Humanos e Tecnologia

O comportamento humano em relação à saúde

Todos temos vieses e por causa deles, as nossas ações nem sempre refletem o bem que queremos para as nossas próprias vidas ou mesmo daqueles a quem amamos. Desde decisões simples como o que comprar para nos alimentar e nutrir até decisões que envolvem o meio ambiente e a coletividade como separar o lixo, usar água com parcimônia ou até mesmo tomar vacinas.

Especificamente sobre o tema da vacinação há estudos que mostram que quem acredita nas vacinas o faz porque efetivamente acredita nos sistemas de saúde dos seus países, confia na qualidade da indústria farmacêutica, acredita na recomendação dos profissionais de saúde, mas, principalmente, porque entende que é preciso cuidar de quem se ama. (1)

Algumas vezes podemos cair na armadilha de pensar que as pessoas não decidem pelo mais lógico e racional por falta de conhecimento e assimetria de informação. Nem sempre é assim. Caso assim fosse, seres humanos não iriam adquirir hábitos que não fazem bem à saúde como por exemplo, fumar, ingerir bebidas alcoólicas em excesso ou consumir drogas. Efetivamente o que repetimos todos os dias são hábitos adquiridos cuja tendência é permanecerem conosco. A mudança exige ação. 

Entretanto, algumas vezes é necessária a mudança e para que esta ocorra, poderíamos contar com alguns empurrõezinhos. O impulso para a mudança parte de um estímulo, que aumenta a vontade, que causa uma resposta, que passa a ser frequente. As recompensas ou incentivos estimulam a repetição e assim, cria-se o novo hábito, num fluxo contínuo de ação. O modo como uma mensagem chega, o seu enquadramento, pode fazer imensa diferença em como processamos a informação. Temos a tendência de seguir o status quo, portanto, aceitar e manter uma decisão requer menos esforço e será sempre a opção preferida pela maioria.

A mensagem no caso da vacinação tem objetivo informativo e também de garantir uma adequada cobertura vacinal na população. Será endereçada aos pais (no caso de crianças) ou a jovens adultos ou a idosos. Esta mensagem é veiculada por um canal e tem um mensageiro. A mensagem precisa estar focada em quem a vai receber e é preciso evitar os ruídos para que cumpra o seu objetivo.

Neste sentido, a autoridade e a liderança representam um papel fundamental. Para exemplificar a importância desta liderança, profissionais ligados à Organização Mundial da Saúde (OMS), Ministros da Saúde, Presidentes, Primeiros-Ministros e os profissionais de saúde mais próximos dos utentes têm um papel fundamental ao transmitirem informação técnica de modo seguro à população. Nas palavras do Dr. Mike Ryan, da OMS, ao falar sobre a Pandemia de Covid-19: “é preciso inovar em ciências comportamentais: como nós como comunidade e indivíduos entendemos uma epidemia e nos comportamos durante a mesma, sobre forma como processamos a informação e os conselhos e como construímos confiança” (tradução livre) (2)

 

O facto é que a atenção humana é limitada e mesmo que a intenção exista é mesmo muito fácil esquecer-se de um compromisso. Até mesmo quem tem uma data indicativa da próxima dose marcada no cartão de vacinação, pode, por puro esquecimento, mera distração não comparecer à unidade de saúde. Assim, acaba por ter que fazer todo o esquema vacinal do início, sob pena de não induzir a desejada imunidade. 

Um estudo na Índia (Patel e Pandit, 2011), por exemplo, mostrou que 32% dos casos de falta de vacinação infantil relacionam-se à falta de envio de lembretes aos pais. (3) Este pode ser o ponto mais fácil, barato e eficaz de intervenção em termos de políticas públicas por meio do envio de SMS ou inserção de lembretes em aplicações relacionadas à saúde ou em agendas virtuais. (4

Exemplos de intervenções desta natureza estão presentes tanto em países de alta renda, como em países de média e baixa renda. (5)  Segundo a revisão, apesar de variações entre os países onde foram aplicadas, as estratégias que combinam educação para a saúde e o uso de lembretes (que podem inclusive ser entregues pelo correio comum) aumentam a cobertura vacinal (6).

