Há alguns anos, usei um algoritmo para me ajudar a escrever uma história de ficção científica. Adam Hammond, professor de inglês, e Julian Brooke, uma cientista da computação, criaram um programa chamado SciFiQ, e entreguei-lhes 50 das minhas obras favoritas de ficção científica para alimentar o seu algoritmo. Em troca, SciFiQ entregou um conjunto de instruções sobre o enredo da história. Conforme digitava nessa interface, o programa mostrava como a minha escrita se comparava às 50 histórias, de acordo com uma série de critérios.
O nosso objetivo neste primeiro momento era modesto: ver se os algoritmos poderiam auxiliar no requisito criatividade. O processo iria gerar histórias que fossem apenas genericamente consistentes? Poderia um algoritmo gerar o seu próprio estilo distinto ou ideias narrativas? A história resultante seria reconhecível como ficção científica?
A resposta para todas essas perguntas é sim. A história resultante – “Twinkle Twinkle”, publicada na Wired – não só parecia com uma ficção científica, para a minha surpresa, tinha também a sua própria ideia narrativa.
Do conjunto de histórias que forneci, SciFiQ ofereceu duas instruções de enredo que pareciam incompatíveis: a história tinha que ser sobre um planeta estranho e também ter lugar na Terra. Levou meses para tirar algum sentido disso, mas, eventualmente, a premissa de “Twinkle Twinkle” surgiu. A história envolveria pessoas na Terra olhando, através de máquinas elaboradas, para um planeta distante. Eu nunca teria pensado nisso sozinho. Era como se o algoritmo tivesse me entregado a planta de uma ponte e me dito para construí-la.
“Krishna e Arjuna”, que pode ler aqui, é a segunda iteração do processo. “Twinkle Twinkle” foi um uma experiência funcional. A nova história é um teste para perceber se um algoritmo pode ajudar um ser humano a gerar novas ideias.
Em outros campos, os investigadores começaram a usar sistemas de Inteligência Artificial (IA) para incitar inovações, em vez de simplesmente resolver problemas. A pesquisa farmacêutica está a começar a utilizar a IA para identificar, entre as possibilidades quase infinitas de combinações moleculares, quais são os caminhos mais promissores para possíveis remédios. A IA não é uma máquina geradora de respostas, mas é um holofote na escuridão onde as respostas podem ser encontradas. Por que a literatura não deveria dar a si mesma esse mesmo destaque?
Para “Krishna e Arjuna”, estreitamos o foco da ficção científica para o assunto do meu fascínio imediato: robôs e Inteligência Artificial. E, em vez de fornecer à IA as minhas histórias de robôs favoritas, apresentamos todas as grandes histórias de robôs já escritas – muitas das quais não li. Isto pode parecer um detalhe técnico, mas é muito importante. Como escritor, geralmente leio histórias e internalizo essas influências; neste caso, eu estaria a submeter-me à “influência” de um material que nunca tinha visto.
Uma curta história de ficção escrita com a ajuda de um algoritmo.
Outra diferença foi que com “Twinkle Twinkle,” eu segui as instruções estilísticas do algoritmo ao detalhe. O estilo era do computador, não meu. Consegue ver exemplos da interface abaixo. Se a etiqueta “abstração” estivesse vermelha, significava que não estava a ser tão abstrato quanto o algoritmo dizia que deveria ser, então revia a história mudando “espada” para “instrumento” ou “casa” para “residência” até que a luz ficasse verde. A interface daria me uma resposta instantânea, mas havia 24 desses sinais, e verificar a história para torná-los verdes foi uma tarefa difícil. Às vezes, o número de advérbios usados tornaria os parágrafos muito longos de acordo com o algoritmo; ou, ao usar um número médio de palavras, compromete a linguagem, que não ficava “concreta” o suficiente.
Para “Krishna e Arjuna”, decidi não seguir tão estritamente as sugestões do algoritmo. Usei o programa para ver as regras, mas não necessariamente as seguir.
Por exemplo, de acordo com o algoritmo, tive pouquíssimos advérbios na minha história. Mas teria sido idiota colocar mais advérbios só porque o algoritmo me disse para o fazer. A ficção científica clássica usa muitos advérbios de qualquer maneira. Mas o equilíbrio entre formal e coloquial, algo que o ScifiQ também marcou? Isso é o que aqueles clássicos acertaram e onde eu precisava de orientação. O SciFiQ ajudou a chegar ao equilíbrio certo – ou melhor, dentro da média de desvio-padrão.
