Cookies nada mais são que pequenos arquivos de texto que ficam gravados no computador das pessoas quando navegam em sites. Só isso. Graças a eles, você pode, por exemplo, voltar diversas vezes a um e-commerce onde deixou produtos guardados no carrinho de compras e aceder-lhes sem precisar fazer login todas as vezes. Este é o chamado first party cookie, que normalmente está atrelado à entrega de boas experiências de navegação aos consumidores.
Já os third party cookies são cookies de outras empresas que poderiam, via parceria com o e-commerce, por exemplo, utilizar essas informações em outras campanhas. Um uso muito comum — e nem sempre bem aceito — é o dos banners de retargeting: aqueles que ficam mostrando diversas vezes o produto que já comprou na internet.
São estes últimos, os third party cookies, que estão com os dias contados. Já limitados em outros navegadores, agora serão punidos no mais popular, o Chrome.
A motivação para tudo isso vem das mudanças recentes na legislação de diversos países, entre eles o Brasil, com a Lei Geral de Proteção de Dados, protegendo a privacidade dos utilizadores e forçando as empresas a limitar a sua capacidade de recolher dados não autorizados.
Ou seja, é por uma boa causa.
Os first party cookies seguem firmes e, agora mais do que nunca, serão peça central nas estratégias de marketing digital. É por isso que está em alta o tema “estratégia de dados first party”, em que as empresas se organizam para priorizar os dados que recolhem das relações diretas com seus consumidores: cadastros, acessos ao site, uso de aplicações, e-mails, etc.
Acredite se quiser, apenas 37% dos profissionais de marketing se dizem preparados para essa nova realidade, segundo a pesquisa Advanis e Adobe de dezembro de 2020.
Mas qual é a “parte boa” do marketing que estamos a perder com o fim dos third party cookies?
A resposta está nas jornadas. Antes de comprar um produto ou serviço, um consumidor passa por diversos momentos: desde quando reconhece a necessidade, passando por pesquisas sobre o tema, olhando produtos, escolhendo, comprando e usando. Essas diversas etapas compõem uma jornada, na qual empresas e consumidores se encontram diversas vezes: no site, na loja, na rede social, etc. O third party cookie tinha um papel central ao ajudar a conectar a jornada inteira, passando pelos diferentes pontos de contato, físicos e digitais, entre empresas.
“Os cookies são como um passaporte”, diz Mateus Lopes, consultor sénior da Adobe. “É como se com ele os dados pudessem passar entre fronteiras de forma livre enquanto ainda mantém as conversas entre países. Com o fim do third party cookie, o passaporte é substituído pelo RG, e só voos domésticos são possíveis.”
É por isso que, na busca por tentar colar as partes das jornadas que serão perdidas, as empresas procuram soluções desde as mais sofisticadas até as mágicas.
Começando pelas soluções mágicas
Conhecidos por serem grandes empresas de publicidade digital — pois é de lá que vem sua receita —, os gigantes de busca (incluindo media programática) e redes sociais dominam o mercado de anúncios na internet e poderão concentrar mais dados quanto menor a maturidade e capacidade digital de seus anunciantes.
“Se for uma pequena empresa, é natural que 90% do seu investimento digital vá para essas duas plataformas, mas se for uma empresa grande, deve fazer investimentos para conhecer melhor os seus clientes e diversificar o investimento em media, encontrando o consumidor, em qualquer lugar, de forma agnóstica”, diz César Moura, da consultoria Hypr.
Decidir que uma empresa de media será o seu porto seguro para guardar seu first party data pode acabar como no canto da sereia. Explico: os dados NÃO são o novo petróleo, o algoritmo, sim.
Logo após comprar um produto num site que eu gosto, a rede social se enche de banners de empresas concorrentes vendendo produtos semelhantes.
Neste caso, a empresa dona do site até tem o dado da compra e do meu registo, mas quem aprendeu que aquele consumidor “tem propensão a comprar algo em seguida”, logo após aquela minha compra ou navegação no site, foi a rede social. E ela usou essa aprendizagem (via seu algoritmo) na venda de publicidade para a empresa concorrente.
Quando uma grande empresa decide pela rede social ou pela media programática como repositórios do seu first party data, deve estar ciente que a aprendizagem do algoritmo desses veículos pode beneficiar seus concorrentes.
E agora as soluções sofisticadas
Grandes anunciantes com alta maturidade digital se diferenciam a partir do conhecimento dos seus clientes. O uso de Big Data e Inteligência Artificial para transformar o marketing tradicional em preditivo é chave para isso.
Quando uma empresa consegue unir os dados dos clientes, como visitas às lojas, compras no e-commerce, ligações no call center, interações com empresas parceiras, navegação no site, compras anteriores, uso da aplicação, etc., cria modelos de propensão para então ser preditiva na comunicação com eles. Ela, assim, cria agrupamentos (chamados de audiência) como “pessoas com propensão a comprar determinado produto” ou “pessoas com alta chance de cancelar um serviço”, entre tantas outras. Esta aprendizagem (via algoritmo próprio) está dentro da empresa e não no veículo de media programática ou na rede social.
Logo após criar esse conhecimento, a empresa deve “acionar” os dados, podendo fazer de várias formas: enviando e-mails, mudando a mensagem quando a pessoa entra no site ou até comprando publicidade para essas pessoas de forma personalizada. Indo além, em breve, poderá até fazer isso em elevadores, abrigos de autocarros e TVs. Quanto mais digitais se tornam nossas interações, maiores são as possibilidades.
Aí entra um termo-chave: portabilidade.
