O contexto ultra conectado do mundo digital, o smartphone como praticamente uma extensão do corpo humano e a produção de conteúdo descentralizada elevaram o mercado da influência à enésima potência. Ou alguém imaginaria, antes das redes sociais, que um rapaz do interior do Piauí, fazendo vídeos de paródias e piadas, sem camisa, com apenas uma câmera, um computador e nenhuma produção se tornaria um dos mais poderosos influencers do mundo? Esse é o caso de Whindersson Nunes, hoje uma celebridade que coleciona impressionantes 42,4 milhões de inscritos no seu canal no Youtube.
Fenómenos de influência similares ao do humorista brasileiro têm surgido com uma velocidade cada vez mais alucinante e numa variedade maior de plataformas. Um exemplo é Charli D’Amelio, de apenas 17 anos. Foi a primeira influencer a ultrapassar 100 milhões de seguidores no TikTok e agora já conta com 115 milhões. O Tik Tok foi criado em 2018, a conta de Charli em maio de 2019 e o recorde foi atingido em novembro de 2020. Tudo muito rápido.
Há dois anos a influencer era apenas uma rapariga americana, anónima, e hoje tem mais de uma centena de milhões de pessoas a acompanhar os seus passos, capazes de mover consumo e comportamento. E tudo isso gravado por meio de um smartphone, o mesmo gadget que carrega no seu bolso diariamente. Não à toa, em fevereiro do ano passado, a Prada convidou Charli para a primeira fila do seu badalado e concorrido desfile de outono/ inverno.
Ecossistema da influência
Segundo um estudo da eMarketer, 50 milhões de pessoas ao redor do mundo se consideram criadores. Nesta eclosão do segmento, surgem vários tipos de influencers e definições distintas. Os perfis vão desde os nano influencers, que atingem um número limitado de pessoas, geralmente com conteúdo original, específico e que proporciona alto nível de engagement, até os mega influencers, que conversam com milhões de seguidores, tendo uma base bastante diversa e abrangente, mas com tendência de menor percentual de engagement pela elasticidade de alcance e proposta de conteúdo.
É curioso notar que o hype sobre a figura do influencer alcançou proporções tão grandes que o seu lifestyle ganhou espaço nas tramas de ficção no Brasil e no mundo, desde a construção de personagens como Vivi Guedes, protagonizada por Paola Oliveira na novela “Dona do Pedaço”, na TV Globo, em 2019, até Emily Cooper, protagonista da série “Emily em Paris”, na Netflix.
No mundo real, para além dos estereótipos da teledramaturgia e do universo das séries, a figura do influencer passou a utilizar a sua capacidade criativa e alto potencial de reverberação para atrair marcas e desenvolver um ecossistema hoje chamado marketing de influência. Esse novo mundo envolve criadores, agências, consultorias, produtoras, plataformas e players das mais diversificadas atuações, formando um segmento que deve movimentar 15 mil milhões de dólares até 2022, de acordo com o Business Insider.
O poder dos criadores
Tais perspectivas são construídas principalmente sobre a relevância e escala que o marketing de influência tem ganho na estratégia das marcas. Segundo o estudo já mencionado do eMarketer, mais de dois terços dos profissionais de marketing nos EUA usarão influencers nas suas campanhas até o final 2021. Mais do que isso, a expectativa desses CMOs é dedicar pelo menos 20% do seu orçamento de publicidade digital para estratégias que envolvam marketing de influência nos próximos meses.
Para quem ainda tem dúvidas sobre a força dos digital influencers para alavancar vendas, uma pesquisa do Instituto QualiBest, em parceria com a Spark, mostra que 76% dos internautas brasileiros já compraram ou consumiram produtos ou serviços após a indicação de influencers digitais. Também estão no segundo lugar no requesito credibilidade de recomendação de marcas, perdendo apenas para amigos e parentes.
Além disso, na era do conteúdo on demand, onde o consumidor pode escolher o que ver ou ouvir quando, como e onde quiser, inclusive publicando propaganda se preferir, um placement ou collab com influencer conta com vários assets interessantes para uma estratégia de marketing.
A estratégia é a base
Além do potencial de engagement, há no marketing de influência o endosso de uma figura que já tem audiência cativa. Tanto é verdade que alguns influencers se tornam marcas próprias poderosas, como Kylie Jenner, uma das irmãs Kardashians. A empresária transformou a sua influência numa série de produtos, incluindo a linha Kylie Cosmetics, cujo controlo foi vendido para o grupo Coty ao final de 2019, por uma quantia humilde de US $600 milhões de dólares.
