Cidades Inteligentes

Da inovação urbana à criação de cidades mais inteligentes e sustentáveis

A aplicação de tecnologias e a adoção de práticas menos nocivas ao meio ambiente são etapas importantes não só para o desenvolvimento dos grandes centros, mas para o avanço da sociedade. Há bons exemplos pelo mundo, o desafio é ampliá-los e torná-los realidade em todos os países.

Imagine-se transitando por uma cidade que não possui trânsito, onde o lixo é sugado por meio de tubos subterrâneos e os edifícios são estrategicamente construídos para otimizar a utilização de energia. Songdo é a primeira cidade inteligente e sustentável planeada do mundo. Localizada na Coreia do Sul, está a ser desenvolvida desde 2004 e foi desenhada totalmente de raiz, com o objetivo de garantir um desenvolvimento sustentável e construir um centro global de negócios. Sistemas de semáforos, trânsito e outros são totalmente controlados por meio da Internet. Além disso, Songdo foi construída para emitir apenas um terço de carbono quando comparada a outras cidades do mesmo porte.
A construção de cidades inteligentes é uma procura proveniente do crescimento desenfreado dos territórios urbanos e das suas consequências. De acordo com a ONU, 55% da população mundial vive atualmente em zonas urbanas, mas a perspectiva é que esse número aumente e chegue em 70% até 2050. Desse modo, é urgente pensar em modelos sustentáveis e inteligentes para as grandes metrópoles.

A construção de cidades inteligentes é uma procura proveniente do crescimento desenfreado dos territórios urbanos e das suas consequências. De acordo com a ONU, 55% da população mundial vive atualmente em zonas urbanas, mas a perspectiva é que esse número aumente e chegue em 70% até 2050. Desse modo, é urgente pensar em modelos sustentáveis e inteligentes para as grandes metrópoles.

O processo de urbanização é marcado pela transformação da economia rural, que passa a concentrar-se nas áreas urbanas, visando assim um desenvolvimento social e económico. Entretanto, no Brasil, esse processo não aconteceu de forma planeada e ordenada. As regiões Sul e Sudeste avançaram primeiro, e foi possível observar um movimento migratório: o êxodo rural, no qual os trabalhadores rurais migraram para os centros urbanos em busca de melhores condições de vida. Desse modo, a população das grandes cidades aumentou. Assim, com um pouco mais qualidade de vida, a taxa de mortalidade reduziu e a de natalidade aumentou, resultando num novo crescimento populacional.

No curto prazo, a urbanização acelerada pode parecer benéfica, mas quando observamos as consequências, vemos que esse processo acabou por trazer sérios efeitos. Com o aumento da população, a procura por habitação também cresceu e, a partir disso, tornou-se comum as construções desordenadas e sem atenção para os impactos ambientais. A longo prazo, a urbanização sem planeamento traz resultados negativos para a saúde da população e do meio ambiente, com a poluição, intensificação do efeito estufa, aquecimento global, alteração da paisagem natural, entre outros.

A urbanização deve continuar, claro, mas precisa ser repensada e feita de forma planeada. A inovação precisa ser um dos pontos focais no processo de crescimento e construção das cidades. Nesse contexto, surge a necessidade de inovação urbana e a construção de cidades inteligentes. Para falar sobre isso, vamos recorrer ao conceito difundido por Richard Florida, professor na Universidade de Toronto e teórico em estudos urbanos. Florida tem as suas principais obras voltadas para a pesquisa de cidades criativas e renovação urbana. Para ele, as regiões inteligentes são territórios que têm a sua estrutura aperfeiçoada para facilitar o fluxo de aprendizagem e conhecimento, sendo repositoras e colecionadoras de ideias e práticas de aprendizado.

Citado na Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regiões, João Ferrão, doutor em Geografia Humana pela Universidade de Lisboa, menciona que as regiões inteligentes precisam reforçar as políticas territoriais, discutir sobre o desenvolvimento e impacto territorial, promover a integração entre as ciências regionais e entender as práticas dos indivíduos inseridos na cidade.

