Antes da Apple criar os AirPods, que ganharam a popularidade dos amantes da marca, muita gente já se engalfinhou com os fios de um fone de ouvido. Sabe quando colocamos os fones no bolso e quando vai pegar neles, estão completamente enrolados e você consegue apenas saber onde estão as pontas?
Bem, o estudo Decoding Decisions, realizado pelo Google com o The Behavioural Architects, trouxe uma nova forma de pensar o processo de decisão de compra do consumidor na Internet e constatou que a jornada do utilizador é tão complexa quanto o emaranhado descrito acima. O ponto positivo? Insights importantes e práticos foram extraídos após um número relevante de experimentos.
A pesquisa contemplou 11 países, incluindo o Brasil. Mais de 31 mil simulações de compra foram realizadas com consumidores e, só aqui no Brasil foram mil entrevistas e 2 mil compras simuladas em 10 diferentes categorias. De acordo com a pesquisa, existe uma série de acontecimentos entre o gatilho e a compra que não são englobados nas discussões de marketing tradicionais, normalmente pautadas apenas sob o prisma do funil de vendas.
Segundo o framework, entre o gatilho, início da jornada do cliente e a compra, as pessoas procuram informações sobre produtos e marcas de uma categoria e avaliam essas diversas opções, oscilando entre dois modelos mentais diferentes nessa jornada: exploram todas as possibilidades e avaliam, filtrando essa enxurrada de informações que recebem. Assim, elas repetem esse ciclo quantas vezes forem necessárias, alternando entre exploração e avaliação até que seja tomada uma decisão, enquanto a exposição à marca circunfere todo o processo (representada pelo círculo maior).
Segundo a Diretora de Negócios para Retalho do Google Brasil, Gleidys Salvanha, a exploração é um exercício expansivo, que adiciona novas opções para serem analisadas, enquanto o modo avaliação é um exercício mais redutor, com foco em restringir as opções. Porém, a facilidade que temos em acessar informações e a quantidade de dados que temos disponíveis, fazem com que muitas vezes a gente volte do modo avaliação para o modo exploração, criando um looping.
Aprendizagens práticas trazidos pelas experiências
A partir de uma análise pela perspectiva da economia comportamental, foram identificados seis vieses cognitivos que permeiam a fase de exploração e a de avaliação. Variáveis que, conforme mudam no processo de comunicação/exibição, impactam diretamente a escolha do comprador.
Nós podemos tanto aprender com esses vieses como aplicar na nossa estratégia. O primeiro viés são as Análises Heurísticas, aqueles atalhos presentes na descrição do produto, é a escolha das palavras-chave numa descrição curta do produto que pode simplificar a decisão. Por exemplo, ‘alimentos orgânicos’ traz vários significados para um alimento: saudável, ecologicamente correto, com qualidade.
O segundo é o Viés de Autoridade, quando há um especialista indicando ou auxiliando na escolha ou um selo de qualidade, por exemplo. É natural do ser humano procurar por especialistas em um assunto para auxiliar e corroborar com a confiança em determinada escolha. É uma forma que o nosso cérebro utiliza para dizer que seguir por aquele caminho terá menos riscos de frustração.
O terceiro é o Viés da Escassez, quando o produto é limitado no stock ou na edição e isso dá sentido de urgência na aquisição e desejo de compra. O quarto é o Poder do Gratuito, quando algum item relacionado ao produto é de graça, como o frete gratuito, por exemplo. Este item, segundo a pesquisa, é extremamente motivador para influenciar uma escolha de compra, sobretudo no Brasil.
O quinto é o Viés da Opinião Popular, quando um produto possui alguma forma de confirmação de sua satisfação, seja por meio de recomendação (como as estrelinhas no site) ou comentários. Por fim, o sexto é o Viés do Poder do Agora, trata-se de quanto mais a gente espera por um produto, menos atrativa fica a proposta. Um aspecto cognitivo que vem ganhando cada vez mais relevância, dando destaque às entregas ultra-rápidas, por exemplo.
Enfim, esses seis vieses cognitivos foram identificados como fatores de peso na escolha de um comprador num e-commerce. A experiência ocorreu numa plataforma que simulava um marketplace que os participantes já usavam. Todos os candidatos tinham que apontar qual era a sua marca favorita em relação a uma categoria, a segunda de preferência e assim por diante. Em seguida, foram realizados vários testes para descobrir quais aspectos na oferta faziam com que o candidato optasse por uma marca de menor preferência, ou seja, quais aspectos da oferta levavam o candidato a não optar pela sua marca favorita e escolher outra.
