Biotecnologia

Sistema Antifrágil: a mudança que precisamos fazer para reinventar a saúde e os negócios

Resiliência não será o bastante num sistema frágil como o da saúde, é necessário aprender com os erros do passado e reconstruir o nosso sistema de saúde frente às adversidades como as da pandemia.

O resiliente resiste aos choques e ao tempo e permanece o mesmo, o antifrágil fica melhor. Um simples exemplo vem da aviação. Falhas e acidentes aéreos são raros se analisarmos do ponto de vista da probabilidade, porém, quando ocorrem, rapidamente tornam o sistema mais preparado para que acidentes similares não ocorram mais. Para mim, o segundo exemplo explica claramente o conceito de sistema antifrágil.

Sobre o tópico antifrágil, Nassim Nicholas Taleb, criador de livros como “A lógica do Cisne Negro” (The Black Swan) e “Antifrágil”, explica que seria o exato oposto da fragilidade, estando além da resiliência ou da robustez. Nassim encara também que acontecimentos que não podem ser previstos são os chamados cisnes negros, por serem catastróficos, raros, mas que trazem reflexões enormes no mercado.

Covid-19, sinais claros de um sistema frágil

Com o surgimento da Covid-19, rapidamente vieram comparações entre a pandemia e cisnes negros, porém será mesmo que estamos a falar de eventos imprevisíveis? Na minha opinião, a resposta é não, a pandemia de 2020-21 só ressalta ainda mais como o nosso sistema de saúde é frágil, pois além de não ter absorvido ensinamentos das pandemias de séculos passados, também não conseguiu adaptar-se suficientemente rápido para evitar novas ondas dentro da mesma pandemia que estamos a passar hoje.

Mesmo assumindo que a primeira onda fosse um cisne negro, como não pudemos evitar ou minimizar suficientemente os impactos das seguintes ondas de Covid-19? Uma frase marcante que li recentemente do chefe da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom, só reforça a fragilidade do sistema:

“Mundo regista mais casos de Covid em 2 semanas que nos primeiros 6 meses da pandemia”

Tedros Adhanom Ghebreyesus (Maio de 2021)

E não foi só da boca pra fora, os números são assustadoramente reais:

  • 11.439.682 casos de coronavírus entre 19/04/2021 e 02/05/2021
  • 11.136.596 casos de coronavírus entre janeiro e junho de 2020

Benchmark: analisando outros setores e negócios no movimento antifrágil

Tudo começa com dois importantes fatores: olhar para o passado para realizar uma retrospectiva dos motivos que levaram o evento ocorrer, e respostas rápidas para se adaptar à nova realidade. Voltando à pandemia que estamos a passar, vamos comparar com incidentes que envolvem acidentes aéreos novamente:

A IBM é um bom exemplo de organização antifrágil, além de ser uma das poucas empresas na área de tecnologia com uma história que se inicia ainda no século XIX. Começou de uma fabricante de máquinas elétricas para contagem de dados por meio de fitas de papel perfuradas até chegar ao que é hoje, passando por muitas transformações durante esse período. Já vendeu mainframes, computadores, impressoras, e em inúmeras vezes tomou a decisão de mudar o foco dos seus produtos e serviços para se manter competitiva.

Se todas as decisões tomadas pela IBM foram certeiras ou não, é difícil afirmar, porém é inegável a capacidade de se reinventar que essa empresa possui. Encaro que isso se conecte também com um outro ponto chave que define o motivo de muitas empresas gigantes que dominaram mercados inteiros perderem competitividade e morrerem, a chamada miopia em marketing.

Miopia em marketing

Começo esse tópico com um exemplo interessante: Se no passado os comboios e navios dominavam o transporte de pessoas em longas distâncias e se os donos dessas companhias eram os mais ricos de sua época, porque não foram eles então os donos das companhias aéreas? Bem, a resposta pode estar na miopia em marketing, ou seja, ao invés de focar as suas empresas em resolver os problemas dos seus clientes, que talvez seria se locomover de maneira rápida e acessível de um ponto a outro do mundo, provavelmente se limitaram a entender que eram empresas de transporte por comboios e navios, o que pode ter limitado os seus planos e feito com que não vissem potenciais oportunidades de reinventar os seus negócios para solucionar as dores dos clientes.

Comparemos a IBM novamente, se não tivesse identificado a necessidade de mudar, provavelmente teria morrido quando as máquinas elétricas para contagem de dados foram extintas.

De maneira geral, é natural que empresas grandes tenham uma tendência a se tornarem míopes, afinal possuem fontes de receita já consolidadas e muitas vezes a mudança representa também riscos, o que faz com que permaneçam inertes por mais tempo, ou seja, assim como míopes, conseguem ver o que está perto, porém possuem dificuldade de analisar o cenário de uma perspectiva mais distante.

Onde existe miopia, existem oportunidades

Numa corrida que você é o líder, o seu grande erro é focar apenas no que está à sua frente, pois dessa perspectiva aparentemente tudo está bem, porém se não olhar para o seu retrovisor ou consultar a sua equipa para entender o cenário das próximas voltas, pode estar a perder informações importantes, como a chuva a chegar, uma decisão de um adversário nos boxes, outro piloto se aproximando a uma velocidade muito mais rápida que a sua, etc. Mas quando descobrir isso, talvez seja tarde demais, já virou segundo, terceiro… Lembra-se dos exemplos clichês de Blockbuster e Kodak? Onde essas empresas estão agora?

Porém, encaro setores “míopes” como bons mercados para a tecnologia atacar, pois de maneira geral possuem baixa qualidade no requesito tecnologia, consumidores insatisfeitos, etc. No meu último artigo, Passado, presente e futuro da saúde digital no Brasil, dei o exemplo do sistema financeiro com os bancos tradicionais versus os digitais como Nubank e Inter. Quando foca no utilizador e nas suas dores, consegue trazer muito mais valor para os mesmos sem necessariamente gastar mais para isso, logo pode competir com gigantes com muito mais dinheiro que e ainda assim vencer a batalha.

Reconstruindo o nosso sistema de saúde

Recentemente, Bill Gates partilhou numa entrevista que a próxima pandemia pode ser 10 vezes pior que a atual e é fundamental iniciarmos o planeamento agora, que passa por medidas de consumo, alianças entre países na prevenção e rápida identificação de novos vírus e melhorias nos sistemas de saúde.

A verdade é que os sistemas de saúde são complexos, envolvem muitos stakeholders, de políticas públicas de proteção da saúde e do meio ambiente, passando pelo setor alimentício, operadoras de saúde, hospitais, indústria farmacêutica, entre outros. Porém um primeiro passo está sim na maior digitalização do setor.

Guardamos recordações dos nossos momentos em imagens e vídeos de maneira massiva nas redes sociais, mas se nos perguntam sobre os resultados dos nossos últimos exames ou histórico familiar de doenças, muitas vezes não sabemos responder (ou onde encontrar).

Lembra do conceito de miopia em marketing? Pois então, conexão médico-paciente, melhor acompanhamento dos indicadores de saúde e medicina personalizada são o futuro, porém passam por um ponto-chave: a recolha de dados de diferentes formas, não apenas dentro do hospital, mas no nosso dia-a-dia, consultório, dispositivos como telemóveis e wearables, para entender as dores dos nossos utilizadores e entregarmos medicina baseada em valor.

O futuro está em envolver a tecnologia no dia-a-dia das pessoas, não apenas pacientes, mas também profissionais de saúde, gestores de clínicas, hospitais e operadoras e governos

Artigo de Gustavo Comitre, Autor – MIT Technology Review Brasil

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