Os últimos meses foram de muitas adversidades e reinvenções para negócios diversos. Muitos setores registaram quedas e encerramentos, já outros contabilizaram aumentos exponenciais, o e-commerce foi um deles. Há duas décadas, em 2001, no início do surgimento do comércio eletrónico , o setor faturava cerca de 73 mil milhões de euros anualmente. Naquela época, grande parte dos consumidores ainda possuía as suas reservas quando o assunto eram as compras online. Com o passar dos anos, o segmento manteve-se em uma crescente e conquistando cada vez mais adeptos. Para se ter uma ideia, no 1º semestre de 2020, o e-commerce teve uma faturação de 560 mil milhões de euros, segundo uma pesquisa realizada pela Ebit — empresa que avalia a reputação das lojas virtuais por meio de pesquisas. Além disso, em faturação, no cômputo geral do ano de 2020, o comércio eletrónico obteve uma alta de 83,68%.
No ano passado, vivemos meses atípicos que culminaram também em valiosos insights e aprendizagens para empresas variadas, principalmente para aquelas que se limitavam às vendas em lojas físicas. O comércio eletrónico avançou, e segundo a Opinion Box — empresa de pesquisa de mercado — 50% dos consumidores compraram online produtos que nunca tinham comprado dessa forma e outros 73% descobriram que, para algumas coisas, compras virtuais são muito mais práticas. Inegavelmente, a pandemia acelerou o processo de transformação digital do retalho e estimulou a batalha pelo e-commerce. Muitas mudanças foram feitas, os números cresceram e o setor manteve-se competitivo, mas, é preciso entender ainda mais o comportamento do consumidor e as tendências do mercado, para conquistar territórios e avançar para a solidificação em todos os âmbitos.
Pensando nisso, vamos partir para uma jornada analítica de como esse mercado avançou nos últimos anos, o que precisamos melhorar e o que esperar para os próximos meses.
Alguns passos para avançarmos
Para o e-commerce ter números cada vez maiores e clientes mais satisfeitos, é primordial que o comportamento do consumidor seja estudado. Quando estamos num ambiente virtual, torna-se muito mais fácil fazer a coleta de dados dos utilizadores para entender pontos que devem ser melhorados. Sobre isso, a Gartner divulgou uma investigação que mostrou que as empresas que tiveram maior crescimento em receita são também as que mais recolhem dados de customer experience. É preciso extrair números e agir sobre eles de maneira eficiente e assertiva.
No início da pandemia, por exemplo, vimos muitas operações com dificuldade de suportar o crescimento da procura de compras online, gerando insatisfação dos consumidores, aumento do número de reclamações em relação aos prazos e lentidão no atendimento. Nesse aspecto, é importante estruturar maneiras ágeis e focadas na resolução de problemas. O modelo de atendimento tech touch, ou seja, aquele baseado em automação inteligentes, em que os consumidores não têm contacto humano, pode ser uma boa alternativa para agilizar os processos. O low touch é outra boa opção, visto que é parecido com tech, porém existe um pouco de contacto humano. Vale deixar claro que, modelos de atendimento automatizados devem ser funcionais e de facto inteligentes, caso contrário, tornar-se-ão mais uma zona de insatisfação do consumidor.
A usabilidade é outro ponto que deve ser uma preocupação para garantir uma boa experiência. Não é à toa que profissões de UX, UI Designer e UX Writer estão em alta, as empresas têm percebido o quanto é importante que as interfaces de um e-commerce, marketplace ou aplicação sejam otimizadas e funcionais. Os textos também são fundamentais para a construção de mensagens claras, úteis, consistentes e alinhadas com a persona de cada segmento. Além disso, outra circunstância que faz com que a usabilidade seja fundamental são os novos adeptos às compras online. No primeiro semestre de 2020, 7,3 milhões de brasileiros compraram pela primeira vez neste formato, segundo a mesma investigação elaborada pela Ebit, citada anteriormente. Por isso, deve-se elaborar interfaces que sejam de fácil compreensão para esses novos entrantes.
