O MIT é conhecido mundialmente pelo seu foco em tecnologia, até porque o seu nome, Massachusetts Institute of Technology, remete a isso. Porém, é no empreendedorismo que mora o grande orgulho dos seus alunos e ex-alunos. Muito antes de “startup” ser a palavra da moda, num relatório de 2014, foram constatadas mais de 30 mil empresas fundadas por ex-alunos, empregando mais de 4,6 milhões de pessoas no mundo todo com uma receita equivalente ao décimo maior PIB do planeta, a Rússia.
Do MIT e dos seus alunos ou ex-alunos, nasceram empresas e inovações, como as telas e canetas sensíveis ao toque (touchscreen), o e-mail, a sopa Campbell, o GPS (Ivan Getting), o Guitar Hero, a World Wide Web na pesquisa de Tim Berners-Lee, as folhas de cálculo eletrónicas (hoje o Excel), as lâminas descartáveis de barbear (e o nascimento da Gillette) e o sistema de cancelamento de ruído sonoro (e a criação da BOSE). Os seus alunos fundaram empresas, como E*Trade, HP, Akamai, iRobot, Intel, Dropbox, Buzzfeed, Khan Academy, Qualcomm, HubSpot, Boston Dynamics, entre outras.
No meio de tantas histórias, um edifício já demolido, o Prédio 20, ficou conhecido como o mais importante berço das inovações. Tinha características bem marcantes que, hoje, infelizmente, são raras nos projetos de transformação digital, marketing e inovação de tantas empresas, incubadoras e até startups. Por esse motivo, antes de investir no seu processo de transformação, inovação, digitalização ou qualquer nome moderno, vale a pena prestar atenção:
1. Autonomia
“Se precisa de passar um fio entre as salas, não chame o pessoal de facilities, não pague para um eletricista. Pegue num berbequim ou qualquer coisa, fure a parede e passe o fio na mesma hora. Resolvia as coisas numa tarde, em vez de ter que esperar seis meses pela ordem de compras”, diz Paul L. Penfield, chefe do departamento de Engenharia Elétrica e Ciência da Computação, ilustrando muito bem a importância da autonomia.
Faz todo o sentido nos dias de hoje a preocupação com a segurança das pessoas e empresas ser diferente do que era no passado – eu próprio, quando era criança, dormia no porta-malas da nossa caravana–, mas, nas empresas, o excesso de processos, muitas vezes, atrapalha, e é por isso que precisamos encontrar novas formas de libertar as pessoas para fazer o seu melhor.
Quando converso com equipas de Inteligência Artificial, departamentos de Marketing ou equipas de Inovação, pergunto sempre: “Tem autonomia para colocar na rua qualquer projeto sem precisar da aprovação do seu chefe e do chefe do seu chefe?”. Ou ainda: “Pode comprar tecnologia para o seu trabalho sem precisar de um processo de compras?”. A resposta é sempre não. Existe uma forma menos burocrática? Sim.
Ouvi recentemente uma ótima história do Rogério Nogueira, fundador e, na época da nossa conversa, ainda CEO da startup Allya, que hoje cresce exponencialmente lá no Cubo do Itaú. Contoume que na sua empresa os funcionários compram software no cartão de crédito corporativo da empresa. Existe um limite, é claro. Porém, vão aprendendo e criando conhecimento sozinhos já utilizando as versões mais simples do programa. Conforme o uso avança e uma versão mais cara ou uma compra da ferramenta mais potente é necessária, fica fácil para os sócios tomarem a decisão, pois já experimentaram, usaram, cresceram e sabem o que vale a pena pagar, e quanto. Isso é autonomia.
