Os meus sinceros parabéns às nossas queridas PMEs em pleno 2021, algumas mais inovadoras, outras mais ortodoxas, mas todas empenhadas pela sobrevivência. A Transformação Digital (TD), termo que desde a virada do século vem sendo utilizado massivamente pelos media, e claramente desperta interesse dos empresários e gestores, ao fomentar verdadeiras revoluções nas organizações pelo mundo fora.
Nas PMEs, por outro lado, uma grande parcela destas, tem receios legítimos de como planear quais as atividades seriam sujeitas a esta transformação, enquanto outras preocupam-se em como compatibilizar o budget restrito, o tempo e o montante de retorno sobre o investimento. Não refuta-se a emergência por inovações tecnológicas, diante da emergência sanitária mundial apresentada em 2020/2021. Entretanto conheço alguns que sentem profundos calafrios ao tocar nesse assunto. O certo é que no segundo trimestre de 2020 , a mais valia da TD, veio rapidamente à tona. Basta lembrar do trabalho remoto apoiado pelas TIs, e as suas consequências na relação com clientes, fornecedores, e colegas dentro das organizações. Aproveitar a boleia da vaga de digitalização, e inserir no quotidiano da organização ferramentas de Business Intelligence, Machine Learning (ML) e inteligência artificial (IA), não é tarefa fácil para PMEs que não têm colaboradores com habilidades para discutir, perceber os riscos e planear a estratégia de TD.
Outras Emergências
Antes de seguirmos, gostava de trazer à conversa algumas memórias.
O ano era 1995, e no seio dos players do mercado de software, como IBM, Microsoft, Oracle entre outras, já haviam movimentos ruidosos de como tratar o desafio de mudar sistemas legados, e desenvolver, ao redor do mundo a transformação dos dados processados e armazenados nos sistemas com anos registados em 2 dígitos para 4 dígitos, pois com a proximidade do ano 2000, a representação das datas nos SI tinham que compatibilizar, por exemplo, a data 01/01/2001, e os SI à época armazenariam como 01/01/01.
O que hoje pareceria ridículo, naqueles anos parecia-nos o fim do mundo. Chamado de Bug do Milénio, Bug Y2K, entre outras formas, era motivo de reuniões de alto nível, comités de contingências, frente a uma escassez de mão de obra para atender tanta necessidade de programadores para alterar os SI.
A catástrofe alardeada afinal não aconteceu, todos sobrevivemos às custas, claro, de trabalho árduo. Na época como Gerente de TI de um grupo de empresas de autopeças e concessionárias no Brasil, a minha equipa trabalhou com deadlines apertados, prudência e compromisso. Entretanto, às 23.59 do dia 31/12/1999 não havia a necessidade que alguém permanecesse à disposição nas instalações da empresa para assegurar o sucesso das mudanças. A consciencialização, o planeamento, os conhecimentos apreendidos, os seminários e workshops que participamos tiveram também a sua importância na leitura do que nos esperava e nas soluções oferecidas pelo mercado. E percebam que a Internet como a conhecemos hoje, democratizando, partilhando gratuitamente muito do que é feito pelos pares em outras empresas e projetos, não existia.
Face à escassez de mão de obra à época, houve oportunidades para inúmeros projetos de outsourcing para reação ao Y2K, notadamente para grandes organizações. Claro que as empresas não tinham a dependência de TI que encontram-se hoje, e menor ainda quando considerado ao nível de PMEs.
Transportando-nos para anos mais recentes é fácil lembrar de outro marco no aspecto da relação com o Digital, para as organizações nomeadamente na Europa e Brasil, e que afetou também as PMEs no âmbito de privacidade de dados dos clientes, o RGPD-Europa e LGPD- Brasil.
Oriundos das preocupações dos governos quando foram aprovados estes regulamentos versavam muito sobre prejuízos na relação com os clientes, conceber SI a atender o direito à privacidade, maior controlo com as autorizações de tratamento de dados, muitas reuniões, formações voltadas para DPOs. Muito investimento, muitos também (e apenas) por compliance. Mas os motivos maiores de preocupações realmente eram as sanções financeiras para quem os descumprissem. E afinal não podemos negar que houveram multas, mas não é tarefa fácil achar alguma PME que tenha sido prejudicada neste aspeto.
Perceba que não estou a promover que as PMEs ignorem os efeitos manada, mas gostava que pudessem distinguir o que lhes potenciam evolução positiva, dos projetos apenas por compliance, ou evidência social, excepto que estes façam parte integrante da estratégia da organização, enquanto resposta ao mercado.
