Pense por um momento numa escova de dentes para crianças. Você pensaria que deveria ser mais fina do que uma projetada para adulto, pois as mãos das crianças são menores, então reduziria as proporções, não é? A verdade é que esse foi o pensamento dominante da indústria de escovas de dentes por muito tempo, até mais recentemente. O problema é que este pensamento está totalmente errado. Por esse tempo todo a indústria ignorou que as crianças normalmente seguram a escova de uma maneira diferente. Elas cerram os punhos, em vez de usar principalmente os dedos (que é como os adultos tendem a fazer), e para isso é realmente melhor ter um cabo mais largo e macio.
Observando cuidadosamente como as crianças manuseiam as escovas de dente, a Oral-B veio com o “squishy grip“, um cabo grande e fofo, que facilita o controlo da criança e permite uma melhor limpeza dos dentes. Demorou muito para entender melhor as necessidades das crianças em relação às escovas de dente, por um motivo básico: as pessoas que projetam os implementos de higiene bucal não são crianças. Só usando a empatia, a Oral-B conseguiu inovar e transformar a indústria, e melhorar ao mesmo tempo a experiência de milhões de crianças.
Conheci esse case recentemente, ao estudar a importância da empatia no processo de inovação, e me lembrei de uma experiência do Satya Nadella, CEO da Microsoft, quando foi entrevistado para seu primeiro emprego na empresa. Na década de 1990, estava diante de um quadro branco enorme, desenhando fluxos de algoritmos, um após o outro, passando por fórmulas complexas e mostrando a sua acuidade de ciência da computação. Foi uma entrevista árdua, mas na parte técnica estava a sair-se super bem. Foi escrevendo a última linha de código que ele pensou: “Graças a Deus, terminei. Não é hora de finalmente ser contratado? “, mas ainda não tinha acabado não.
Nadella tinha mais uma pergunta a responder antes de a entrevista de emprego terminar. Foi uma pergunta que o apanhou de surpresa: “Se estiver num cruzamento e vir um bebé cair, o que fará?”.Inicialmente ficou sem saber o que responder: era 1992, então era antes da época do telefone celular, e após ter pensado nisso por muito tempo, respondeu que correria para o telefone mais próximo e ligaria para o 112. O entrevistador inicialmente não disse nada, mas levantou, agradeceu a Nadella e disse que a entrevista havia acabado e o acompanhou até a porta. Nadella ficou pasmo e perguntou ao entrevistador o que havia acontecido. E ele disse: “Você precisa desenvolver empatia, porque quando uma criança está chorando, você pega nela e a abraça”. Sem mais.
Hoje sabemos que essa resposta não interferiu na contratação do Satya, tão boas eram suas habilidades técnicas, pois hoje ele é CEO da gigante de software com sede em Redmond, Washington. Ele se tornou CEO em fevereiro de 2014, o terceiro CEO nos 43 anos de história da Microsoft, sucedendo a Steve Ballmer e a Bill Gates.
A importância da empatia no processo de inovação
A verdade é que foi a vida a ensinar a Satya Nadella o que é empatia, e a importância dela para inovação e liderança, através do filho dele, o Zain, que nasceu quadriplégico e que forçou o executivo a olhar para o mundo pelos olhos dele. Particularmente no que se refere a inovação, Nadella tem a crença de que não é apenas desafiar o status quo, mas significa ouvir os seus clientes e compreender as suas necessidades.
A inovação é o resultado e a consequência natural de ter em mente os interesses das pessoas que atende, e veja bem: a empatia torna-o um inovador melhor, porque se olhar para os produtos de maior sucesso no mercado, verá que vêm com a capacidade dos inovadores de atender às necessidades não atendidas e não articuladas dos clientes. Ou seja, através do exercício da empatia.
Veja bem: a experiência de ter um filho com necessidades especiais, Zain, fez Satya Nadella e a Microsoft inovarem muito na área de acessibilidade, por meio da empatia. Ele afirma que a Inteligência Artificial (IA) possui um grande potencial nesta área. “Mais do que qualquer outra coisa, a IA mudou completamente o jogo em relação à acessibilidade.” sempre diz Satya.
Uma inovação é o Seeing AI, uma aplicação gratuita para iOS lançada em 2018 que usa a câmera de um telefone para reconhecer objetos (incluindo texto impresso e caligrafia) e os descreve para utlizadores com deficiência visual. Isso lembra-me um pouco, obviamente com propósito diferente, o Hand Talk, aplicação brasileira do Ronaldo Tenório, que fundamentalmente é um tradutor virtual que automaticamente realiza a tradução do conteúdo escrito e falado para Língua de Sinais em diversas plataformas. O Ronaldo foi inclusive escolhido pelo MIT como um dos 35 jovens mais inovadores do mundo – o único brasileiro da lista.
Agora me diga: acredita nessas inovações possíveis sem empatia? Do meu lado, posso contar também que o app Ajuda Já, de prevenção ao suicidio que lancei de forma voluntária junto aos amigos Alessandro Telles e Renato Alves, não teria sido possível sem uma enorme dose de empatia que nos permitiu reviver o passo a passo que pessoas cogitando suicidio tomam na sua cabeça. A app foi tão bem sucedida que estivemos no programa da Fátima Bernardes, na TV Globo, para falar sobre ela, e até hoje recebemos mensagens de pessoas agradecendo a existência do app, e convenhamos, não tem melhor sensação.
A correlação entre empatia e inovação não se trata apenas de achismo, é comprovada: o Global Empathy Index foi uma iniciativa liderada pela fundadora da Lady Geek, Belinda Parmar, que se baseia em dados para validar a importância da empatia nos negócios. Até 2016 tinham um índice anual no qual as empresas eram classificadas em termos de empatia por meio da medição de indicadores tangíveis. Fundamentalmente, o nível de empatia foi dividido em 5 categorias: ética, liderança, cultura da empresa, percepção da marca e mensagens públicas por meio de redes sociais. Tudo isso medido publicamente, analisando tweets, resultados financeiros, e avaliações no Glassdoor também.
