Durante as discussões sobre a venda da operação americana do TikTok, um artigo no The Wall Street Journal chamou-me a atenção. Num certo momento, o governo chinês colocava restrições à venda dizendo que os algoritmos precisavam de autorização para serem transferidos. Segundo os analistas, essa restrição praticamente acabava com o negócio. Um deles dizia que “TikTok sem algoritmos é igual a um lindo carro por fora, mas com um motor de porcaria por dentro”. As negociações provavelmente terminariam ali.
Neste caso, os algoritmos, vale a pena lembrar, são um conjunto de cálculos e fórmulas matemáticas por trás da lógica de recomendação de vídeos para as pessoas. Com estes, os utilizadores são cada vez mais atraídos por uma recomendação tão assertiva, que ficam mais tempo a utilizar a aplicação. Algoritmos são um produto da Inteligência Artificial que combina estatística com um altíssimo poder computacional. O resultado é uma melhor experiência para os utilizadores.
A negociação de uma plataforma com 100 milhões de utilizadores nos EUA, cujo valor na época se aproximava dos 30 mil milhões de dólares, estava sob risco se o componente de IA não participasse da transferência. Outros analistas completavam dizendo que “grande parte (se não a maior parte) do valor da plataforma estava no algoritmo”.
O que fez o TikTok explodir nos EUA não foi a publicidade caríssima na televisão ou investimentos em massa comprando media digital. Foi a experiência dos utilizadores na aplicação.
Exemplos como esse existem por todos os cantos. O algoritmo de recomendação (neste caso, de produtos) é tão importante, que a Amazon chegou a atribuir 35% da sua receita a este tipo de inteligência.
E vamos além. A construção desta IA pode ser bem mais sofisticada que o “quem comprou isso compra aquilo”, como visto na recomendação de filmes da Netflix. Numa passagem do seu livro “A regra é não ter regras”, Reed Hastings, CEO e fundador da Netflix, comenta sobre as categorias utilizadas na classificação de filmes. Cita o filme Okja como “Contra o Sistema, Cerebral, Visualmente Impressionante e Excêntrico”. Isso é muito diferente da classificação antiga “Drama, Comédia, Terror”, como encontrávamos nas paredes do Blockbuster. E isso é só a ponta do iceberg.
Joris Evers, diretor global de comunicação da Netflix, dizia (em 2018) que “existem pelo menos 33 milhões de versões diferentes da Netflix”, o que é equivalente a uma Netflix para cada três utilizadores. Isso é possível porque, além de dados sobre as características dos filmes e das séries, também são adicionados os dados de comportamento de navegação, pesquisas, filmes que saltaram, onde pararam etc. Essa recomendação tão granular faz parte do que chamamos de personalização em escala, em que cada utilizador vai navegar numa versão única do site, da app, dos banners, enfim, em todos os pontos de contacto com a marca, de acordo com a propensão de ficar mais tempo na plataforma, clicar ou comprar um próximo item.
Toda essa aprendizagem não para por aí. É utilizada até mesmo na produção de novas séries e filmes. O resultado é uma taxa de sucesso de novos lançamentos em torno de 80%, contra 35% na TV tradicional.
Netflix, Amazon e TikTok possuem algoritmos no coração do seu negócio.
Enquanto isso, em muitos departamentos de marketing e agências de publicidade, o foco ainda é a compra de media, a exposição da mensagem para a maior quantidade de pessoas pelo menor custo possível. Quando perguntados sobre o uso da Inteligência Artificial, a resposta mais comum é que os veículos de media, neste caso a rede social, ou a media programática, estão (teoricamente) a utilizar a IA a favor do anunciante.
A forma como fazem a compra ainda é muitas vezes baseada em dados demográficos (exemplo: mulheres com mais de 35 anos), programa (grade de TV) ou contexto. Bastante antigo.
Então, quando o consumidor clica e vai até o site, não há nada de especial, não existe algoritmo para personalizar a sua experiência, nenhuma mensagem é baseada em propensão e raras vezes um teste A/B é utilizado. Quase nada faz o utilizador ficar no site.
Essa é a síndrome da festa vazia.
Um enorme esforço para chamar as pessoas para um lugar pouco interessante.
Desinteressado, o consumidor vai embora e então começa um novo ciclo de media com banners mostrando o mesmo produto que viu no site e que não tinha do seu tamanho ou, até mesmo, o produto que já comprou. Pior ainda, banners de concorrentes daquele primeiro site. Isso mesmo, o anunciante pagou para atrair consumidores e a consequência foi uma aprendizagem do algoritmo da rede social (ou programática) para, logo em seguida, oferecer o produto do seu concorrente.
Por isso, é tão importante aprender sobre os algoritmos.
Felizmente, há bons exemplos no mercado, como o da seguradora que citei no meu artigo anterior na MIT Technology Review Brasil. Os algoritmos preveem as chances de um novo utilizador converter apenas no site, sem passar pelo call center, com base na sua navegação anónima. A partir daí, personalizam toda a sua jornada de contactos, desde os botões no site, a exposição do 0800 e estratégia de ligação do call center.
Na seguradora, assim como no TikTok, o algoritmo está no coração da empresa. Orquestra toda a experiência conforme aprende com a navegação do utilizador desde o seu primeiro clique. Personalizando — em escala — toda a experiência do utilizador desde o site até a ligação telefónica, a interação no chatbot etc. Isso sim é uma experiência centrada no consumidor.
Daqui para a frente, quando pensar em divulgar o seu negócio, seja ele qual for, pense antes nos utilizadores: o que está a aprender com as suas interações? Como está a utilizar os dados para oferecer uma experiência personalizada? Como irá diminuir o investimento em media no futuro, conforme aprende e melhora o seu modelo de interação, para depender cada vez menos dos veículos de media?
Em vez de pensar de fora para dentro (comprar media e depois rezar para converter), convido-o a pensar de dentro para fora (aprendendo com as interações do consumidor), organizando uma festa tão boa, que nem de publicidade vai precisar.
Artigo de Fernando Teixeira, Autor – MIT Technology Review Brasil