Pense na seguinte situação, que tenho certeza já aconteceu consigo no trabalho: a sua gestora chega até si, durante uma sessão de feedback de fim de ano, e coloca-lhe alguns objetivos para o ano que está por vir. Após colocar uma meta de crescimento de vendas da sua unidade de negócios de 15% no primeiro trimestre, encerra com metas comportamentais. Essas, normalmente, ficam para o final, mesmo. Em particular, diz-lhe: “a sua meta este ano é ser mais colaborativo”. Não diz nada, agradece, e ela vai embora para a próxima sessão de feedbacks. O leitor, porém, fica na dúvida sobre o que significa “ser mais colaborativo”.
Algo parecido aconteceu comigo alguns anos antes, quando o meu gestor me pediu para ser mais “proativo”. Ele, VP de Operações Internacionais, ficava em Los Angeles e eu no Brasil, e obviamente esperava que eu tomasse mais a iniciativa e lhe reportasse com frequência as novidades. Mas, a mim, parecia que nunca era suficiente, pois esse feedback repetia-se a cada trimestre.
Em situações assim saímos da sala atordoado, com muitas dúvidas. Na cabeça ressoam perguntas como, por exemplo, “como vou conseguir demonstrar ser mais colaborativo? Como consigo medir o quão colaborativo sou agora? E de quanto preciso aumentar esse nível?”. São todas perguntas muito apropriadas, e a verdade é que é muito difícil medir a nossa evolução neste sentido — bem diferente de um pedido de gestor como “até o fim do ano tem que alcançar uma faturação de 7 milhões na sua região”. Bem mais objetivo e mensurável, não é?
Mesmo que desafiadoras, paradoxalmente, preferimos essas metas objetivas porque assim fica tudo claro e não sofremos com a dúvida, como no caso dessas metas comportamentais. Imagine: após um tempo desse feedback abstrato, está otimista por demonstrar ser mais colaborativo na empresa, já que depois dessa conversa ajudou um colega num projeto, certo dia ficou até mais tarde a participar num encontro de jovens aprendizes, partilhando a sua experiência com estes e se prontificou a estar disponível em muitos outros aspectos. Mas, ao falar novamente com sua gestora, descobre que ela não concorda: segundo ela, precisa melhorar ainda mais. “Mais, mas como? Em qual nível? Quando ela ficará satisfeita?”, pergunta-se.
E não sem razão.
A Esther Perel, uma das maiores experts em relações do mundo, aponta-nos justamente essa desvantagem que as habilidades comportamentais desde sempre carregam: por serem tão difíceis de medir, essas soft skills, como são definidas no termo em inglês, não são priorizadas no ambiente de trabalho desde sempre, enquanto focamos e medimos principalmente eficiência, produtividade e resultado.
O que são soft skills?
Segundo o livro “Fundamentals of Human Resources Management” (Noe, Hollenbeck & Gerhart, 2015), as habilidades referem-se ao nível de desempenho de um indivíduo numa tarefa específica, ou à capacidade de realizar bem um trabalho que pode ser dividido em elementos técnicos e elementos comportamentais.
Aqui já notamos duas grandes categorias de habilidades como reflexo de elementos técnicos e comportamentais na realização de tarefas: por um lado, temos as habilidades técnicas, ou Hard Skills, e por outro as habilidades comportamentais, ou Soft Skills, que não dependem de conhecimentos adquiridos e incluem bom senso, capacidade de lidar com as pessoas e uma atitude positiva e flexível.
Mais importante ainda do que a definição, porém, são as características específicas das Soft Skills a respeito das habilidades técnicas, ou hard skills. Em particular, separei três características das soft skills:
- Amplas (vs. as hard skills, que são específicas): enquanto as hard skills são focadas para o cumprimento de tarefas específicas, as soft skills são aplicáveis em qualquer situação de negócios (e de vida!).
- Difíceis de transferir (vs. as hard skills, que são fáceis de transferir e de ensinar): enquanto alguém que tem uma habilidade técnica consegue transmitir esse conhecimento para ajudar outra pessoa no desenvolvimento da mesma hard skill, isso não ocorre na soft skill com tanta facilidade: o desenvolvimento delas é um processo muito mais interno e pessoal, do que externo e ensinado.