Outro âmbito em que precisamos avançar é a velocidade de entrega das compras feitas nos ambientes virtuais. Nas grandes cidades brasileiras, muitos consumidores já esperam receber as suas compras no dia seguinte, ou em alguns casos, até dentro de poucas horas. Algumas empresas já conseguiram dar passos nesse requisito, a gigante Amazon destaca-se pelos grandes e tecnológicos centros de logística no Brasil e no mundo. Com o programa “Prime”, a empresa consegue garantir entregas em até 2 dias úteis aos seus clientes. Além disso, no final do ano passado, a companhia anunciou a construção de mais 3 centros de logística no país, então, a tendência é que o serviço de entrega melhore ainda mais. Jeff Bezos, o CEO da Amazon, que anunciou recentemente o seu afastamento do comando da empresa, deixou um legado importante, além de preocupar-se em oferecer boas experiências ao cliente, a Amazon tem o plano em que até 2022, sejam fabricadas 10 mil carrinhas elétricas para entrega, com o objetivo de zerar as emissões de carbono. Recentemente, as primeiras carrinhas já foram vistas circulando em alguns bairros de Los Angeles.
Há pouco tempo, a Via Varejo, detentora das marcas Casas Bahia, Ponto Frio, Extra e Bartira, anunciou uma nova logística que promete acirrar a competição com a Amazon. O Envvias é um serviço que permite que os lojistas que fazem parte do marketplace das lojas do grupo possam utilizar também o serviço de logística para fazer as entregas dos produtos. Hoje, a rede conta com mini hubs, além da possibilidade de retirada dos produtos nas lojas físicas.
A Magalu não fica de fora no serviço de inteligência de entregas, com uma forte estratégia de aquisições, ao comprar a LogBee, plataforma que liga entregadores autónomos a empresas de entregas, a Magazine Luiza ganhou ainda mais força em logística e muitos consumidores recebem os produtos em até 24 horas.
Além dessas companhias, o Mercado Livre também tem elevado as expectativas dos consumidores em relação às entregas. Com operação fulfillment, ou seja, aquela que gerencia stock, armazenamento e entrega dos vendedores do marketplace, a empresa consegue entregar 80% dos pedidos em até 2 dias. Com o planeamento de abrir mais 4 galpões este ano, a tendência é que essas entregas sejam ainda mais ágeis.
Com esses exemplos, conseguimos perceber que as grandes empresas já estão a avançar no serviço de entrega dos e-commerces, mas, é preciso continuar no caminho do progresso. É necessário pensar, por exemplo, em logística para as cidades pequenas em que diversos consumidores possuem poder de compra, mas nem sempre encontram prazos de entrega que se adequem à sua procura. Além disso, os e-commerces menores também devem se atentar para esse aspecto, procurando alternativas para agilizar a entrega e valores de frete que caibam no bolso do consumidor.
Algumas tendências para perseguirmos
As próximas tendências para o comércio eletrónico perpassam pelos gargalos, necessidades e dificuldades que vimos anteriormente. Além disso, passa também por oferecer algo há mais, aquilo que faz o consumidor comprar, voltar e virar um cliente fidelizado. Nessa esfera, a primeira das apostas é investir em entretenimento aliado à compra. Em 2020, o lazer presencial ficou extremamente limitado, os shows em grandes espaços físicos deram espaço para as lives no conforto de casa. Segundo uma pesquisa da Google, no ano passado, 71% dos brasileiros que possuem acesso à internet assistiram alguma live. O e-commerce brasileiro atentou-se para essa oportunidade e pudemos assistir algumas live commerces, um formato de transmissão ao vivo que une entretenimento e a possibilidade de comprar imediatamente. Na China, o mercado já movimenta dezenas de biliões de dólares, no Brasil, precisamos otimizar essa estratégia, oferecendo estabilidade, velocidade e conteúdo de qualidade para os consumidores aderirem ainda mais a esse recurso.
A tecnologia deve ser um pilar que o comércio eletrónico precisa apostar, a realidade virtual e aumentada deve ser uma das próximas exigências dos consumidores de lojas virtuais. Algumas companhias já desenvolveram estratégias nesse sentido, principalmente empresas voltadas para móveis e decoração. Com o Buy+, a gigante chinesa Alibaba já permite que os clientes percorram os corredores de uma loja virtual por meio da RV. A propósito, a China tem sido um dos países para ficarmos de olho quando o assunto é inovação e tecnologia para o e-commerce.
A evolução dos meios de pagamento para o comércio eletrónico deve ser uma das preocupações dos retalhistas. No Brasil, no último ano, com a pandemia e a criação do auxílio financeiro emergencial, vimos milhões de brasileiros a estrear as suas carteiras digitais com o valor repassado pelo governo e utilizarem essa nova forma de pagamento para as suas transações. O Pix, sistema de pagamentos instantâneos, foi outra novidade no país, e até o fim de 2020, o novo recurso já tinha movimentado cerca de 150 mil milhões. Contudo, as novas formas de pagamento trazem também atenção aos golpes e fraudes nas transações financeiras, por isso, a cibersegurança deve ser um assunto chave. Ainda sobre o Pix, muitos e-commerces ainda não adotaram a possibilidade como método de pagamento, segundo especialistas, o motivo disso esbarra no desenvolvimento de tecnologias e integração, outro campo para desdobrarmos esforços para conquistar territórios.
