Um produto só surge quando determinamos a necessidade de um cliente, sendo que estas necessidades são dinâmicas e evolutivas, razão pela qual as funcionalidades dos próprios produtos carecem de igualmente de evolução e mesmo antecipação.
O mundo digital trouxe acesso facilitado a um conjunto de ferramentas tecnológicas (p.e. serviços em Cloud), que agilizou esta contínua busca de identificação e antecipação de necessidades. O mesmo é equivalente a dizer que as barreiras à entrada de negócios baixaram, traduzindo-se numa maior concorrência de mercado, uma vez que não só as empresas estabelecidas têm acesso a essas ferramentas, como também novas empresas apareceram no mercado. Assim, esta porta aberta criada pelo mundo digital, elevando a concorrência e agilizando uma nova relação com os clientes em vários canais, agora digitais, obriga a uma reinvenção profunda de toda uma organização que se queira manter competitiva, nomeadamente ao nível dos seus modelos de negócio e dos vários recursos e competências que a suportam (humanos, financeiros, logísticos, entre outros). Os modelos de negócio tradicionais deixam de ser claramente eficientes e, na maioria das situações, eficazes. O cliente deseja interagir rapidamente com o produto ou serviço disponibilizado pela empresa, dispensando cada vez mais o tempo de espera por “ir à loja” para tocar no produto ou sentir o serviço.
Acresce a este fenómeno que é cada vez mais importante para um cliente garantir que resolve todas as suas necessidades para o momento em que está, num único ponto, de forma a evitar várias interações ou deslocações a diferentes interlocutores ou empresas. É hoje desejo de um cliente, quando compra uma casa, através do seu banco, ter o empréstimo, o seguro, a escritura, e até adquirir logo algum mobiliário ou eletrodomésticos. Igualmente quando compra um carro, no momento da compra, ter não só o carro, como também o seguro e financiamento. A variável digital aqui é que estes eventos podem ocorrer às 3h da manhã de um dia qualquer do ano, pois é o momento em que o cliente encontrou na sua disponibilidade de vida para realizar uma destas atividades de vida. E portanto, quer não só realizar estas ações à hora que lhe for mais importante, como também o deseja fazer à distância de um clique, num qualquer dispositivo móvel.
Desta forma, importa entender quem é o cliente da empresa, quais os momentos que procura para ultrapassar as suas necessidades e quais as evoluções de experiências que podem ser dadas, de forma que fiquem inesquecíveis e, portanto, sejam considerados eventos marcados ao máximo na sua memória (quem não se lembra onde estava no momento exato do ataque às Torres Gémeas em Nova Iorque ou, mais recentemente e sendo português, onde estava quando a equipa de futebol de Portugal foi Campeã Europeia?). Se uma empresa conseguir dar ao seu cliente um momento na entrega do seu produto ou serviço inesquecível, será capaz de transformar um cliente em seu fã e, portanto, promotor.
O mundo digital trouxe consigo uma panóplia enorme de oportunidades de satisfação clara de necessidades, nas 24h disponíveis de um dia, ao contrário do mundo físico e no tradicional “das 9 às 17”. As empresas devem entender em primeiro lugar a tipologia de clientes e em segundo lugar a tecnologia, que podem potenciar e satisfazer necessidades dos vários momentos da vida dos clientes, dando o máximo de experiências inesquecíveis.
Entender como se posicionar com um modelo de negócio digital, uma empresa e a sua liderança necessita de conhecer e controlar 4 variáveis essenciais: Matéria-prima na cadeia de valor, capacidade de transformar e entregar os produtos como um serviço, relação e interface com clientes e criação de uma rede de parceiros capaz de potenciar o efeito de rede.
Figura 5 – Framework de variáveis essenciais de controlo de Modelo de Negócio Digital
O digital permite-nos não só ter economias de escala fundamentais na entrega de produtos como serviço, mas também economias de gama, isto é, a tecnologia permite que, sem grande esforço adicional para uma empresa, disponha de vários produtos e serviços no mercado e crie enormes sinergias na produção e na sua entrega.
