Se por um lado não é possível prever o futuro, por outro, podemos, sim, escolher as melhores opções de caminhos para criá-lo. Enquanto o futuro acontece para alguns, é determinado por outros — a diferença entre ser vítima ou estratega do tempo reside na habilidade de conseguir enxergar no presente as sementes dos possíveis cenários emergentes. O domínio dessa competência permite-nos modificar as nossas ações no presente para evitar futuros indesejados (como, por exemplo, uma catástrofe climática) e favorecer os que mais nos beneficia (como um mundo human-centric super smart da Sociedade 5.0).
Para tanto — estudar e criar futuros —, contamos com inúmeras metodologias que configuram um campo de estudo denominado Foresight, Futures Studies, ou, mais popularmente conhecido no Brasil como Futurismo. Essa disciplina existe formalmente há décadas e tem sido praticada com sucesso por inúmeros institutos de futuros, think tanks, e indivíduos notáveis do século passado, como Arthur Clarke, Buckminster Fuller, Alvin Toffler, entre outros. No entanto, se o assunto não é novidade, por que temos visto recentemente um aumento tão significativo no interesse pelo tema? Porque os futuros de hoje não costumam ser mais como os de antigamente, fazendo com que os conhecimentos e práticas de estudos de futuros tornem-se cada vez mais necessários para o sucesso de qualquer instituição ou indivíduo. Vejamos…
Futurismo e a Aceleração Tecnológica
Os estudos de futuros normalmente focam num período de 10 anos à frente, como pode ser visualizado por meio do cone de futuros — uma heurística bastante utilizada para mapear as várias versões de futuros: possíveis, preferíveis, plausíveis, prováveis.
No passado, quando o ritmo de mudança no mundo era lento, não havia grandes diferenças entre as versões dos presentes e dos vários futuros possíveis. Nesse contexto, a aprendizagem sobre o passado solucionava grande parte dos problemas que enfrentaremos no futuro — em outras palavras, os futuros próximos tendem a ser muito parecidos com os passados recentes.
Considerando o tempo de duração de cada era evolutiva nas formas de viver da humanidade, podemos notar que esse ritmo de mudança lento foi o tom predominante da vida humana durante quase toda a nossa história, e acelerou de forma mais perceptível apenas nas duas últimas décadas, com a 4ª Revolução Industrial:
- Caça e recolha – vários milhões de anos
- Era Agrícola – vários milhares de anos
- Era Industrial (1a e 2a Rev. Ind) – alguns séculos
- Era da Informação (3a Rev. Ind) – décadas
- Era Cognitiva (4a Rev. Ind) – mudanças constantes
Assim, com exceção dos indivíduos que viveram especificamente os períodos de transições das revoluções tecnológicas (ou climáticas e ambientais) do passado, o ser humano foi evoluindo sem ter que lidar com grandes transformações do mundo durante o tempo de duração da sua vida no planeta. Nesse sentido, não evoluímos treinando como antecipar cenários, mas para reagir a situações previamente conhecidas. Desenvolvemos assim, predominantemente habilidades reativas, não preditivas — e essa tem sido a base da nossa educação tradicional. Isso funcionava bem até recentemente, porque até poucas décadas atrás o ritmo de mudança ainda era lento — observe no gráfico a seguir como o crescimento tecnológico era pequeno entre 1980 e 1990, mesmo essa sendo uma década pertencente à 3ª Revolução Industrial:
No entanto, conforme o ritmo de mudança começa a acelerar no mundo, mais notadamente a partir do início do século XXI e mais acentuadamente desde 2010, quando consideramos o período de estudo de 10 anos, as versões de futuros passam a se tornar cada vez mais diferentes do momento presente (veja, por exemplo, a projeção de ritmo de mudança tecnológica entre 2020 e 2030 no gráfico anterior). Como consequência, as estratégias de vida que usam fórmulas do passado para solucionar os futuros tendem a não funcionar mais. Passamos a precisar de novas estratégias para lidar com os diversos futuros distintos que emergem e que chegam cada vez mais rapidamente. Sim, mas por que os futuros estão acelerando?
Tecnologia & Realidades
A tecnologia é o principal vetor de aceleração de mudanças no mundo que que causa essa expansão do leque de futuros próximos. Desde o início da história da humanidade, a tecnologia vem recriando a nossa realidade — consequentemente, quanto mais rapidamente a tecnologia muda, mais rapidamente muda também a realidade. Esse ritmo não tende a parar ou diminuir, muito pelo contrário, e se não conseguirmos acompanhá-lo, ficamos literalmente perdidos no tempo. Dessa forma, a habilidade de enxergar o ritmo da mudança e os seus direcionamentos — a.k.a, cenários futuros — passa a ser valiosíssima, para que possamos estar sempre preparados e nos adaptar rápida e constantemente.
Nesse sentido, estudos de futuros deveriam ser disciplina obrigatória desde a educação básica, capacitando-nos a traçar cenários, escolher e criar estrategicamente futuros melhores, minimizando os impactos do acaso em nossas vidas.
Criando futuros estrategicamente
Considerando-se, portanto, a importância dos estudos de futuros, não poderíamos finalizar esse texto sem discutir os seus fundamentos, que estruturam o mindset estratégico para criação de futuros.
Da mesma forma que em qualquer outra área do conhecimento, em Futurismo existem diversas linhas de pesquisa e metodologias, como Protocolos de Pensamento Antecipatório, Backcasting, Workshops de Futuros, Simulação e Modelagem, Visioning, Role-playing adaptativo, entre outros. Normalmente uma pesquisa de estudos de futuros envolve vários métodos combinados de forma a atender às especificidades do tema em questão, que pode variar desde uma área com abrangência genérica e ampla, como, por exemplo, o futuro do clima (ou filantropia, educação, dinheiro, etc.), até tópicos mais específicos, como o futuro da educação na minha região.
Além da condução por profissionais capacitados em futurismo (foresight practitioners, ou futuristas), que saberão escolher e utilizar os métodos mais adequados para cada caso, outro pilar importante de um estudo de futuros é a seleção dos participantes do estudo. O futuro não é criado apenas por um único indivíduo, mas por todos os que estão envolvidos de alguma forma em ações que o determinarão, portanto, um estudo de futuros deve sempre abranger membros representativos de todas as áreas de interesse relacionados com o ecossistema do tema em análise, para garantir que o máximo de visões sejam consideradas. Quanto mais multidisciplinar for o grupo de indivíduos, menores serão as chances de enviesamento do processo. Com isso, conseguimos traçar cenários de futuros nas suas mais diversas, amplas e possíveis versões, tanto boas quanto ruins, e esse é um dos principais benefícios do futurismo: combater os vieses individuais e setoriais nos planejamentos estratégicos que, frequentemente, resultam em fracassos.
Portanto, o principal benefício dos estudos de futuros é evitar a miopia do curto prazismo, cada vez mais perigosa não apenas para os futuros de negócios, como também, e principalmente, para os futuros da humanidade. O futurismo é, assim, o instrumento que favorece as melhores tomadas de decisão no presente, que possibilitam a melhor criação de futuros para todos e cada um de nós, garantindo a nossa humanidade, diversidade e sustentabilidade.
How future ready are you?
Artigo de Martha Gabriel, Autor – MIT Technology Review Brasil