A procura de informação é geralmente feita de modo a confirmar as nossas crenças prévias — o chamado viés da confirmação. Se já temos algum conceito pré-concebido, consciente ou inconscientemente, temos tendência a procurar informação e conteúdo usando termos que confirmam aquilo em que já acreditamos.

No caso de pessoas que podem identificar que a pica pode ser uma ação passível de gerar efeitos secundários nos seus filhos, alguns acabam por permanecer na omissão ao invés de ativamente buscarem a proteção de formas graves de determinada doença. Efetivamente o ganho no caso específico da vacinação pode estar distante. Alguém que nunca presenciou algumas formas graves de certas doenças pode ter dificuldade de entender um benefício muito distante de sua realidade.

Para complicar a equação, a divulgação de determinadas notícias de forma veemente nos diversos canais midiáticos traz à memória coletiva eventos que podem ser raros. Por serem grandemente noticiados, a repercussão de certos casos parece fazer com que a noção da probabilidade de acontecerem seja maior do que na realidade é. Em relação a efeitos adversos de vacinas, por exemplo, este pode ser o caso. 

A informação é importante, porém, espalhar o medo não é benéfico. Além disso, numa era onde a produção de notícias falsas, cuja divulgação cresce exponencialmente em redes sociais, traz um componente ainda mais perigoso a esta equação: informações indevidas, falsas podem ter o seu efeito amplificado e assim induzir insegurança coletiva. Algumas vezes os indivíduos podem verificar a veracidade dos factos mas, dificilmente farão cálculos complexos para perceber a probabilidade de ocorrerem.

Da mesma forma, nós, seres humanos, procuramos um benefício imediato, estamos focados no presente. O trade off entre sair de casa para ir a um local específico para tomar uma vacina e gastar tempo somente será compensado no longo prazo com a diminuição da possibilidade de ser infetado. Todo o esforço tende a ser evitado. Há muito mais chances de programas ampliados de imunização serem bem sucedidos quando pressupõem que o chamado custo de fricção seja evitado. Passo a esclarecer com o exemplo de evitar o deslocamento. Ao levar a imunização para o ambiente escolar, onde todas as crianças já estão, facilita a aplicação e ajuda a atingir a cobertura vacinal esperada (7)

No caso de adultos, ter a possibilidade de obter sua dose em drive-thru seria uma excelente opção.

É um tanto quanto paradoxal, mas gostamos de ser percebidos como coerentes e cumpridores de normas sociais, compreendidas como desejáveis ou corretas, assim tendemos a comportar-nos devidamente. Com o advento das redes sociais passamos a mostrar este compromisso aos pares. De facto, a vacinação é um contrato social no qual ser vacinado é o comportamento moralmente correto. No entanto, os efeitos indiretos da vacinação e os custos associados (tempo, esforço, risco de eventos adversos da vacina) constituem um dilema social. Os interesses coletivos e individuais estão em conflito. Alguns podem beneficiar-se de outros, devido à imunidade de grupo e assim quebrarem o contrato social. 

Há um estudo recente de Korn e colaboradores (2020) que aborda o tema (8). Ao final do estudo discute-se que o emaranhado real ou percebido de categorias sociais ou estado de saúde podem alimentar os estereótipos existentes o que pode levar à marginalização e comportamentos menos positivos dos indivíduos que  obedecem ao contrato. Assim, segundo os autores, o acesso equitativo a cuidados de saúde e vacinas é de extrema importância para permitir que todos cumpram o contrato social e também evitar discriminação adicional com base no estado de saúde. 

O alcance de coberturas vacinais adequadas alinhadas à estratégia global da Organização Mundial de Saúde (9) pressupõem o entendimento das dimensões comportamentais. Por meio de estudos aprofundados, exploratórios e estudos randomizados controlados é possível definir ações concretas que funcionem. Assim,  como sociedade, beneficiando-nos de conhecimentos das ciências comportamentais poderemos  alcançar o objetivo de desenvolvimento sustentável 3 das Nações Unidas (SDG 3), boa saúde e bem-estar (10).

Artigo de Priscila Santos , Autor – MIT Technology Review Portugal

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