Por outras palavras, são aquelas em que os cidadãos utilizam de processos e ferramentas para a melhoria da qualidade de vida, fazendo uso de tecnologias da informação e comunicação para usufruir da infraestrutura de maneira mais inteligente e sustentável. Muitas vezes, essas cidades resultam em territórios com um maior desenvolvimento económico, processos mais ágeis e uma comunicação mais presente e eficiente entre o poder público, cidadãos e estruturas. Além disso, a sustentabilidade vem sendo um dos enfoques para essa construção, afinal, além de pensar no bem-estar da população de hoje, é preciso garanti-lo para as futuras gerações.

De acordo com o IESE Cities in Motion Index, um estudo publicado anualmente pela Universidade de Navarra que avalia o desenvolvimento das cidades, existem nove indicadores para medir o grau de inteligência e desenvolvimento das cidades, são eles: tecnologia, governança, coesão social, capital humano, planeamento urbano, projeção internacional, meio ambiente, mobilidade/transporte e economia. Segundo o estudo, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) são apontadas como um dos principais indicadores, já que por meio delas é possível que a cidade se desenvolva em tantos outros âmbitos. Podemos perceber, por exemplo, a conexão da tecnologia para um sistema de mobilidade urbana mais eficiente. As bicicletas partilhadas podem ser um exemplo de transporte. No Brasil, esse sistema já funciona em diversas cidades e todo o controlo é realizado por meio de aplicações, ou seja, a tecnologia mais uma vez a contribuir para melhorar a mobilidade urbana e reduzir o fluxo de automóveis e também a emissão de poluentes.

De acordo com o IESE Cities in Motion Index, outros itens medidos no âmbito da tecnologia para estabelecer o nível de inteligência de uma cidade são: número de pontos de acesso a Wi-Fi, operações bancárias realizadas online, acesso a 3G, telefonia móvel, vídeochamadas realizadas, entre outros. Também é calculada a taxa de inovação a partir da percepção de soluções inovadoras na saúde, na educação e na economia.

Já do ponto de vista do meio ambiente, os tópicos para avaliar as cidades que possuem práticas que visam promover um ambiente mais sustentável são: índice de poluição, recursos hídricos renováveis, quantidade média de lixo urbano gerado, emissões de metano e dióxido de carbono, percentagem de aumento da temperatura no verão e outras variáveis. Por meio do cruzamento desses dados e dos outros 7 indicadores citados anteriormente, é possível avaliar o desenvolvimento da cidade.

Mas, afinal, quais são as cidades consideradas mais desenvolvidas e inteligentes do mundo?
Seguiremos nesta análise tendo como base o estudo do IESE Cities in Motion Index 2020. O ranking geral, ou seja, aquele que combina todos os indicadores, coloca Londres em primeiro lugar, seguido por Nova Iorque e depois Paris. As 10 primeiras cidades no ranking são:

  • Londres
  • Nova Iorque
  • Paris
  • Tóquio
  • Reiquiavique
  • Copenhaga
  • Berlim
  • Amsterdão
  • Singapura
  • Hong Kong

Londres mostrou um desempenho bem positivo no que diz respeito a projeção internacional, capital humano, governança, planeamento urbano, transporte e mobilidade e tecnologia. Uma das iniciativas da cidade para reduzir a poluição atmosférica por automóveis, foi estabelecer uma cobrança de taxa para a circulação de veículos poluentes nas áreas centrais, essa medida contribui também para melhorar a saúde da população que já paga uma taxa de congestionamento para reduzir a circulação de automóveis na região central.

Não foi por acaso que Londres conseguiu esse título. Em 2018, foi lançado o Smarter London Together, uma iniciativa com objetivo de promover ações para que a cidade fosse a mais inteligente do mundo. Cinco missões norteiam o projeto: serviços projetados pelo utilizador, novo acordo para os dados da cidade, conectividade e ruas mais inteligentes, melhoria de liderança e das habilidades digitais e melhoria da colaboração em toda a cidade.

A política de dados abertos incluiu o lançamento do London Data Store, um portal de partilha de dados gratuito. Já para melhorar o trânsito, está previsto um investimento de 4 mil milhões de libras em transporte nos próximos dez anos. O entorno do aeroporto já conta com um sistema de trânsito rápido e não poluente, o sistema Pod Heathrow, que dispensa o uso de autocarro. Além disso, a iniciativa prevê que Londres torne-se uma cidade mais verde, e que até 2025, esteja a utilizar carros com emissões zero. Também tem ambições de se tornar cada vez mais conectada. Por meio do programa Connected London, as seguintes ações são planeadas: uma rede de telemóveis pública que garanta conectividade em túneis, um novo backbone de fibra ótica e redes 4G e 5G melhoradas.