Os exemplos das aprendizagens relacionadas ao teste do processo de compra de uma Smart TV se aplicam ao retalho em geral, não só a essa categoria de produto, havendo apenas algumas variações estatísticas:
No primeiro teste os candidatos se defrontaram com a oferta relacionada à compra de uma Smart TV, tendo apenas a opção de sua marca predileta para compra. Sendo assim, 100% dos participantes realizaram a compra da sua marca de preferência.
No segundo teste a única diferença é que foi colocada uma oferta similar ao lado, referente à segunda marca de preferência do participante. O simples facto de ter uma opção adicional com uma oferta similar fez com que 24% dos respondentes comprassem dessa segunda opção e 76% comprassem da marca de preferência pessoal.
No terceiro teste foram feitas alterações para favorecer os vieses da marca de menor preferência para verificar o impacto sobre a escolha de compra. Sendo assim, foram feitas alterações no Viés de Análises Heurísticas e no Viés da Opinião Popular. Enquanto na opção de preferência do candidato a descrição do produto era “controlo remoto smart”, na segunda, a descrição era “Ultra HD” (atalho mais forte) e, além disso, o segundo item tinha cinco estrelinhas de avaliação, enquanto o primeiro, a marca de preferência, apenas três estrelas.
O resultado foi o seguinte: 60% dos respondentes optaram pela segunda marca em detrimento da marca de preferência deles.
No quarto teste, a segunda marca foi ainda mais potencializada. Dos seis vieses, quatro foram reforçados para a segunda marca em detrimento à marca preferida do respondente. Nessa simulação, o ‘poder do gratuito’ e o ‘viés de autoridade’ estavam presentes nas duas marcas, porém, o ‘Poder do Agora’ (entrega mais rápida) e o ‘Viés da Escassez’ (oferta por tempo mais limitado) foram mais reforçados na segunda marca, além das ‘análises heurísticas’ e do ‘poder da opinião’ que já tinham sido reforçados no teste anterior.
Com isso, 70% dos compradores optaram pela segunda marca de preferência em detrimento da primeira, ou seja, apesar da preferência de marca, 7 em cada 10 compradores optaram por abrir mão da sua marca preferida em função da oferta feita pela concorrente.
Por fim, no quinto teste, foi realizada uma pesquisa com uma marca fictícia, inexistente no mercado. As diferenças foram semelhantes ao último teste, sendo atribuídas quatro vantagens na oferta da marca fictícia em comparação à marca de preferência. O resultado foi que apesar da inexistência de brand awareness, a marca fictícia foi escolhida por 32% dos candidatos. Logo, em resumo, o resultado geral dos testes está na imagem abaixo:
Como as marcas podem e devem agir nesse processo?
Apesar dos vários pontos relevantes apresentados nas ofertas, que fizeram com que candidatos migrassem de escolha, o brand awareness em muitas das vezes foi o que manteve um participante optando pela sua marca de preferência por tudo o que ela representa.
Outro ponto de relevância é em relação ao segundo teste. O simples facto da sua marca aparecer na hora certa, pode impactar um utilizador na compra do seu produto, portanto, descubra os locais que o seu público frequenta, navega e garanta a sua presença em diferentes canais. Isso já impactará na escolha das pessoas.
Sendo assim, após garantir a presença da sua marca e produtos, utilize-se de forma assertiva dos vieses cognitivos deixando a oferta com vantagens alinhadas com os processos cognitivos do utilizador em meio a essa jornada. A diferença muitas vezes está nos detalhes. Execute testes de ofertas e analise os resultados para definir quais vieses geram mais impacto, de acordo com o seu público.
Por último, procure diminuir o gap entre o gatilho e a compra. Coloque a sua equipa de tecnologia empenhada em extrair dados dessas jornadas e utilizar a favor das próximas compras, a fazer análises importantes para inserir fatores durante o processo de compra, para criar um design que seja o background de toda essa jornada mais simplificada e confortável.
Este último insight se aplica a lojas físicas, inclusive. Segundo o Facebook IQ, departamento de comportamento do consumidor do Facebook, um comportamento que vem se desenvolvendo nos últimos anos é o hábito de fazer pesquisas no celular durante as compras dentro das lojas. Atualmente, cerca de 74% dos consumidores já usam o telemóvel dentro das lojas para fazer pesquisas, tendo como principais objetivos:
1º comparar preços;
2º comparar produtos;
3º ler reviews de produtos;
4º tirar fotos;
5º procurar por cupons de desconto.
Facilitar a jornada do consumidor com Q&A, parte do site contemplando as respostas às perguntas mais frequentes; utilizar QR Codes nos produtos, contando detalhes ou histórias relacionadas a eles ou utilizar-se de painéis interativos, são formas de aprofundar o visitante em seus produtos e reter a atenção dele até o fechamento da compra.
Artigo de Alfredo Soares, Autor – MIT Technology Review Brasil