Mãos à Obra
À partida permitam-se confessar que infelizmente a palavra sorte nunca foi a minha melhor conselheira. Até para usar o vento a favor do seu pequeno barco, deve ter uma vela adequadamente posicionada relativamente à direção do vento. E ainda deixe-me pegar emprestado do Sun Tzu (Arte da Guerra…) “aquele que não se conhece a si mesmo nem ao inimigo será derrotado em todas as batalhas”. Concretamente troquemos o inimigo pela TD ou qualquer outro desafio no seu painel de bordo. Ora, temos aí uma leitura interessante de uma frase multi proposta. Impossível enfrentar profissional e assertivamente as mudanças de cenário sem ao menos reconhecer as suas próprias capacidades. Sim, muitas PMEs têm capacidades que não reconhecem. Entretanto, mesmo que não tenham talento para planear, executar a TD, ao menos recomendo que construam a perceção de perceber-se e depois lançarem-se aos PoC (Proof of Concept) e Gestão Ágil antes de contratar quaisquer empresas, colaboradores ou profissionais externos para a sua jornada de TD.
Fase 1
Identificar os Processos Internos é o nosso primeiro dever. Por vezes estamos tão próximos do cotidiano da empresa que não vemos que os colaboradores são clientes internos, e tem entregas a executarem internamente, idealmente com maior agilidade, e qualidade possível, num pipeline idealmente virtuoso, com fins de atender ao cliente externo. Lembre-se que o cliente já espera uma experiência Omnichannel, onde os touchpoints, quer sejam digitais ou físicos, ofereçam a mesma experiência e reconheçam todas as interações do cliente com a marca.
Acredite que o simples ato de desenhar o Fluxo de Trabalho ajuda bastante a encontrar inconsistências, ou ao menos facilita encontrar os colaboradores e recursos principais para as entregas de valor. Consequentemente, chama-nos a atenção do que deve ser monitorizado.
Ao revisitar e refinar continuamente este registo pode-se concluir pela utilização de ferramentas de gestão de workflow, ou de gestão de projetos ou pipeline.
Fase 2
Saltar a Fase 1 é um risco incalculável. Por vezes o profissional de TI , ou mesmo o responsável da PMEs, acredita firmemente que a empresa está bem, ou apenas diz estar, e aventura-se a adquirir projetos ou soluções prontas, sem nem sequer responder a basilar questão: Esquecendo as nossas capacidades de TI, o que precisamos fazer melhor, para entregar melhor?
Agora conhecendo as nossas fragilidades e o que fazemos bem, é importante registar o que a nossa concorrência faz de melhor. Tanto quanto possível, positivar num mesmo quadro comparativo, os nossos tempos, preços, website, comunicação, relativamente ao relacionamento com o cliente no âmbito do Omnichannel.
Fase 3
Ora bem, a concorrência usa Chatbot, IA, ML, BI, ERP,CRM? Estranho se não tivessem. Mas sim, nem tudo que a concorrência faz, é oportuno para o momento inicial de uma TD. O momento certo surgirá.
Fase 4
Agora conheço-me minimamente e ao meu concorrente. Neste ponto é oportuno a PME realizar os ajustes necessários internos antes de entregar-se à digitalização. Enfrentar mudanças sabendo que os processos e pessoas estão alinhados efetivamente para o sucesso da entrega de valor ao cliente, apesar de não suficiente, é determinante para a TD. Inevitável que durante as comparações entre a PME e a concorrência, perceber que algumas mais valias são suportadas, e viáveis, pela utilização de algumas capacidades de TI.
Agora sim, é chegado o momento de criar um ranking. Começar a anotar numa simples folha de cálculo o Valor Entregue pelo Concorrente ao Cliente dele. Na mesma linha a capacidade de TI supostamente necessária, e na coluna seguinte o Valor Entregue pela própria PME, ou simplesmente em branco caso não seja aplicável.
Concluída esta anotação, atribua a cada linha uma Ponderação referente ao impacto na Qualidade Percebida pelo Cliente no modelo de negócio da PME em análise. Em seguida, ordene a tabela criada em ordem decrescente pela última coluna criada.
Pronto, temos material seminal para perceber quais capacidades são prioritárias na nossa TD.
Claro que um website responsivo, gestão de social media, content management são o lugar comum que todas as formações sobre Marketing Digital vivamente orientam como deveres inadiáveis. Mas TD é muito mais profundo, começa antes do Digital.
Que tal começar aos poucos? Estes passos podem parecer simples, mas assentes nestes certamente as PMEs têm terreno sólido para o crescimento, e pode favorecer-se da entrada numa trilha exequível de TD.
Afinal, aceder à Transformação Digital dos negócios, é mandatório, desafiador para todos. E mesmo quando constatamos que, em 2021, ainda temos uma abissal falta de mão-de-obra de profissionais de TI suficientes para projetos de digitalização , deparamo-nos com um desafio acrescido para as empresas em geral, mas especialmente para as pequenas e médias empresas (PMEs), que num cenário financeiro restritivo acham por bem contingenciar ou procrastinar seus processos de TD.
A estratégia Omnichannel por exemplo, não é o futuro, o vosso cliente já espera uma relação Omnichannel. Algumas PMEs ainda funcionam sob a égide de silos, onde as funções empresariais, processos organizacionais, colaboradores, tecnologia, e touchpoints não convergem para uma estratégia Omnichannel.
A competição não espera, o mercado local e global, não congela.
Nada justifica não começar já. Conhece-te a ti mesmo, arrume a casa e planeie a sua TD.
Artigo de Sílvio Menezes – MIT Technology Review Portugal