Para acionar o dado, a empresa precisa “transferi-lo” para os diferentes pontos de contato com o consumidor na sua jornada em diferentes plataformas: redes sociais, media digital, banners, sites, CRM, aplicações, serviços de streaming, vídeo, lojas, caixas eletrónicos, e-mails etc.
A inteligência dos dados fica “dentro” do anunciante. É agnóstica, recebendo e enviando dados, independentemente do destino, de acordo com o melhor resultado. É o que torna essas empresas “data-driven”.
Essa é uma verdadeira estratégia de dados first party: agnóstica, omnicanal e portátil.
Outro argumento para tal estratégia é o da rapidez da evolução do mundo digital. Quando se desenha uma estratégia de dados, a grande empresa deve se lembrar que no futuro pode haver outras possibilidades. Dentro do que chamamos de “internet aberta”, as opções florescem a cada dia: TikTok, Spotify, Hulu (recém-adquirido pela Disney), Amazon e tantas outras plataformas representam ⅓ do investimento total de media de anunciantes maduros.
Quanto maior a diversificação, maiores as possibilidades e menor o risco futuro.
Quando, por outro lado, as empresas decidem, como estratégia, se eximir desse trabalho e deixar que o veículo de media cuide do seu first party na forma mágica, estão não só a dar mais dados para quem pode alimentar o seu concorrente como também para quem um dia pode ser o seu concorrente. As big techs já lançaram os seus próprios meios de pagamento, serviços de vídeo, passagens aéreas e até de telecomunicação. No futuro, de carros.
Embora pareça atraente, são “jardins murados”: há ótimas possibilidades quando se está concentrando os dados num único vendedor de media big tech, porém são cercados de muros altos que podem limitar o anunciante que quer levar a inteligência para outros lugares (portabilidade). Além disso, são direcionados ao propósito da compra de media, reduzindo as possibilidades, por exemplo, de um marketing omnicanal.
Por fim, a execução que favorece a diversificação colabora para métricas holísticas e independentes. Tendo isso dentro da empresa, evita-se o problema de não saber corretamente o que funciona todas as vezes que big techs de media precisam se desculpar por não terem medido corretamente o impacto da sua publicidade. O que já aconteceu algumas vezes.
Como podem as grandes empresas evitar isso?
Antes de mais nada, as empresas precisam sempre lembrar dos seus objetivos de negócio e pensar no futuro. Os seus consumidores de hoje e do amanhã, cada vez mais, estão espalhados por todos os lados com diferentes comportamentos e em diferentes plataformas. Estes consumidores devem ser colocados em primeiro lugar para receber as melhores experiências.
Para preparar o seu arsenal de first party data, devem repensar nas relações diretas com os seus consumidores, a forma como estão a recolher dados e a entregar melhores interações. Aqui o céu é o limite. Por exemplo: um retalhista pode oferecer um serviço de saque via Pix, a partir do escaneamento do QR Code, quando um consumidor passar pelo caixa. Que tal? Neste momento, a loja pode pedir para capturar o e-mail do consumidor para avisá-lo posteriormente sobre o cartão de crédito. Pronto! O banco da rede retalhista agora tem uma “relação first party” com o cliente após entregar uma ótima experiência.
Quando pensamos em infraestrutura para trabalhar com esses dados de forma agnóstica, omnicanal e portátil, três principais iniciativas se destacam no mercado:
A primeira é a Unified ID 2.0 (identidade unificada), fruto de parceria entre LiveRamp e The Trade Desk, que prevê um identificador comum entre anunciantes e veículos de media, como grandes jornais e outras propriedades de grande audiência, formando uma grande rede de colaboração para construir jornadas, independentemente dos cookies, ao mesmo tempo que respeita a privacidade dos utilizadores.
A segunda é a utilização de CDPs (Customer Data Platforms), que tem entre os seus pioneiros a Adobe, além de outras empresas que recentemente vêm anunciando CDPs concorrentes no mercado. Nesse modelo, os dados conhecidos (ex.: cadastros) e desconhecidos (ex.: navegação no site) são armazenados e cruzados na nuvem criando visões únicas dos utilizadores. De lá, rodam os modelos de IA para serem então acionados (portabilidade) nos diversos canais.
As fabricantes de CDPs são empresas de tecnologia, o que significa que ao comprar uma CDP, o anunciante terá uma caixa vazia para preencher com seus dados e fazer seus modelos. O dono dos dados é o anunciante que tem a inteligência (algoritmos) dentro de casa. Não há conflito, pois não são vendedores de dados ou de media. Os modelos de governança e privacidade são centralizados, facilitando o controlo para a LGPD.
Por fim, há as iniciativas de 2nd party data: parcerias entre empresas que trocam dados entre si e aprendem com eles, dando melhores experiências aos consumidores. Um exemplo pode ser a parceria entre um banco e uma companhia aérea para construções de audiência para o cartão de crédito que dá milhas. Essas parcerias não são novidade, mas estão ganhando papel de destaque no mundo sem cookies e com CDPs.
As três soluções de infraestrutura acima não param de crescer no mundo todo, dando ao anunciante maior liberdade para usar os seus dados num futuro com mais possibilidades, priorizando a portabilidade e, principalmente, garantindo que as aprendizagens sobre os seus consumidores fiquem cada vez mais dentro das suas empresas.
Dessa forma também se evita a concentração da aprendizagem a respeito dos clientes apenas nas big techs, criando um ecossistema de valor onde todos aprendem e crescem com os dados, principalmente os anunciantes.
Artigo de Fernando Teixeira, Autor – MIT Technology Review Brasil