2. Diversidade
Além de abrigar o famoso laboratório de radiação do exército americano, onde foi inventado o relógio nuclear, lá estavam também os laboratórios de eletrónica e ciência nuclear, parte do departamento de Engenharia Naval, o laboratório de pesquisa acústica, linguística, design de luminárias, fotografia, filosofia, mecânica de veículos e, acredite, num momento, teve até uma oficina para arranjar pianos. De acordo com o professor Nelson Y.S. Kiang, que deu aulas naquela época: “As pessoas encontravam-se para trocar ideias sem se preocupar com quem você era ou de onde veio”.
Não foi só a tecnologia de reinvenção dos radares que nasceu lá. A famosa foto da maçã cortada por uma bala de revólver foi feita ali. Foi em uma dessas salas que nasceu o pinball. Nelas, Noam Chomsky revolucionou a linguística e Jerry Lettvin, a ciência cognitiva. A cultura “hacker” nasceu no Clube de Motores para Ferrovias.
Até hoje, a diversidade é uma bandeira da inovação do MIT. Quem estuda lá não pode escolher o seu grupo de trabalho. É obrigado a estudar em grupo com pessoas de géneros, cultura, costumes e até línguas (sotaques do inglês) bem diferentes.
Para o MIT, trabalhar com pessoas parecidas entre si, traz mais velocidade. Porém, essa velocidade pode jogar a equipe contra o muro. É na diversidade que as pessoas, quando questionadas, encontram melhores respostas, e o resultado do grupo é infinitamente superior.
No começo até dói, mas, quando se vê os resultados, acabam por abraçar a ideia.
3. Encontros e desencontros
O formato da planta lembrava uma letra “F” com uma perna longa. A numeração das salas não era lógica e obrigava as pessoas a andarem muito, perderem-se bastante e a pedirem direções para os estranhos que encontrassem no corredor. Assim, as pessoas se reuniam ao acaso e se conheciam, ao mesmo tempo que, perdidas, visitavam o prédio quase todo. Nos corredores do prédio de três andares, eram famosos os “discursos de elevador” que, numa planta confusa, ajudavam a esticar um pouco mais a conversa.
Do encontro dos engenheiros elétricos com o Clube de Motores para Ferrovias, nasceu o pinball.
Do encontro dos engenheiros eletrônicos com o departamento de Música no laboratório de acústica, nasceu a tecnologia que criou a BOSE.
E na sua empresa, o quanto estão a estimular a Autonomia, a Diversidade e os Desencontros? É bom ficar atento, pois salas com pufes coloridos, escorregas, adesivos na parede, massagem grátis, mesas de ping-pong e jogos podem ser apenas distrações que não necessariamente levarão à inovação.
Por fim, sabe por que esse prédio brilhante foi construído assim?
Não foi nenhum professor de gestão com PhD em Psicologia que inventou o prédio mais criativo do mundo. Foi o caos.
Construído em 1943 como edifício temporário para durar apenas até o fim da Segunda Guerra, o prédio não foi destruído em 1946 como previsto. A lotação dos outros prédios fez com que durasse até 1998, mais de 50 anos depois.
Era o prédio mais frio no inverno. Também era o mais quente no verão.
O seu projeto foi feito em quatro horas. Sim, numa tarde.
Todo de madeira, foi construído à pressa.
Era feio, ninguém dos outros prédios do MIT se importava muito com ele.
As tubulações eram aparentes. Improvisado, porém acessível. Os hackers adoravam.
Tinha pó por todo lado. Se cada um não limpasse a sua sala, ninguém limpava.
Tudo isso criou um prédio desarrumado, confuso, mas que, por tudo isso, juntava as pessoas ao acaso, dava autonomia para quem ficava por lá e colocava pessoas diversas para conviver. No evento de sua demolição, um investigador disse: “Tudo o que não cabia nos outros prédios lindos do MIT ia parar lá, no Prédio 20”. Sim, era um monte de gente a criar livremente.
Para fechar, nove Prémios Nobel foram entregues a estudantes que começaram a sua vida acadêmica no Prédio 20 do MIT.
Existe beleza no caos.
Artigo de Fernando Teixeira, Autor – MIT Technology Review Brasil