Este framework ajuda a clarificar facilmente onde pode uma empresa posicionar-se digitalmente num primeiro momento, bem como entender as suas capacidades e ambições futuras no mundo digital, trabalhando em dois eixos:
- um que tem como princípio o ganho de escala na entrega ao mercado, isto é, a capacidade de ganhos de eficiência por aumento de vendas;
- o outro eixo foca-se na capacidade de obtenção de economias de gama, ou seja, na forma como reestruturamos em componentes o nosso produto ou serviço base, que podem ser de valor acrescentado em cadeias de valor existentes no mercado;
Estas duas dimensões permitem dispor de um framework com quatro variáveis de negócios distintos, os quais são complementos à criação de capacidades de entrega e disponibilização de produtos e serviços:
- Matéria-Prima na Cadeia de Valor: o conhecimento e distância na cadeia de distribuição da matéria-prima necessária à entrega do produto ou serviço é fundamental. Entender que se a empresa faz panelas, está dependente de ferro e aço, ou se entrega um serviço online de venda de roupas, está dependente da disponibilidade de tecidos, é crítico para avaliar riscos e compreender as dependências de podermos ou não escalar o negócio. Isto é, esta variável é fundamental para reconhecermos os factos essenciais do negócio e de como poderemos diversificar e escalar uma operação.
- Componentes como Serviço: num mundo cada vez mais digital, a transformação de produtos como um serviço torna-se hoje mais fundamental, onde podermos dispor da capacidade de entender que a empresa tem no seu portfólio de produtos (ou partes de produtos) valor acrescentado para outras cadeias de valor é crucial para ganhar diversidade na oferta ao mercado, mantendo a sua base produtiva. Isto é, estamos a falar da capacidade de disponibilizar produtos ou serviços em modelo plug-and-play, isto é, ter a capacidade de não ser apenas uma empresa B2C – business to consumer e atuar também em mercado B2B – business to business. Por exemplo, a Renault que é fabricante automóvel, fornece motores para vários veículos da Mercedes, ou num modelo mais tecnológico de hoje, os fornecedores de PaaS – Platform as a Service, como a Microsoft, a Google ou AWS, disponibilizam componentes de inteligência artificial, de autenticação, de tradução, de bases de dados, entre outros, para empresas como Netflix, Spotify, Disney, entre outros, integrarem nas suas aplicações ao mercado B2C.
- Cliente e interfaces: disponibilizar experiências inesquecíveis aos clientes é o foco desta variável, independentemente do canal de interatividade com que o cliente interaja com a empresa. Saber criar viagens únicas, permitindo que o cliente inicie uma compra no canal Web, valide dados na aplicação mobile e até possa finalizar a compra numa loja física é um enorme valor acrescentado. Um exemplo extraordinário é praticado pela Inditex, através das suas várias marcas como Zara ou Massimo Dutti, na experiência que dá aos clientes, nomeadamente na forma como permite a aquisição de produtos nos seus canais digitais, que podem ser depois experimentados, entregues ou devolvidos em loja física ou em casa do próprio cliente, para além das notificações por e-mail e SMS de acompanhamento e apoio ao longo de todo o processo de compra (mesmo quando o cliente não finalizou a compra, apelando a um apoio e esclarecimento caso necessite para finalizar a compra).
- Parceiros: saber estar no mercado é compreender todo um ecossistema de parceiros. Trabalhar em coopetition é fundamental para potenciar as ofertas, bem como incorporar também eficiências de outros na nossa cadeia de valor (Brandenburger & Nalebuff, 2021). Importa, contudo, saber como e quando cooperar e competir, de forma a não destruirmos valor dessa estrutura. Um dos exemplos mais reais deste aumento de valor por coopetition é por exemplo a partilha de voos entre companhias aéreas. Se a este modelo acrescentarmos um ecossistema alargado e coordenado de empresas, dispositivos, e clientes para criar valor para todos os participantes, a qual é o destino num domínio particular (como um shopping), incluindo complementaridade e às vezes produtos concorrentes alcançamos o patamar próximo da perfeição. Ainda poucos conseguem chegar a este patamar, pois carecem de elevada maturidade digital da organização. A Amazon é provavelmente o caso mais profundo de controlo deste ecossistema de parceiros perfeito, desde a relação com fornecedores, controlo e produção de módulos digitais, tal como um nível elevadíssimo de disponibilização de conteúdos em diferentes canais físicos e digitais.
Perante estas variáveis, e o reconhecimento das diferentes competências, fragilidades ou forças, permitirá à organização definir o seu posicionamento e adotar modelos de negócio digitais mais adequados por produtos e serviços disponibilizados, podendo aí, através do suporte tecnológico enquadrar o seu modelo de oferta e valor acrescentado ao mercado.
Artigo de Rui Ribeiro, Autor – MIT Technology Review Portugal