Nova Iorque ocupa a 2ª posição do ranking geral, destacando-se pela economia, mobilidade e transporte e planeamento urbano. Desde 2016, a cidade começou a substituir telefones públicos antigos por totens com rede Wi-Fi, ligações gratuitas regionais e portas USB para carregamento de telemóveis. NY também tem iniciativas para se tornar uma cidade mais verde. Exemplos disso são os jardins flutuantes no canal de Gowanus, um dos mais poluídos da cidade. Mais de 50 tubos espalhados pelo canal com diversos tipos de plantas que ajudam no processo de limpeza hídrica e de melhora da qualidade da água. Além disso, conta com o Citi Bike, um programa de partilha de bicicletas disponíveis diariamente 24 horas por dia, por meio de uma aplicação. Outra iniciativa é a iluminação pública inteligente com um sistema que controla a intensidade da luz e o funcionamento conforme o número de pessoas presentes. Nova Iorque também possui recolha de resíduos especial, as Bigbellys, que são lixeiras equipadas com um compactador de lixo que faz com que suportem até cinco vezes mais resíduos, e também enviam alertas quando já estão cheias, tornando mais assertivos os horários de recolhimento dos resíduos.

As cidades mais sustentáveis do mundo
Analisando cada dimensão individualmente do IESE Cities in Motion Index, a cidade que está mais bem colocada no quesito de meio ambiente é Reiquiavique, capital da Islândia, seguido de Copenhaga e Montevidéu.

Em Reiquiavique, quase tudo funciona por meio da energia geotérmica, que é obtida por meio do calor do interior da terra. Mais de 70% do consumo total de energia na Islândia são de fontes renováveis. Além disso, a cidade tem níveis de poluição baixos e um transporte coletivo que possui o hidrogénio como combustível. Conta também com uma aplicação de transporte público. Reiquiavique valoriza a participação da população na construção de novas soluções, por isso, possui um fórum de consulta online em que todos os cidadãos podem participar.

Copenhaga também se destaca em sustentabilidade e possui um dos níveis mais altos de vida. Os moradores da capital dinamarquesa usam a bicicleta frequentemente para se deslocarem pela cidade, que dispõe de ciclovias por todos os lados. Para tornar ainda mais eficiente esse meio de transporte, existe um sistema que sincroniza os semáforos em horários de mais movimento nas faixas de bicicletas, desse modo, os ciclistas podem circular até 20 km por hora, com todos os sinais verdes. Copenhaga dispõe também de um bairro adaptado às mudanças climáticas. Depois de uma forte tempestade em St. Kjeld, o asfalto foi substituído por um tipo de tapete de relva inclinado, e pequenas praças espalhadas pelo bairro funcionam como bacias d’água. A capital da Dinamarca destaca-se também por uma gestão verde e o consumo frequente de alimentos orgânicos e água sem cloro.

As cidades mais tecnológicas do mundo
Ainda direcionados pelo IESE Cities in Motion Index 2020, podemos perceber que Hong Kong é a que obteve melhor performance no âmbito tecnológico, seguido por Singapura e São Francisco. As duas primeiras cidades são destaques no que diz respeito a qualidade da internet e quantidade de pontos Wi-Fi.

Hong Kong tem um plano detalhado com as principais ações para continuar evoluindo e manter o título de cidade inteligente. Fazer uso da inovação e da tecnologia para o desenvolvimento urbano é um dos norteadores do plano, que pretende ainda fazer com que a cidade se torne mais atrativa para negócios globais. Para melhorar a mobilidade urbana, por exemplo, uma das metas é que a partir de 2021, exista um sistema de sinalização de tráfego inteligente com sensores em cruzamentos rodoviários para veículos e pedestres, além de melhorar as ciclovias e locais de estacionamento para bicicletas. Outro objetivo da cidade chinesa é facilitar o uso de veículos autónomos em áreas específicas dos aeroportos.

