A verdade é que todos parecem acreditar que sabem a resposta correta para essa pergunta, mas ninguém consegue concordar numa definição única de qual é a função do sistema educacional na sociedade e na vida de cada um dos estudantes. Antes que todos estejamos na mesma página sobre qual é o objetivo final que desejamos alcançar, é muito difícil encontrar o modelo ideal de funcionamento, mesmo que seja praticamente um consenso de que o modelo atual não é o adequado para o contexto.
Todos podemos concordar sobre a relevância de um sistema educacional eficiente para a construção de um futuro melhor, mas o problema que enfrentamos não é sobre a importância da educação para a sociedade, mas sobre como podemos adequar essa máquina para que ela acompanhe os avanços sociais e tecnológicos feitos nas últimas décadas.
Seymour Papert, matemático, cientista de computação, educador americano e autor do livro “The Connected Family” já afirmava que a escola precisa espelhar a sociedade e a “realidade dos alunos” que, em geral, é pouco compreendida por quem faz as políticas aplicadas e promove (ou desenvolve) os dispositivos. As tecnologias sempre trouxeram a promessa de inovações educacionais, porém, organizações complexas, como escolas, tendem a incorporá-las de maneira a não modificar substancialmente seu modo de trabalho.
E é aqui que entra a diferença entre inovação e melhoria. Sem dúvidas, as instituições de ensino incorporaram novas tecnologias para melhorar a maneira de ensinar, para tornar tópicos e temas mais interessantes, visuais e interativos – e sem dúvidas para aumentar o seu alcance. Contudo é preciso entender que enquanto a melhoria procura o desenvolvimento e a excelência operacional, a inovação procura a ruptura de um modelo pré-existente. Basta observar quão pequena é a diferença de uma sala de aula hoje para uma sala de aula há 20 ou a 80 anos para entender que os avanços realizados no sistema educacional, embora significativos, foram realizados procurando a melhoria do que já era existente.
Se a meta é revolucionar a forma como o conhecimento é transmitido, é preciso adotar uma nova perspectiva, uma outra visão, processos diferentes. E para alcançar isso, é necessário ter um olhar verdadeiramente centrado no principal ativo da educação: o aluno.
Para que qualquer instituição possa melhorar o seu processo de ensino, a primeira coisa que deve fazer é entender detalhadamente qual é o seu público e qual o valor oferecido a quem está ali para aprender. Isso é o alimento dos interesses, a transmissão de conhecimento, a formação de caráter e dos valores e a geração de oportunidades de trabalho em áreas que possam aproveitar melhor os talentos e os anseios individuais de cada pessoa.
E para pensar num modelo que atenda esse objetivo é imprescindível considerar quatro pilares: quem são as pessoas que vamos servir?; o que essas pessoas precisam?; quais são os ativos que possuímos hoje para realizar o trabalho e qual é o conhecimento que possuímos que tem o potencial de transformar a vida dos alunos? Cada uma dessas perguntas vai gerar reflexões profundas e extremamente interessantes para que possamos começar a construir uma nova história e um novo sistema que seja mais adequado ao contexto social na atualidade.
Quem são as pessoas que queremos servir
Esta dimensão analisa basicamente as transformações sociais e comportamentais que afetam direta e indiretamente, o sistema educacional em questão. Para entender, de forma mais holística, a atual conjuntura, vamos olhar para a situação do Brasil. Segundo a IBGE, 116 milhões de pessoas estão conectadas e isso representa pouco mais de 64% de toda a população do país. Ainda segundo o CENSO, no último ano, o número de alunos matriculados no ensino cresceu 7,2%. A expectativa é que, em 2018, o EAD no Brasil ganhe mais 600 mil alunos. 50% dos adultos estão mais dispostos matricular-se numa instituição de ensino que oferece modalidade online do que instituições que não oferecem. Além disso, o ensino superior à distância no Brasil já chega a 26% do número total de alunos. Segundo dados do CENSO EAD, realizado em 2016, a maior parte dos estudantes abrange as faixas etárias entre 26 e 30 anos e entre 31 e 40 anos.
Olhando para esses dados, é possível observar a transformação na faixa etária dos estudantes brasileiros, que vem ficando cada vez mais abrangente e diversa, principalmente quando acrescentamos a possibilidade de estudar pela internet e de acesso a uma educação de qualidade para pessoas em lugares que anteriormente não possuíam essa alternativa. As pessoas estão hiperconectadas e por esse motivo, o perfil do estudante moderno é caracterizado pela procura por soluções cada vez mais rápidas, personalizadas e interativas.
O que essas pessoas precisam
Este é um problema complexo, interessante e extremamente dinâmico, porque a resposta do que os seus clientes realmente precisam nunca será definitiva. Com a evolução dos mercados e transformações sociais, culturais e tecnológicas, as necessidades das pessoas, empresas e estudantes também evoluem consequentemente. É preciso ter um pulso cultural, entender qual é o problema que as pessoas estão a enfrentar e o que necessitam para viver e neste caso, aprender melhor.
Para fins filosóficos e reflexivos que podem ser usados e aplicados como modelos de pensamento para o sistema educacional, é importante falar sobre estilos e estratégias de aprendizagem. A tecnologia tem sido uma forte e grande aliada, visto que, segundo os dados do Comitê Gestor da Internet, no Brasil em 2014, cerca de 81% dos adolescentes usam a internet todos os dias, o que evidencia a abrangência do uso das tecnologias digitais que podem ser utilizadas a favor da educação.
