não é definir o que é certo ou errado, apenas proporcionar uma visão geral sobre o biohacking e como a tecnologia está a ajudar a tornar esses hacks não apenas mais acessíveis, mas também mais precisos para entender e melhorar nosso corpo.

Se toma o seu café diário para se manter mais ativo durante o dia, de certa forma está a utilizar o biohacking para estimular o seu corpo. De suplementos à prática de desportos, estes são hacks utilizados tanto por pessoas comuns quanto por atletas, e nos últimos tempos existiu um aumento gigante no interesse das pessoas por essas práticas.

Os dados não mentem, é possível ver um crescimento sobre o tema ao longo dos últimos anos, como mostra o Google Trends:

A minha hipótese é que esse crescimento se deve a alguns fatores:

  • Uma maior acessibilidade a dados sobre o corpo;
  • A compreensão que a alta performance não está restrita apenas a atletas;
  • A disponibilização de novos produtos nesse mercado por parte de empresas.

Dados: nunca na história o acesso aos dados genéticos e de saúde foi tão difundido como agora, e isso é só o começo…

É consenso que cada vez mais pessoas utilizam wearables para a captura de dados, desde informações do sono nas suas Fitbits até exercícios e calorias com os seus Apple Watches ou aplicações como a Strava e a Nike Run. Rapidamente podemos entender como o sono ou diferentes níveis de atividades físicas impactam a nossa performance, e cada vez mais as pessoas utilizam essas informações.

“O que não pode ser medido, não pode ser gerido” – W.E. Deming

Essa parte dos wearables e das gigantes de tecnologia que está a atacar esse mercado de dados já é amplamente conhecida, mas existe outra tendência: os dados genéticos.

Recordo-me da minha primeira consulta com o nutrólogo Sérgio Maia. Era o início de 2020, até então tinha 85 quilos, estava obeso e procurava melhorar a minha saúde. Do outro lado, estava um profissional que tentava conectar o lado humano da medicina com as tecnologias do momento, um médico early adopter. Foi também o meu primeiro contacto com uma medicina realmente personalizada e o resultado surpreendeu-me muito, como vão ver ao longo deste artigo.

Depois de uma conversa extensa para entender a minha rotina, alimentação e hobbies, perguntou-me: já fez algum teste genético no passado? Disse que não e, para dizer a verdade, para mim esses testes eram maioritariamente para verificar a ancestralidade, não imaginava que poderiam ser verdadeiramente utilizados para analisar a minha saúde. Juntamente com esse teste, pediu-me outros exames complementares para entender tudo o que se passava com o meu corpo.

[Foto: 23andMe, uma das inúmeras empresas que fornecem testes genéticos acessíveis no mercado]

Quando os resultados chegaram, marcámos uma nova conversa e o médico relacionou aquela infinidade de dados em informações que apontavam para um plano que deveríamos seguir, gerando insights como os motivos do meu colesterol ser elevado, tanto por questões genéticas quanto por questões hormonais e muitos outros pontos interessantes que me ajudaram a traçar a direção que o meu tratamento de saúde deveria seguir. Foi a primeira vez que vi um tratamento realmente pensado para a saúde, e não pensado na doença — isto vale um artigo inteiro sobre Patient Centricity, por isso não me vou aprofundar muito agora.

Alta performance é para todos 

No meio de uma crise criativa, o escritor americano Eddie Morra descobriu a solução para a sua vida semifracassada. Um pequeno comprimido chamado NZT, assim que ingerido, fazia o seu cérebro trabalhar a uma velocidade inimaginável. Parece uma cena de filme, não é? E realmente é — essa é parte da história do filme “Sem Limites” (2011).

Começo esse tópico ao trazer o exemplo do filme para deixar claro que não existe uma fórmula milagrosa como a dessa história (no futuro, quem sabe). Alta performance não é o resultado mágico de um comprimido, mas sim do esforço, rotina e múltiplos hacks aplicados em conjunto para melhorar o desempenho do seu corpo e mente.