- Difíceis de medir (vs. as hard skills, que são fáceis de medir): voltando ao ponto que já mencionamos, enquanto é possível medir as competências técnicas de um programador de software ou a proficiência de idioma inglês de um candidato, é muito difícil medir soft skills como o grau de colaboração ou pensamento crítico de um colaborador.
Parece óbvio então que, num mundo analógico, pré-digital, onde a especialização, a educação formal e a medição de QI como indicador de inteligência dominavam os ambientes de trabalho, as Soft Skills nunca fossem prioridade — e essa é a herança que carregamos conosco.
Mas algo mudou: nos últimos anos, começou-se a criar um consenso de que Soft Skills são tão fundamentais no trabalho quanto as habilidades técnicas, a partir da popularização do conceito de Inteligência Emocional pelo psicólogo Daniel Goleman nos anos 1990. O que é a Inteligência Emocional? É a capacidade, inata ou desenvolvida, de identificar, compreender, rotular, expressar e regular emoções humanas de maneira saudável e produtiva.
Goleman demonstrou que não existia uma correlação clara e proporcional entre QI e sucesso profissional após um certo ponto. Pois, sim, é preciso ter uma inteligência acima da média (QI de cerca de 115, segundo Goleman) para dominar o conhecimento técnico necessário para ser médico, advogado ou executivo de negócios. Mas, depois que as pessoas entram no mercado de trabalho, o QI e as habilidades técnicas de quem está na ativa são mais próximas, e a Inteligência Emocional torna-se um diferencial importante. Na verdade, a inteligência emocional é responsável por quase 90% das movimentações de carreira nas situações onde QI e habilidades técnicas são aproximadamente semelhantes entre candidatos, segundo a Harvard Business Review. A Inteligência Emocional é o terreno fértil das Soft Skills; sem ela, habilidades comportamentais não conseguem prosperar.
A pesquisa Global Trends Report do Linkedin, de 2019, aponta que 92% dos gestores de Recrutamento e Seleção defendem que as soft skills são igualmente importantes, senão mais importantes, que as hard skills; 80% deles pensam que as habilidades sociais são cada vez mais essenciais para o sucesso de uma empresa, enquanto 89% das “contratações más” são atribuídas a funcionários com más habilidades sociais. Uma pesquisa da Harris Poll aponta que ter Soft Skills sem ter a experiência necessária parece ser mais desejável do que ter a experiência ou as qualificações certas para um trabalho, mas sem habilidades sociais, e que 75% dos americanos provavelmente contratariam um candidato que tenha habilidades sociais, e não a experiência ou as qualificações certas.
O “Soft Skills gap”
Porém, os relatórios mostram-nos, também, o outro lado da moeda: embora cada vez mais importantes, as habilidades pessoais ainda permanecem bastante ambíguas, principalmente porque são difíceis de medir. Dos profissionais de RH entrevistados pelo LinkedIn, apenas 41% afirmaram que a sua empresa possui um processo formal de avaliação de Soft Skills; 57% dos entrevistados disseram que lutam para avaliar com precisão as habilidades pessoais e 68% pontuam que os indicadores sociais no processo de entrevista são o principal método de avaliação. Fazer perguntas comportamentais está no topo da lista de como a empresa testa as soft skills durante o processo de entrevista, mas as respostas a essas perguntas podem ser facilmente ensaiadas ou difíceis de interpretar de forma objetiva — o que significa que não são necessariamente preditivas ou indicativas das Soft Skills do candidato.
Essa dificuldade de medição, e essa ambiguidade em identificá-las, cria um ciclo vicioso que explica porque as Soft Skills nunca foram prioridade no trabalho: uma vez que o que importa aos nossos olhos é ao que prestamos atenção, as hard skills — mais fáceis de medir — se tornam na nossa realidade. No nosso foco. São os fatores em que nos concentramos, assim como ao medir sucesso nos focamos no lucro, crescimento e produtividade, e não necessariamente no impacto social, propósito ou sustentabilidade.
Fazemos a mesma coisa ao medir nosso sucesso pessoal: medi-lo através de dinheiro e status, mesmo que não estejam atrelados a nossa felicidade. Porquê? Porque são mais fáceis de medir, e permitem-nos a comparação com os outros. É muito mais fácil medir o dinheiro na nossa conta e concluir se somos bem-sucedidos ou não do que medir a nossa felicidade: não temos 100% tangibilização disso. É muito mais fácil apegar-nos a cargos organizacionais e dizer “sou mais poderoso que tu, então melhor sucedido” do que “eu sou mais feliz que tu, então mais bem sucedido”.