Como Juan Ignacio Pozo afirmou em Aprendizes e Mestres: a nova cultura de aprendizagem, “não é simplesmente que aprendemos pouco nem que se ensine mal. É que os cenários de aprendizagem e instrução, não foram pensados tendo em conta as características dos estudantes e seus professores.”
O modelo mais comum de ensino ainda é a aprendizagem unilateral, onde um professor ensina, com a mesma metodologia, para diversos alunos. Porém, cada estudante aprende de maneira diferente, se interessa genuinamente por temas diferentes e possui individualidades que devem ser levadas em consideração na hora do planeamento de ensino. Da mesma forma, cada professor tem suas peculiaridades para ensinar. Esses fatores não podem ser deixados de lado.
Um outro fator importante nesta discussão é a evolução dos mercados e aumento na oferta de oportunidades de construção de carreiras nas mais diversas áreas que inexistiam até há pouco tempo atrás. O conteúdo no ensino fundamental também precisa responder à pergunta: qual é o conhecimento que queremos e devemos transmitir para unir e conciliar educação com o mercado de trabalho?
Entender o que os alunos precisam aprender, o que eles devem aprender e o que eles querem aprender é um exercício que precisamos fazer olhando para frente, não com base apenas no passado.
O que eu tenho
É interessante analisar toda a gama de tecnologias e de recursos que temos à nossa disposição para ensinar e aprender. E como podemos utilizar cada um desses recursos para construir um sistema mais eficaz.
As novas tecnologias, novos softwares e a internet mudaram completamente o jogo e a forma como nós consumimos, absorvemos e interpretamos informações. E o doutor em tecnologia educacional Tel Amiel descreve bem o fenómeno que acontece com esses recursos, quando aplicados no sistema: “Quando chegam às escolas, os recursos tecnológicos tendem a ser absorvidos e utilizados de maneira complementar ou suplementar às práticas já existentes.”
Então uma conclusão plausível, é a de que a abundância de recursos ainda não é traduzida em forma de inovação disruptiva, capaz de transformar o modelo educacional e adequá-lo à nova realidade. Mas, apesar disso, estão mais disponíveis do que nunca. Vídeos, livros, e-books, podcasts, imagens, documentários, artigos, plataformas de ensino, toneladas de conhecimento. Temos uma grande abundância de recursos sem uma estratégia e um plano claro para usá-los.
O que normalmente acontece é que a ferramenta acaba substituindo a metodologia e dessa forma os recursos tecnológicos são utilizados como uma muleta digital frente à necessidade de se transformar por completo o modelo. Dessa maneira, vemos leves melhorias incrementais, mas que mascaram a necessidade latente de conciliar contexto, perfil do aluno e a transmissão do conhecimento, de forma que agregue valor à experiência do estudante.
O que eu sei
O conhecimento nunca esteve tão disponível, e entender a importância da Transformação Digital na educação, além de ser extremamente relevante para o cenário atual, torna-se um grande diferencial frente a outras gerações.
Essa é, talvez, a resposta mais importante que podemos obter. Devemos pensar profundamente sobre o que sabemos a respeito do contexto atual, do comportamento, assuntos importantes, conhecimentos relevantes e habilidades que possuem utilidade social. Só depois dessa análise é possível pensar de maneira produtiva no melhor caminho para se chegar a qualquer destino.
Estamos a viver hoje um momento único na história deste sistema e, é por isso que eu acredito que esta discussão seja tão importante. A transformação digital está a acontecer de maneira forçada em os níveis do ensino, do público ao privado, do ensino fundamental ao ensino superior especializado. Uma verdadeira revolução ocorre diante dos nossos olhos e devemos tornar-nos os agentes da transformação, não apenas espectadores.
O importante deste momento é que durante as revoluções, o status quo sofre alterações significativas, os grandes players mudam, as vantagens deixam de ser tamanho e nome ou talvez história, e passam a ser agilidade, flexibilidade, qualidade e adaptabilidade.
Para ganhar a capacidade de transformar, de tornar a situação mais propícia a encontrar o modelo ideal de funcionamento daqui para frente, evoluirmos e pensarmos em implementações novas. O que já percebemos há alguns anos é que não é suficiente transformar as aulas presenciais para o ambiente digital. Qualquer instituição precisa levar em consideração o contexto, o comportamento das novas gerações, as novas áreas de interesse e, além disso, ter a coragem e a iniciativa de construir novos modelos para adequação aos novos perfis de alunos.
Alguns já fizeram isso, mas até esse momento, ninguém conseguiu fazer o que Geoffrey Moore chamou de cruzar o abismo.
Quando criamos algo novo, precisamos encontrar o nosso mercado, as pessoas que vão estar dispostas a dar-nos o benefício da dúvida e experimentar um novo sistema, como mostra o gráfico abaixo:
Se um negócio tem uma solução que resolve problemas reais, as chances de sucesso são expressivamente maiores. Se isso ainda não foi considerado, este talvez seja o melhor momento na história para se fazer. Com o impacto social e económico causado pela pandemia do COVID-19, a sociedade está mais do que nunca disposta a testar novos modelos e tecnologias. A educação está a sofrer importantes mudanças e a corrida pela implementação de processos e ferramentas inovadoras já começou, e consequentemente, a experiência dos alunos para com as instituições. Tudo isso se resume numa nova forma de ensinar.
Ainda ninguém criou algo que respondesse às perguntas acima de maneira completa. Você pode ser essa pessoa.
Artigo de Gustavo Caetano, Autor – MIT Technology Review Brasil