Com a pandemia, alguns setores que nem sempre foram grandes destaques no comércio eletrónico brasileiro passaram a ganhar força, itens de farmácia e mercado são novos segmentos que os consumidores passarão a ter mais hábito de adquirir por meio virtual. Nos EUA, a Amazon entrou também para o mercado farmacêutico, no final de 2020. Com toda experiência e agilidade da companhia, as entregas são realizadas no mesmo dia e os clientes ainda contam com a possibilidade de falar com um farmacêutico online 24 horas por dia, além disso, os clientes do plano Prime podem conseguir até 80% de desconto, sem contar a entrega gratuita. Devemos destacar que, para esses setores, a expectativa do cliente é que as entregas sejam ainda mais ágeis.
Outra dimensão importante que esbarra na experiência do cliente e também é uma excelente estratégia de vendas é o uso de aplicações. Com a utilização cada vez mais frequente de dispositivos móveis, as apps devem ser apostas para os retalhistas que querem aperfeiçoar as suas estratégias, essa é uma forma de melhorar a jornada de compra do consumidor e também facilitar as vendas. Com aplicações já instaladas nos seus smartphones, os utilizadores tendem a retornar e fazer compras com muito mais facilidade, além disso, pode-se utilizar estratégias de marketing e vendas, enviando notificações push personalizadas. Por esse motivo, não devemos falar mais somente em e-commerce, é preciso ficar atento ao m-commerce. Nos EUA, por exemplo, a expectativa é que neste ano, as compras feitas por mobile representem 54% de todo o comércio eletrónico .
A hiper personalização também é um assunto para ficar atento. Se antes falávamos sobre personalização, esta torna-se um item obrigatório no comércio eletrónico , e para ir além é preciso oferecer experiências hiper personalizadas. Com a Inteligência Artificial, os e-commerces devem exibir produtos que se aproximem cada vez mais da intenção de compra dos clientes. Nesse aspecto, o Big Data e o Analytics também são fundamentais para coleta de dados, assim, é possível criar mensagens contextualizadas no momento certo e com o conteúdo adequado, melhorando a experiência do cliente e aumentando a probabilidade de compras.
Com todas essas revoluções e benefícios das compras digitais, muito se pergunta se as lojas físicas irão deixar de existir. A resposta é não, pelo menos, não nos próximos anos. Claro, acontecimentos muito abruptos e não controláveis, como a pandemia da Covid-19, podem alterar drasticamente a dinâmica do mercado e dificultar a previsão de muitos cenários. Mas, por enquanto, a tendência é que as lojas físicas complementem a experiência das lojas virtuais, seja facilitando a entrega, servindo como showroom, local de troca, dentre outros. Ademais, as empresas que possuem espaços presenciais ganham mais credibilidade entre os consumidores que estão começando a aderir às compras virtuais. A Amaro, por exemplo, é uma fashiontech brasileira que as lojas físicas funcionam como guide shops ou lojas conceito, no espaço presencial, os clientes podem experimentar toda a coleção encontrada no e-commerce. As lojas físicas devem oferecer experiências integradas com os canais virtuais, deve-se pensar em estratégias omnichannel, em que utiliza-se táticas multicanais, tanto online como offline, para fazer com que o consumidor tenha uma experiência cada vez mais proveitosa. Outro exemplo é a Nike, a empresa criou 3 lojas totalmente inovadoras, a experiência nas “a Nike House Of Innovation” fica ainda mais proveitosa com o uso da aplicação, que oferece também acesso prioritário a eventos, possibilidade de conversar com atletas, entre outros.
A batalha pelo e-commerce deve ser um exercício frequente de levantamento de dados do consumidor, acompanhamento das principais tendências do mercado internacional, aprimoramento de logística e desenvolvimento de tecnologias que ultrapassem as expectativas dos clientes, só assim é possível superar os desafios e demandas do segmento. Guardadas as devidas proporções e respeito às vítimas da Covid-19, não podemos deixar de observar as oportunidades do momento, afinal, grandes revoluções e avanços aconteceram em momentos de guerras e conflitos, a pandemia pode ser um grande momento para uma revolução tecnológica, o tempo de evoluir e transformar é o hoje, o agora!
Artigo de Gustavo Caetano, Autor – MIT Technology Review Brasil