A competitividade é conseguida por meio da inserção em redes de colaboração em inovação locais, regionais e internacionais, bem como da incorporação incessante de tecnologias de fronteira ao ambiente de trabalho. Os efeitos diplomáticos poderão ser percebidos alguns passos adiante.
Segundo as estatísticas acerca dos depósitos de patentes por instituições portuguesas junto ao European Patent Office (EPO), cresceu bastante o interesse na área dos cuidados em saúde, tendo a área farmacêutica um aumento de 10,2%, e a biotecnologia crescido 6,3% em 2020. A tecnologia médica, com um crescimento de 2,6%, foi a que registou o maior número de invenções para as quais se procurou patentes em 2020.
Por outro lado, o número de pedidos de patente com depositantes de origem europeia diminuiu em relação aos pedidos de companhias chinesas e coreanas. Portugal depositou 119, uma alta de 8,2% em 2020. Em contraste com os pedidos advindos de outros países europeus, os primeiros cinco depositantes com maior número de pedidos são quatro laboratórios de investigação e instituições académicas, sendo 56,2% do total oriundos da região norte de Portugal.
O que se pode refletir a partir destes dados é uma desconexão entre a elevada produção académica de excelência, passível de apropriação por meio de patentes, e a produção de produtos derivados deste conhecimento pela indústria. A universidade está a cumprir o seu papel. Porém, onde estão os outros atores fundamentais – as indústrias – para absorver e gerar valor a partir da ciência? É ainda incipiente a presença local de empresas biotecnológicas para absorver e traduzir todo este conhecimento em produtos para a sociedade. Em termos da conversão em licenciamento de tecnologias e geração de startups biotecnológicas, ainda parece existir um hiato.
Segundo a fala da presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, por ocasião do lançamento da European Innovation Council, no último 18 de março de 2021, vivemos um paradoxo já que (min 1:40 – 1:50) “somos excelentes em fazer ciência a partir do dinheiro, mas não somos tão bons em gerar dinheiro a partir da ciência” (tradução livre).
A pandemia de covid-19 desnudou fraquezas, mas, igualmente, apresentou oportunidades aos olhos de investigadores, políticos e empresários. É um equívoco pensar que, uma vez que na Europa estão localizadas muitas das sedes das grandes indústrias farmacêuticas mundiais, isto não deveria ser considerado na península ibérica. A questão é tão relevante quanto o é para países do Sul. A avaliação segue a lógica do custo de oportunidade.
Segundo Plotkin, um dos investigadores influentes em vacinas, e seus colaboradores, o estabelecimento de fábricas de vacinas é essencial para garantir a segurança no fornecimento, o controlo e a sustentabilidade da previsão e planeamento da produção, o controlo de custos, o desenvolvimento socioeconómico e a resposta rápida a epidemias, incluindo as de doenças infeciosas emergentes.
Portugal pode desempenhar um importante papel na geopolítica de distribuição de vacinas e tornar-se fornecedor dos PALOP, os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, facilitando o acesso aos imunobiológicos. Outros parceiros comerciais, principais destinos da diáspora portuguesa também poderão beneficiar-se. É possível que a presença da indústria espanhola Zendal no Norte do país (Paredes de Coura) dê o pontapé inicial para desbloquear o potencial local em biotecnologia.
Fruto de trabalho de excelência, a Immunethep, empresa de biotecnologia liderada por Pedro Madureira e Bruno Santos, instalada no Biocant, parque tecnológico em Cantanhede, distrito de Coimbra, conseguiu recentemente a cessão de espaço físico. O compromisso assumido pela Câmara Municipal de Cantanhede é um passo importante para Portugal. A empresa anunciou que estão preparados com parceria e plano para a instalação de uma unidade de produção de vacinas no país. A partir da metade de 2021, em aliança com uma empresa canadiana a Pnuvax, a Immunethep planeia iniciar os ensaios clínicos. A produção local poderá tornar-se realidade em 2 a 3 anos.
Uma das grandes vantagens de se utilizar vírus inativado em formulações vacinais, como o que propõe a empresa de biotecnologia portuguesa, é que emprega o vírus inteiro, e não partes dele, o que diminui a quantidade de variantes que possam escapar ao sistema imune. Segundo a tecnologia, o vírus inteiro SARS-CoV-2 inativado quimicamente por beta-propiolactona é administrado por via intranasal por inalação, mimetizando a principal via de entrada viral. A abordagem permite que a logística de aplicação e distribuição sejam facilitadas pela simplicidade, além de não exigir temperaturas negativas para armazenamento.