Atualmente, Hong Kong conta com mais de 20.000 pontos de Wi-Fi gratuito e 99% da população utilizam o sistema de pagamento digital com o Octopus Card, que pode ser usado no transporte e em alguns retalhistas. Além disso, a cidade também tem um plano de ação climática, que pretende reduzir a emissão de carbono entre 65% e 70% até 2030 em relação aos níveis de 2005.

Assim como Hong Kong, Singapura também estruturou um projeto para ser cada dia uma cidade mais inteligente, o Smart Nation. Um dos principais objetivos do plano é que a região tenha uma economia rica e alimentada pela inovação digital. Três pilares são cernes do Smart Nation: economia digital, governo digital e sociedade digital.

Para melhorar a mobilidade urbana, Singapura possui soluções inteligentes de tráfego e iniciativas que desencorajam a população a se movimentar de veículos particulares. Diversos testes em autocarros autônomos estão em andamento na cidade, a fim de procurar soluções que melhorem a mobilidade dos passageiros. Além disso, a tecnologia de venda de bilhetes por voz já é outro projeto em teste, com o objetivo de oferecer soluções mais inclusivas.

Singapura também possui iniciativas tecnológicas para a saúde com soluções de tecnologia assistida e robótica, teleatendimento, aplicação para caminhadas e um portal de saúde único para os residentes acessarem registros médicos e informações sobre saúde.

As cidades da América Latina e os desafios no Brasil
Fazendo um recorte no IESE Cities in Motion Index 2020 para as cidades da América Latina, as três mais inteligentes e desenvolvidas são: Santiago, Buenos Aires e Montevidéu. É importante ressaltar que a maioria das cidades latino-americanas aparece abaixo da centésima posição no ranking geral. A primeira cidade brasileira que aparece no ranking é São Paulo, ocupando a 123º posição. No que diz respeito a sustentabilidade, temos destaque para Curitiba que desde os anos 80, investiu na criação de áreas verdes, gestão de resíduos e saneamento. Além disso, a cidade entrou para o ranking de ecossistemas mais promissores para inovação do mundo, pelo Global Startup Ecosystem Report 2020.

Mas ainda é preciso muitos avanços para o Brasil revelar-se nas primeiras posições do IESE Cities in Motion Index. Uma pesquisa feita pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) mostrou que até 2019, 20 milhões de domicílios no nosso país ainda não possuíam acesso à internet. Além disso, dados divulgados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) mostram que 16% da população não têm água tratada e 47% não têm acesso à rede de esgoto. Dessa forma, é possível perceber que o país ainda enfrenta algumas dificuldades para alcançar níveis de excelência, já que em muitos casos falta o básico.

Por outro lado, existem algumas iniciativas positivas no Brasil, as fontes de energia renováveis representam 83% da matriz elétrica, algumas cidades já utilizam a tecnologia de smart grid para a gestão de energia elétrica e várias outras foram beneficiadas pelo programa Cidades Digitais. Além disso, este ano foi lançado o primeiro bairro inteligente do Brasil, em Foz do Iguaçu, o Vila A. O bairro contará com monitorização climática ambiental, Wi-Fi público, reconhecimento facial e semáforos inteligentes. Além disso, a aprendizagem é um dos caminhos para transformar regiões e fazê-las receptáculos de inteligência. Para as pequenas cidades, o ensino à distância é uma das ferramentas que ajudam a fazer com que o conhecimento atravesse fronteiras e contribua para o processo de inovação.

A criação de cidades mais inteligentes e sustentáveis é combustível para que as grandes metrópoles continuem a desenvolver-se de forma saudável, e as tecnologias da informação e comunicação são grandes aliadas nesse processo de transformação digital das cidades. Como leu neste texto, muitas regiões já fazem uso das tecnologias de geoprocessamento, Big Data e Internet das Coisas para que as cidades funcionem de forma mais ágil, funcional, económica e sustentável, aumentando a participação da sociedade civil na administração pública, melhorando a qualidade de vida dos moradores e trazendo mais oportunidades de negócios para essas regiões. As cidades inteligentes são o presente e o futuro para territórios mais inovadores, sustentáveis e criativos.

Artigo de Gustavo Caetano, autor na MIT Technology Review Brasil (adaptado).

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