“O meu sonho é ir para a Disney”. Quantas vezes não disse ou ouviu essa frase em algum momento da vida? Muito além de parques de diversão, Walt Disney desenhou um universo repleto de histórias, materializando nesses espaços um ambiente imagético único, repleto de cores, sons, cheiros e sabores inesquecíveis. Nunca foi apenas sobre storytelling. Mais do que a atração gerada por personagens poderosos como Mickey Mouse, Pateta e tantos outros, os investimentos em formação, infraestrutura impecável e atrações inovadoras sempre foram marcas da empresa.
Todos esses itens ajudaram a construir o que mais tarde o biógrafo do empresário e produtor, o jornalista Neal Gabler, chamou de “o triunfo da imaginação americana”. Tudo isso para dizer que durante muitos anos a Disney foi um símbolo muito claro sobre o poder do conceito de experiência embutido no marketing. E mais, para Walt Disney, a experiência era o próprio marketing. “Faça o que faz tão bem, que as pessoas vão querer vê-lo novamente, e vão trazer os seus amigos”, diz numas das suas frases mais famosas.
Essa mentalidade de encantar e o modelo Disney pautaram por muitas décadas as discussões sobre marketing de experiência. Mesmo não tendo um produto tão divertido ou inspirador, diversas marcas replicaram o conceito em seus segmentos com sucesso, ressignificando experiências anteriores, seja potencializando uma pausa para o café, oferecendo sabores únicos com uma velocidade ímpar num restaurante repleto de cores e atrativos, oferecendo o suprassumo de produtos tecnológicos em embalagens e design que são tidos quase como obras de arte ou construindo uma plataforma capaz de entregar qualquer compra em sua casa no mesmo dia, com poucos cliques, em qualquer dispositivo. Uma dúvida: lembra-se de algumas marcas nas linhas acima?
A experiência é o marketing
Essas empresas também investem em publicidade, mas fizeram da experiência o alicerce do seu marketing. Tais marcas não estão no negócio de capturar borboletas, estão a cultivar um jardim. Certo, tudo isso é maravilhoso, mas nem todos são a Disney, o McDonald ‘s, a Starbucks, a Apple e a Amazon. E tem mais: o dinamismo dos dias de hoje, com o avanço de novas tecnologias e os meios digitais potencializam a relação entre o consumidor e as marcas, e multiplicam os pontos e ocasiões de contato entre ambos. Quer um exemplo? Quantas vezes já abriu a sua aplicação do banco ou pediu uma viagem na sua aplicação de transportes particulares nesta semana? Certamente não se estava a importar em ser encantado, mas sim em executar as suas tarefas de forma prática, rápida, inteligente e sem nenhum atrito. Acertei? Isso também é experiência. E é mais importante do que nunca.
Já parou para pensar que da velocidade, potência e pensamento disruptivo dos novos tempos nasceram players digitais baseados na experiência como Netflix, Spotify, AirBNB e Uber? Segundo a definição do Gartner, a experiência é “a soma de todas as percepções e sentimentos relacionados ao cliente causados pelo efeito único e cumulativo das interações com funcionários, sistemas, canais ou produtos de um fornecedor”. Com essa dinâmica, a relação entre pessoas e marcas está menos para um encontro romântico e mais para um casamento, com todos os seus desafios. E é daí que surgem letrinhas mágicas que estão na boca de dez em cada dez executivos de marketing nos dias de hoje: CX (Customer Experience) e UX (User Experience).
CX, UX e outros Xs
Entre os consumidores americanos com 18 anos ou mais, 94% afirmam que comprariam mais produtos e recomendariam empresas com um bom trabalho de customer experience, de acordo com um estudo do eMarketer, publicado este ano. Por outro lado, a mesma pesquisa mostra que 29% das pessoas ouvidas já tiveram alguma experiência desagradável que as fizeram decidir nunca mais adquirir produtos e serviços de uma determinada empresa. Os dados compilados pelo eMarketer, no entanto, mostram também os desafios no caminho das organizações que querem e precisam melhorar a experiência dos seus consumidores. A limitação do número de funcionários foi citada por 63% dos profissionais de atendimento como um fator que impede que essas melhorias sejam realizadas. Além disso, 44% também apontam as diretrizes orçamentárias apertadas como um fator de complicação para que essa evolução aconteça.
Seja como for, é evidente que existe um novo playbook de marketing para o mundo atual e este deveria ter investimentos priorizados de acordo com o funil ou jornada do consumidor. Na base de tudo, essa dinâmica deveria estar focada na experiência de compra ou uso do produto. O que isso significa? Que qualquer trabalho de construção de marca, awareness e consideração só deveria ser realizado quando a experiência estiver num padrão de qualidade esperado pelo seu consumidor. Não à toa, quase a totalidade das marcas nativas digitais que explodiram nos últimos anos aplicam esse framework no seu modelo de negócio.
Experiência no ADN
Seja nos Estados Unidos ou aqui no Brasil, não há como negar que a experiência se tornou protagonista num mundo que é cada vez mais mobile first. A pandemia só potencializou e acelerou essa tendência. Por aqui, o estudo mais recente é o CX Trends, realizado pela Zendesk, e mostra que para 76% dos consumidores do país, a experiência tornou-se mais importante para eles em 2020, na comparação ao ano anterior. E mais do que isso: 82% dos consumidores brasileiros gastariam mais por uma boa experiência na internet, de acordo com a pesquisa.
Diante da evidência do avanço da experiência no ADN de qualquer empresa, o mercado procura o amadurecimento a partir de aprendizagens importantes. Entre eles, podemos listar os seguintes talking points:
- CX e UX são uma atribuição do marketing: afinal de contas, quem melhor que a área que tem o papel de conhecer os consumidores e se comunicar com eles para ser a guardiã da experiência?
- Novos perfis e skills são necessários: um marketing contemporâneo precisa ter na sua liderança e time skills de produto digital, personas, data analytics, design de produto entre outras habilidades que vão muito além do universo clássico da comunicação.
- Cultura de “test and learn”: é preciso adotar um modelo de melhoria contínua através de ciclos rápidos de testes de melhoria da experiência. Porquê? Porque não existe bala de prata. Milhares de pequenos ajustes são o que fazem a diferença.
- Saiba para que dados olhar: o grande trunfo do digital é que tudo pode ser mensurado, porém tão importante quanto o que olhar é o que não se vê. É o foco nos indicadores que faz a diferença.
Para finalizar, é importante amarrar as pontas e entender que o desenvolvimento da experiência não tem fórmula pronta ou receita infalível, como uma garrafa de Coca-Cola. E que conceitos como CX e UX não são produtos de prateleira. Não importa se é a Disney, a Uber Eats ou a mercearia do outro. O que o cliente quer no final do dia é uma boa experiência, dentro do contexto certo, eliminado a necessidade ou superando a expectativa sobre o seu produto ou serviço, seja qual for o seu ponto de contato.
Artigo de Marcelo Tripoli, Autor – MIT Technology Review Brasil