Embora fosse pensada para ser motivo de inspiração e de admiração, o mau uso da palavra liderança por líderes pretensiosos nas redes sociais colocou-a num lamaçal difícil de sair.
Faz um bom tempo que as pessoas discursam sobre liderança nas redes sociais. Tanto no mundo da tecnologia como no do empreendedorismo, do marketing, da gestão de pessoas e de empresas.
São posts com citações de frases de líderes famosos, até tentativas de lições de moral que partem de acontecimentos do dia a dia para tentar criar um racional de liderança. Exemplos vão desde “o que o presidente da Ucrânia nos ensina sobre liderança” até “como aprendi com os meus filhos os princípios de liderança”.
Entre especialistas há uma visão crítica que nasce da observação do tempo que muitos desses influenciadores gastam a falar sobre o tema nas redes sociais versus o tempo que poderiam usar efetivamente com as pessoas, criando melhores empresas e assim se tornando líderes melhores.
Num comentário recente, Adam Grant psicólogo organizacional em Wharton afirmou que “muitas das pessoas que se estimulam a aprender sobre liderança são narcisistas. Dados: pessoas com egos inchados são atraídos por teorias que glorificam a dominância e o carisma do líder. Grandes líderes vêem o seu trabalho como um ato de serviço, não uma avenida para autoridade e atenção”.
Grant cita o estudo publicado na revista American Psychologist, em outubro de 2020, de autoria de Niklas K. Steffens e S. Alexander Haslam da Universidade de Queensland. Neste estudo — por meio de questionários — as pessoas (líderes) davam notas em arquétipos de liderança (autêntica, carismática, diretiva etc.), de acordo com o quanto endossavam cada estilo. Em seguida, indicavam as suas motivações para aprender sobre cada arquétipo. No final, preenchiam testes de Personalidade Narcisista.
Algumas regressões mais tarde, trago resumos dos resultados:
– “O narcisismo foi positivamente associado às medidas globais de (a) endosso de teorias de liderança e (b) motivação de aprendizagem para teorias de liderança”
– “Quanto mais narcisistas são as pessoas, maior a sua motivação para aprender sobre teorias de liderança”
– “O narcisismo dos indivíduos foi um preditor moderadamente forte de maior endosso das teorias de liderança”
Como ser um líder sem ser narcisista?
Trazendo foco no “ato de serviço” descrito no início deste artigo, faço uma comparação com a evolução na educação das crianças nas escolas de hoje em dia.
Ao introduzir a importância da rotina na educação da primeira infância, muitas escolas adotaram o conceito “ajudantes da vez”. Todos os dias uma criança é sorteada pela professora para ser o seu braço direito.
Engana-se quem acredita que é o ajudante da professora. Na realidade eles são “ajudantes dos outros alunos”, podendo, por exemplo, procurar canetas quando um amigo fica sem ou comida quando alguém quer mais. Eles não precisam de autorização da professora para tanto. Eles simplesmente ajudam.
O ajudante está por trás dos acontecimentos. Ele possibilita que as coisas aconteçam, que os alunos aprendam e a aula continue. O mais interessante é que ele tem autonomia, sem precisar pedir autorização da professora quando o tema é ajuda.
Trazendo para o mundo corporativo dois conceitos chamam a atenção:
1) Em equipas ágeis, as equipas devem ter autonomia para publicar os seus projetos, colocar sites e sistemas no ar, na frente dos consumidores, sem precisar de aprovações dos chefes e da antiga hierarquia. Se pelo contrário, precisarem perguntar para as professoras (neste caso os seus supervisores) por aprovação, não são nada ágeis.
2) Não podemos confundir ajudantes com bajuladores.
É ainda muito comum ver dentro das empresas as campanhas intermináveis e cansativas pelo preenchimento das pesquisas de melhor lugar para se trabalhar. Nas campanhas internas, chefes ressaltam não só como aquele lugar era ótimo – na visão deles –, mas também como o resultado positivo da pesquisa ajudaria na carreira de todos.
Este é apenas um exemplo triste do implícito “ajuda-me, que eu ajudo-te” com objetivo único, movido pelo ego dos chefes, de se mostrarem melhores líderes do que os seus pares ou de empresas concorrentes.
Se estes líderes estivessem a gastar este tempo para – em vez de fazer campanha – ajudar os funcionários nos problemas mais básicos que os impediam de melhor desenvolver os seus talentos, teriam uma empresa melhor e com pessoas mais felizes.
Se você tem dúvidas sobre o quanto influenciável o resultado deste tipo de pesquisa é, basta observar o que o tal “líder” faz quando o resultado é positivo. Se este corre para fazer um post sobre liderança, é porque realmente essa palavra está inundada pelo mau uso pelas pessoas mais narcisistas no mundo dos negócios.
Na procura por definir liderança, algumas perguntas são importantes:
– Será que as pessoas iriam votar no melhor lugar para trabalhar de forma proativa se não tivesse campanha?
– Será que os funcionários dessas empresas seguiriam estes presidentes se eles não fossem os chefes que pagam os seus salários?
– É possível definir liderança como “ajudante da vez”?
Para entrar mais a fundo, é importante se aprofundar no trabalho de, Marcus Buckingham, autor do livro Nove Mitos sobre o Trabalho. Estudou a fundo as equipas de inovação e tecnologia da CISCO, além de ser autor de diversas publicações de Harvard. Em resumo, Buckingham diz que “a principal característica de um líder é ter seguidores”.
Defende que o engagement de seguidores não se dá pela soma de características abstratas, como visão estratégica, empatia, autoconhecimento, integridade ou poder de comunicação. Para ele, os líderes não são perfeitos.
Um famoso exemplo é de Steve Jobs que trocava de carro a cada seis meses. Isso possibilitava que o carro não tivesse placa e pudesse parar em vagas de deficientes. Péssimo exemplo de integridade.
As pessoas que seguem livros com checklists e dicas de liderança não fazem mais do que perder a sua autenticidade, pois os funcionários normalmente percebem a lógica egocentrista na tentativa de demonstrar perfeição.
“Bons líderes são aqueles que, por meio de picos, nos trazem certezas.”
De acordo com o autor, todas as pessoas têm insegurança sobre o desconhecido. Conhecemos o passado e vivemos o presente, porém tememos o futuro. Isso é natural do ser humano. É por isso que as religiões possuem rituais quando as pessoas morrem: porque os processos criam uma impressão de controlo nas pessoas.
Bons líderes não mentem sobre o futuro, mas, por meio de experiências com as suas equipes, apresentam-se como pessoas confiáveis para os seus seguidores decidirem estar por perto quando pensam no seu futuro. É só isso.
Ser “confiável” não é um objetivo, mas é uma consequência da autenticidade dessas pessoas.
A confiança é o material que os seguidores dão aos líderes que, através das experiências, demonstram capacidade de passar pelas tormentas.
Os melhores líderes não são perfeitos e não seguem o “checklist” dos livros de autoajuda em liderança.
Eles não são bons ou maus, são apenas pessoas que “descobriram como ser o seu eu mais definidor no mundo, fazendo isso de uma forma que inspira confiança em seus seguidores”.
Confiança é mais uma vez a moeda de troca.
Só assim o “ajuda-me a ajudar-te” é genuíno e não deixa a palavra liderança perdida em um lamaçal nojento de autoajuda ou narcisismo, entre palestras e posts com lições de moral nas redes sociais.
Este artigo foi produzido por Fernando Teixeira, Senior Vice President of Data da Media.Monks e colunista do MIT Technology Review do Brasil.