Apesar de números tão expressivos, e todo o potencial do influencer marketing, vale um alerta importante: não dá para ver o influenciador, em si, como media, este é um dos erros mais comuns cometidos pelas marcas. Para gerar resultados assertivos, há uma série de recomendações estratégias básicas, que são o ponto de partida para um trabalho sólido, mas não a receita do bolo pronto (essa não existe no marketing). Vamos ver algumas delas?
Não tratar o influencer como banner
Numa campanha convencional, o anunciante coloca a sua mensagem, filme ou peça num slot específico. Até aí tudo certo. No entanto, quando o assunto é marketing de influência, a mensagem ganhará voz na boca ou no texto do influenciador, que tem narrativa e estética própria para se comunicar com o seu público. Sendo assim, faz pouco sentido criar um roteiro para apenas repetir um script determinado, como se fosse um rapaz propaganda pasteurizado. Lembre-se que não é um banner, mas acima de tudo um criador, que conhece como ninguém as dinâmicas de comunicação com sua audiência. Não desperdice a oportunidade de criar e aprender novas dinâmicas criativas com o influenciador. Cuidado para não criar uma comunicação intromissiva, desinteressante e fora de contexto para aqueles seguidores.
Entender o fit entre marca e influencer
Além de entender que o influencer é uma figura criativa e particular, cujo maior asset é a sua habilidade genuína de interagir com o público, as marcas precisam compreender que esse processo de cocriação exige sinergia e autenticidade. Para que esse casamento seja bem-sucedido, é essencial que o criador entenda, se envolva e até vivencie o universo que permeia a marca e até que use, de facto, o produto ou serviço. Uma influencer que não bebe cerveja não pode endossar a Heineken, assim como um vegan não pode ser protagonista da comunicação de Fogo de Chão. Quando a marca escolhe o influencer com base nos territórios que domina, mas também com o auxílio de estudos e ferramentas para encontrar o nome certo para cada propósito, o processo tende a ser mais certeiro.
Criar formas de mensuração assertivas
Não se esqueça que a escolha do influencer deve ser diretamente balizada pelos objetivos de negócio e comunicação da marca. Depois disso, é preciso traçar uma estratégia que inclui canais, o tom da campanha e os KPIs para medir o resultado das ações. Nessa definição de métricas, é primordial entender em qual etapa do funil está o seu produto ou serviço. No topo do funil, que é a fase de aprendizagem, descoberta ou reconhecimento, por exemplo, talvez faça mais sentido usar um mega influenciador, para alcançar uma audiência maior. No meio do funil, fase de consideração e recomendação, provavelmente o melhor influenciador seja aquele nicho, especializado no assunto e com maior credibilidade. No fundo do funil, influenciando a decisão de compra, geralmente a estratégia mais recomendada é a utilização de um micro influenciador, que tem bons níveis de alcance e engagement. Além disso, um bom trabalho pode encurtar esta jornada já que o criador pode apresentar seu produto e ao mesmo tempo sugerir a compra. Por isso é fundamental a utilização de metodologias de mensuração com atribuição e uso de códigos e links parametrizados, por exemplo.
Abraçar relações orgânicas e de longo prazo
Entendendo os influencers como pessoas reais, que procuram em muitos casos a espontaneidade e partilham com o público as suas experiências, opiniões e preferências, não é incomum que produtos e serviços muitas vezes estejam inseridos organicamente no contexto e nas histórias desses criadores. Pode ser interessante para a marca iniciar um relacionamento a partir daí. Vale lembrar que a maior parte dos casos acontece quando essa relação se consolida no longo prazo. Um exemplo recente está na collab “Rexona by Anitta”. Monitorizando conversas das redes sociais, a marca se deparou com um tweet da cantora. Nela, Anitta pedia para ser a rapariga-propaganda da marca para poder oferecer desodorantes para algumas pessoas no Carnaval, sem parecer indelicada. Foi então que Rexona criou uma linha personalizada de antitranspirantes e enviou para a casa de Anitta, gerando a partilha gratuita de alguns milhões de reais em media espontânea. A partir daí a relação evoluiu naturalmente para a linha oficial Rexona by Anitta, até hoje nas gôndolas de todo o País.
Por esses e tantos outros detalhes estratégicos que poderiam ser colocados aqui, mas que estouraram os limites de caracteres do site, fecho esse texto com uma mensagem simples: apesar de todo o seu potencial como embaixador de marcas e mensagens, o influencer não pode ser trabalhado de forma oportunística. No marketing de influência, a estratégia é a alma do negócio.
Artigo de Marcelo Tripoli, Autor – MIT Technology Review Brasil