Por mais pessimistas que os empreendedores tentem ser com relação aos seus planeamentos de contratações, subestima-se muito o tamanho desse problema: bons programadores custam caro, são difíceis de encontrar e mais difíceis ainda de reter — a menos que consiga criar uma cultura de fidelização muito forte na sua equipa. Simplesmente por um motivo bastante conhecido: a mão de obra de tecnologia é a mais escassa do mercado.
Apenas para se ter uma ideia do tamanho desse gap, imagine que hoje existam cerca de 845 mil empregos no setor de Tecnologia da Informação, segundo a ABRAT TI, e que a procura anual projetada de novas vagas até 2024 seja de 70 mil. Acontece que, anualmente, se formam apenas 46 mil profissionais no país, representando um déficit de 34 mil vagas por ano, o que até o fim de 2024 significará mais de 100.000 posições que deixarão de ser preenchidas.
Olhando para esse enorme desafio, dezenas de empresas têm surgido com o objetivo de amenizar esse problema. O que mais se vê no mercado são consultorias de recrutamento e seleção especializadas em TI com um discurso semelhante: o de atrair os melhores programadores (ou “devs”) do mercado.
A intenção é ótima, mas não resolve o cerne do problema: por mais que essas consultorias ajudem empresas a encontrarem esses profissionais, a oferta de mão de obra permanece inalterada. Na prática, isso significa que, provavelmente, a mesma consultoria que te trouxe um programador hoje, será a mesma que irá recrutar alguém da equipa amanhã.
Logo, para resolver esse problema em definitivo, só existem dois caminhos: encontramos uma forma de acelerar a formação e entrada de programadores no mercado; ou encontramos uma forma de reduzir a procura por esse tipo de profissional. Só assim conseguiremos encontrar um ponto de equilíbrio mais interessante para o nosso ecossistema.
Partindo do princípio de que um curso superior dura, em média, 4 anos, e que, por isso, acelerar a formação desses profissionais pode não ser tão factível, parece-me sensato propor que a redução da dependência de profissionais de TI seja um caminho com mais chances de sucesso para reduzir o déficit de programadores no mercado.
Nesse sentido, existe um movimento crescente no mercado chamado “no code”. Consiste em plataformas de abstração com uma interface amigável, permitindo que profissionais de negócios, sejam capazes de criar as suas próprias aplicações, sem escrever uma linha de código sequer. Qualquer pessoa com conhecimentos básicos de Excel pode fazê-lo.
Dentro do mundo “no code”, existem diversos tipos de aplicações, verticalizadas para fins específicos. Para citar algumas, temos a Sharetribe (específica para a criação de Marketplaces como o iFood, Mercado Livre ou Rappi), o Webflow (para criar sites e CMS), o Zapier (para criar fluxos de automações entre apps) e o Adalo (para criar aplicações para Android e iOS).
Para se ter noção da facilidade que é navegar nessas aplicações, é possível criar um diretório como o Tripadvisor usando o Adalo em poucas horas. E detalhe: como geralmente se tratam de aplicativos tipo SAAS, ainda acaba por conseguir fazer isso pagando muito pouco (algo como a partir de $50 por mês).
Segundo a Gartner, num horizonte de 3 a 5 anos 65% do desenvolvimento de software nas empresas será feito através de ferramentas no code (ou em alguns casos “low code”, que exigem apenas um pouco de esforço de programação).
Aparentemente, então, o caminho para o futuro da tecnologia está muito mais em volta de aplicativos como esses, que empoderam equipas de negócios e reduzem a dependência de profissionais de TI, do que consultorias especializadas em recrutamento e seleção de programadores, que aumentam a dependência neles. Dessa forma, conseguiremos trazer muito mais crescimento e maturidade para o ecossistema de startups do Brasil.
Artigo de Deborah Folloni, Autor – MIT Technology Review Brasil