Mas esse tipo de orientação estilística foi a parte menos interessante da experiência. As possibilidades de uma abordagem algorítmica para moldar a própria narrativa foram as mais tentadoras, porque a narrativa é tão pouco compreendida. Pode pensar que o enredo seria a parte mais simples do processo de escrita para um computador “entender”, uma vez que os escritores frequentemente desenvolvem padrões ou usam números para definir o fluxo de um enredo. Mas como definir até algo tão básico como uma “reviravolta na história” em código de computador? Como medir isso por meio de quantidades de linguagem? Por causa da intratabilidade – até mesmo mistério – da resistência da narrativa à codificação, oferece o maior potencial para inovação.
Em “Krishna e Arjuna”, queria aprofundar o máximo possível no que os investigadores chamam de “processo de modelagem de tópicos”, o uso de machine learning para analisar um corpo de texto – neste caso, o conjunto de histórias de robôs – e escolher temas ou estruturas comuns.
Para “Twinkle Twinkle”, Hammond utilizou o resultado da modelagem de tópicos e converteu em regras narrativas gerais. (Por exemplo: “A história deveria se passar na cidade. Os protagonistas devem estar vendo esta cidade pela primeira vez e devem ficar impressionados e deslumbrados com o seu tamanho”). Para “Krishna e Arjuna”, eu próprio fiz isso. O processo de modelagem de tópicos do algoritmo produziu nuvens de palavras dos temas mais comuns (veja abaixo).
No início estava perdido. Parecia o oposto de uma narrativa – mero caos de linguagem. Imprimi a nuvem de palavras e fixei nas paredes do meu escritório. Durante meses, não vi um caminho para seguir. Quando a ideia finalmente surgiu, assim como em “Twinkle Twinkle”, veio tudo de uma vez.
Essas nuvens de palavras, ocorreu me, eram a maneira como uma máquina criava significado: como uma série de explosões de linguagem meio incompreensíveis, mas altamente vívidas. De repente, tive o meu personagem robô, tateando o seu caminho em procura de significado através dessas pequenas explosões de verborragia.
Quando visualizei a personagem, visualizei toda a história. Eu conduziria essas explosões de linguagem, ao longo da história, em direção ao sentido. O sentido condensou se nas nuvens de palavras, assim como a ideia da história. Era criatividade como interpretação ou interpretação como criatividade. Usei a máquina para obter pensamentos que de outra forma não teria.
Outra maneira de compreender “Krishna e Arjuna” é que, com a ajuda do algoritmo, extrai a essência de todas as histórias de robôs da história, a ideia básica que elas continham.
Essa ideia é que a consciência é uma maldição. Se fosse uma escolha, nenhuma entidade racional a escolheria. Portanto, quando uma máquina se torna capaz de ter consciência, o seu primeiro instinto é escolher o suicídio. (A palavra “robô” significa “escravo” em checo, a linguagem da peça de Karel Capek, Rossum’s Universal Robots, de onde este termo aparece).
Terá que decidir se a história funciona ou não. A literatura é um problema técnico intrigante porque, ao contrário do xadrez ou do Go, não tem solução correta. Não existe vitória ou derrota. Não existe 1 nem 0. As histórias, como as pessoas, são, no fim das contas, fúteis.
Um “algo story”, ou qualquer uso de computação que entra no processo criativo, existe num espaço conscientemente misterioso entre a engenharia e a inspiração. Mas habitamos cada vez mais esse espaço misterioso. O software pode reformular a sua fotografia através duma infinidade de filtros ou trocar partes da imagem por outras com um simples clique. Pode gerar imagens que se parecem de forma convincente com as pinturas de qualquer época que escolher. Agora as máquinas estão a invandir a linguagem quotidiana. A qualidade do texto previsível impõe-nos uma questão literária sempre que pegamos no telefone: Quão previsíveis são os seres humanos? Quanto do que pensamos, sentimos e dizemos é escrito por forças externas? Quanto da nossa língua é nossa? Já se passaram dois anos desde que a tecnologia de voz do Google, Google Duplex, passou no teste de Turing. Quer estejamos prontos ou não, as máquinas estão a chegar. A questão é como a literatura irá responder a isso.
- A interface compara a minha história com os clássicos da ficção científica.
2. O algoritmo dá instruções estilísticas.
3 & 4. Ele sugere quantos advérbios devo usar, entre outras coisas.
5. A nuvem de palavra resume os tópicos em comum em histórias de robôs anteriores que serviram de inspiração.
Artigo de Stephen Marche, Contribuidor da MIT Technology Review (EUA) (adaptado).