Os resultados mostram uma “ligação direta entre empatia e sucesso comercial”: as 10 maiores empresas do Global Empathy Index 2015 aumentaram em valor mais do que o dobro do que as 10 últimas, e geraram 50% mais lucros (definido pela capitalização de mercado). Também foi encontrada uma correlação de até 80% entre os departamentos com maior empatia, e aqueles com alto desempenho. O top 3 de 2015 tinha Microsoft no topo, Facebook em segundo e a Tesla terceiro lugar.
Empatia como diferencial entre inventar e inovar
Voltemos por um momento ao facto de que a empatia é o fator chave para identificar desejos e necessidades do cliente, sem que nem ele saiba expressá-los. Percebeu que o meu ponto nesta discussão é que empatia é o que diferencia inovação de invenção? Generalizando podemos dizer que invenção é o surgimento de um protótipo, de um novo dispositivo ou uma nova prática, processo ou modelo de negócio. Inovação é o negócio de transformar um novo protótipo em algo prático, acessível e confiável que as pessoas vão querer usar e adquirir.
Fundamentalmente inovação é o processo de redução do preço, é o processo de aumentar a confiabilidade e a eficiência do protótipo, e é o processo de persuadir outras pessoas a adotá-lo também, e muito mais. Ou seja, inovação é pegar uma invenção e transformá-la em algo que resolva a dor de alguém. Porque invenção pode ser algo que ninguém precisa e que se torna apenas um protótipo fracassado que acumula poeira lá no canto da garagem do inventor. Não é mesmo? Se não resolve a dor de ninguém, porque alguém deveria comprar ou usar isso ou aquilo? Vemos muitos exemplos desses fracassos todos os dias nas prateleiras de supermercados, em aplicações que baixamos e nunca mais usamos, e assim por diante.
Afinal, o que é empatia?
Mas, afinal, o que é empatia, e como é que os seus elementos impactam a inovação? Vamos começar lembrando que a empatia é um dos pilares da Inteligência Emocional. A definição da empatia que eu prefiro é da Thereza Weisemann, uma investigadora que estudou o impacto da empatia em várias profissões e cuja definição é sempre resgatada pela Brené Brown nas suas TED Talks. Fundamentalmente se trata de quatro pontos principais:
- Tomada de perspectiva: fundamentalmente é a habilidade de pegar a perspectiva de outra pessoa, ou de reconhecer a perspectiva deles como a verdade deles. Como podemos identificar dores não preenchidas de clientes se não nos colocarmos no lugar do outro e assumirmos a perspectiva dele como ponto de partida? Iríamos cair no grande erro que cometemos a maior parte das vezes, que é desenvolver novos produtos, serviços ou features que consideramos importantes para… nós mesmos! Além de ser extremamente egoísta e demonstrar pouca empatia, nós corremos o risco de falhar pois não somos representativos da maioria de nossos clientes.
- Evitar julgamentos: isso é tentador, após ter tomado a perspectiva do outro, não é? Empaticamente olharmos do ponto de vista do cliente, porém julgá-lo porque essa visão não está de acordo com a nossa e voltamos atrás. Um exemplo prático: talvez o seu cliente queira algo mais simples na sua aplicação de e-commerce, enquanto está com a app mais completa e sofisticada do mercado em mente. Assim que entender isso, se for teimoso, irá pensar: “Eu estou certo, o meu cliente que está errado, vou fazer mesmo assim e convencê-lo de que o meu ponto de vista é melhor”. Nem preciso dizer que isso leva ao fracasso, não é?
- Reconhecer emoções nos outros: isso é fundamental porque só ver as coisas da perspectiva do outro não é suficiente, mas é preciso reconhecer quais são as sensações e sentimentos que a pessoa experimenta naquela situação, ou enquanto usa um certo produto ou serviço. E sabe o que é interessante aqui? A melhor forma de reconhecer as emoções nos outros é o autoconhecimento, pois vai entender as emoções do seu cliente apenas se já tiver vivido algo semelhante. Se não, reconhecer emoções não será possível? Quem aqui se lembrou do exemplo de feedback empático que eu fiz no começo?
- Comunicar que reconheceu as emoções da outra pessoa: ou seja, temos que demonstrar que ouvimos o cliente a colocar a inovação na prática. Não teria algo mais frustrante do que nossa empresa se autoproclamar empática, inovadora e focada no cliente, constantemente recolhendo dados e informações sem depois agir demonstrando que teve a habilidade de reconhecer as suas necessidades e dores. Eu por exemplo, trazendo um exemplo super básico, fico chateado quando, após ter preenchido formulários gigantescos sobre o meu perfil de cliente num novo site de ecommerce, no primeiro email marketing recebo sugestões de presentes para crianças, que não tem nada a ver comigo. Quem nunca?
Bom, mas antes de finalizar, precisamos clarificar algo: a forma mais comum pela qual as empresas acham que estão a praticar empatia, ou seja, ir até o cliente e lhe perguntar o que ele quer, simplesmente não funciona. Sabe o motivo? Porque ele simplesmente não sabe. Tradicionalmente o Henry Ford disse que se ele tivesse perguntado na época para o seu cliente o que ele queria, ele teria respondido um cavalo mais rápido, não um carro.
Ou seja, cabe a nós, inovadores, identificar as dores dos clientes sem que eles nem saibam expressá-las. Isso é possível apenas por meio da empatia.
Artigo de Andrea Iorio, Autor – MIT Technology Review Brasil