A melhor forma de explicar essa falha é por meio de uma história que vem da tradição budista: certa noite um homem perdeu as chaves de casa, e um amigo o encontra a procurar furiosamente por estas na rua, embaixo de um poste iluminado. O amigo pergunta se ele se lembra onde pegou nas chaves da última vez, e o homem responde, apontando para longe: “Lá, naquele campo de arroz”. Então o amigo indaga, surpreso: “Porque não estás a procurar lá?”. O homem responde, como se fosse óbvio: “Porque a luz está melhor aqui”.
Será que estamos a medir o sucesso com dinheiro e poder porque são itens mais “luminosos e fáceis de achar” ou precisamos ir até o campo de arroz procurar outras fontes mais “abstratas” de sucesso na vida? Ou, no caso do conflito entre hard skills e soft skills, será que não estamos a atrelar o sucesso profissional às habilidades técnicas porque são mais fáceis de medir?
Provavelmente sim. Mas indo a fundo encontramos as verdadeiras “chaves” para o sucesso.
Até há pouco tempo o ambiente de trabalho não tinha espaço para emoções. Porquê?
As razões são provavelmente mais sociológicas e antropológicas do que psicológicas. Volte à Revolução Industrial e à ética de trabalho que surgiu desta e pense em tudo o que implicou criar uma economia de manufatura e linhas de produção eficientes: um dos motores dessa eficiência é que não nos importávamos muito com emoções, ou relações, no local de trabalho. Queríamos ser produtivos. Queríamos ser eficientes. Separamos a esfera pessoal da profissional com duas personalidades diferentes: as emoções ficavam apenas para o horário de volta para casa.
Isso é totalmente contraproducente em muitas frentes: primeiramente, é necessária uma grande quantidade de energia para suprimir as suas emoções. Além de desgastar, isso cria relações menos profundas, onde tem menos confiança e menos conexão emocional com seus pares. Isso não é bom para nenhum tipo de trabalho que envolva relações interpessoais — pré-requisito para praticamente todos os tipos de trabalho. Contudo, isso está a começar a mudar porque temos hoje mais economia de serviços, ou de conhecimento, do que jamais tivemos no passado. Os nossos trabalhos atuais envolvem muito mais relacionamento e criatividade e cada vez mais pessoas estão a reconhecer que expressar emoções é uma grande parte da realização profissional.
O que podemos fazer?
“Como resolver esse problema e medir melhor as Soft Skills no trabalho?”. Ao mergulhar em leituras, pesquisas e infografias relacionadas, deparei-me com o relatório “Meet Your New Leaders: Supportive, Creative and Employee-Focused” da McKinsey, publicado em Novembro 2020, que demonstra claramente que Soft Skills são fundamentais para um mundo digital pós-crise: ao medir a mudança em pontos percentuais no comportamento dos líderes mais bem sucedidos após o começo da pandemia, a pesquisa mostra um aumento de 25% em comportamentos de “apoio e cuidado”, de 15% em demonstrações de “empoderamento e confiança” e 14% em “tomada de decisão rápida e sob um cenário ambíguo”. Ao mesmo tempo, comportamentos de liderança herdados do mundo analógico de comando e controlo caíram drasticamente, como “promover competição interna entre equipas” (-15%) e “exercitar liderança autoritária” (-18%). O estudo mostra claro que os líderes bem mais sucedidos após a crise demonstraram uma forte Inteligência Emocional e um leque robusto de Soft Skills.
A verdade é que o desafio que temos para resolver o problema dos Soft Skills é composto por 4 partes sequenciais:
- Encontrar um consenso claro sobre quais são as Soft Skills;
- Medir melhor as Soft Skills dos colaboradores;
- Desenvolver metodologias para treinar Soft Skills (e medir a sua evolução);
- Atrelar o impacto das Soft Skills nos resultados de negócio e encontrar correlações entre comportamentos e resultados.
Tudo isso para já, num mundo em transformação digital acelerada que precisa de soft skills na mesma rapidez que o mundo está a mudar.
Artigo de Andrea Iorio, Autor – MIT Technology Review Brasil