Para que não se pense que este tipo de abordagem irá chegar demasiado atrasada, é importante destacar a possibilidade de mais rapidamente adaptar-se a produção às novas variantes do SARS-Cov-2. Com isso, poderá ajudar a controlar novas vagas epidémicas não apenas na Europa, mas em outros locais do mundo. Considera-se elevada a probabilidade da necessidade de novas vacinações da população hoje vacinada com os produtos disponíveis diante do aparecimento de variantes. Além disso, segundo entrevista com os responsáveis pela Immunethep, espera-se que a unidade fabril poderá tornar Portugal autónomo em termos de abastecimento de vacinas. Isso pode garantir uma capacidade nacional de vacinação em massa e assegurar também que o país está preparado para combater futuras pandemias. Outras vacinas constantes do Plano Nacional de Vacinação (p.e..: gripe sazonal; pneumonia) poderão ser incluídas no portfólio da Immunethep.
O core business de investigação e desenvolvimento da Immunethep é a geração de tratamento com anticorpos contra infeções contra superbactérias (resistentes à antibióticos). Este é outro tema essencial, pois cerca de 50% dos casos fatais associados à Covid devem-se a infeções oportunistas por bactérias geralmente em ambientes hospitalares. Se considerarmos um cenário pós-pandêmico, principalmente em países que promoveram o uso indiscriminado de antibióticos para tratamento ou prevenção da infeção viral, poderá haver um interesse ainda maior, o que irá aumentar significativamente o interesse mercadológico neste tipo de tecnologia.
O facto de promover a instalação de uma fábrica nacional de vacinas, com apoio e recursos financeiros governamentais constitui decisão política pública promotora de real geração de valor, com imenso potencial de criação de emprego qualificado e que se coaduna com uma estratégia nacional conforme a Resolução do Conselho de Ministros n.º 25/2018.
Mas da letra fria até a execução há um longo caminho a ser percorrido, que passa inclusive pela identificação da importância da criação de um “complexo económico industrial da saúde português”, a exemplo do conceito definido e defendido por Carlos Gadelha, economista, gestor público e investigador brasileiro desenvolvimentista, ligado à saúde.
O intercâmbio luso-brasileiro já tem lugar no Laboratório Binacional Brasil-Portugal para Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (LBCTIS) a ser instalado no Creative Science Park. Uma iniciativa da Universidade de Aveiro, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com apoio da Organização dos Estados Ibero Americanos para Educação Ciência e Cultura.
O facto de instalar uma unidade produtiva de vacinas permite dar continuidade à cadeia de valor e gerar oportunidades pela otimização de abordagens já existentes no território. O facto é que não se fabrica vacinas do dia para a noite, portanto o estabelecimento de uma indústria de vacinas portuguesa carrega em si benefícios de longo prazo não apenas para a pandemia atual, mas para desafios futuros em termos de saúde pública e para a posição de Portugal na produção tecnológica mundial. Ainda há outro benefício em termos da criação de competência (infraestrutura e recursos qualificados) para consecução de ensaios clínicos em vacinas, o que abre porta a novos estudos por outras indústrias farmacêuticas. Aqui entra a avaliação do custo de oportunidade. Na verdade, uma fábrica de vacinas deve ser vista como investimento. O custo de estar preparado e de prevenir é minúsculo comparado às perdas económicas causadas por uma resposta inadequada à crise.
O contexto português tem na sua essência os princípios de um sistema de fornecimento de insumos de saúde à população. As vacinas formam importante parcela destes insumos inseridos no Plano Nacional de Vacinação. A prevenção é muito mais barata que o tratamento. Em políticas públicas, processos eficazes de definição de prioridades e de investimentos são elementos cruciais para o sucesso na esfera tecnológica.
Investigadores e gestores brilhantes, pessoas dedicadas e projetos premiados internacionalmente não podem perecer por não haver o devido apoio do governo. Virar o jogo na fuga de cérebros portugueses e até mesmo atuar como um incentivador de migrações no caminho inverso pode ser um importante contributo para nossa inserção competitiva no cenário europeu e mundial. A pandemia da Covid-19 trouxe importantes lições. A mais importante, certamente, é o lançamento de uma frente de debates para o fortalecimento da estrutura de inovação e de produção em saúde em Portugal.
Artigo de Priscila Rohem dos Santos, Autor – MIT Technology Review Portugal