[Foto: Filme Sem Limites (2011)]

Mesmo que fórmulas mágicas não existam, com conteúdos cada vez mais difundidos online, é muito fácil encontrarmos informações sobre treinos, alimentação saudável e suplementos que podem contribuir para um rendimento melhor no trabalho, nos treinos, no nosso dia a dia.

Vitamina C para imunidade, Ómega-3 para o coração e cérebro; tudo se encontra na Internet. E aí surgem alguns pontos que geram muita polémica, desde a autoprescrição às perguntas que os doentes fazem dentro do consultório sobre suplementos e hábitos X ou Y.

A verdade é que o mundo mudou e os profissionais de saúde também se estão a adaptar a esse novo universo. As pessoas chegam cada vez mais preparadas para as consultas, pois leram ou viram vídeos sobre um determinado assunto, logo já não cabe aos médicos e aos vários profissionais de saúde criticar, mas sim guiar os seus doentes até aos conteúdos corretos, discutir o que faz ou não sentido para cada contexto. Pois claro, talvez a suplementação ou determinada dieta faça sentido para mim, mas não para um amigo próximo, por N fatores diferentes.

Portanto, se procura alta performance, uma das primeiras coisas que deve fazer é procurar bons profissionais de saúde para o apoiar. Pessoas adeptas do biohacking costumam ter mais de um profissional de saúde com elas, como nutricionistas, personal trainers, nutrólogos, neurologistas, etc.

Novos produtos no mercado

Se hoje falamos de biohacking, acredito também que o marketing tenha um importante papel por aqui. Há alguns anos tornou-se moda no Vale do Silício o uso dos chamados nootrópicos, cujo nome origina do grego “nóos” (mente) e “tropo” (direção). São potencializadores cognitivos que, segundo os utilizadores, são capazes de ajudar a melhorar o desempenho mental sem produzir efeitos colaterais negativos.

Alguns desses produtos até possuem estudos que mostram resultados promissores, mas esse tema ainda divide especialistas, sendo que, na maioria dos casos, os benefícios são reforçados pelos adeptos ou empresas que vendem tais produtos, mesmo sem estudos mais aprofundados que identifiquem ou não os seus benefícios. Apesar do nome chique, muitos suplementos que consumimos são considerados nootrópicos, como o Ómega-3 e a própria cafeína.

Avançando para uma outra linha de biohacking, temos também o uso de hardwares cujas promessas vão desde a cura de doenças neurológicas até telepatia e super inteligência. Essa linha ainda está mais para o lado da ficção científica, mas o próprio Elon Musk já está a investir nessas tecnologias por meio da sua empresa Neuralink. 

[Foto: Neuralink, start-up que procura conectar o cérebro humano a computadores]

O futuro é logo ali

A verdade é que o biohacking está muito mais próximo do que pensamos. No nosso dia a dia muitas escolhas que fazemos são para melhorar o corpo e a mente, quer pela escolha de uma alimentação melhor ou de suplementos e vitaminas.

Pela minha experiência pessoal, tive resultados muito positivos quando comecei a implementar hacks que estão muito longe das histórias de ficção científica e mesmo assim tive resultados satisfatórios.

Primeiro, construí uma equipa de saúde para cuidar de mim, com nutrólogo, nutricionista, personal trainer e psicóloga. Em seguida, analisámos diversos dados para entender o corpo e a mente, e criámos um plano. Passei de 85 quilos para 68 quilos em poucos meses, mas principalmente vi resultados notáveis em termos de energia, memória e performance no trabalho.

Com um bom acompanhamento por parte desses profissionais, passa a entender melhor tudo que funciona ou não para si. Utilizei sim, sob orientação médica, diversos suplementos nesse processo, mas a estratégia dos comprimidos sozinha não é sustentável a longo prazo se não estiver associada a bons hábitos alimentares, sono e rotinas de exercícios.

Artigo de Gustavo Comitre – Autor, MIT Technology Review Brasil

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