Um negócio nunca segue exatamente as nossas expectativas. Podemos até criar um plano extenso com relatórios de mercado, folhas de cálculo de projeção e uma definição detalhada da persona. Porém, infelizmente, quando vamos a campo, a história é outra. Em meio à dura realidade, quem está na liderança tem que adaptar o planeamento e, acima de tudo, executar os pontos que não seguiram como o esperado.
Na procura por uma solução para adaptar o negócio aos feedbacks que o mundo nos dá, pode ocorrer a necessidade de transformação do negócio como um todo, redirecionando a estratégia para a sobrevivência ou crescimento da empresa. O apelido dado pelo mercado a essa mudança de direção chama-se “pivotar”. O termo deriva da posição do basquetebol pivot, conhecida por girar e mudar a direção do ataque, desestabilizando a defesa adversária.
Três exemplos de negócios que pivotaram
Easytaxi
Eu próprio já fui desafiado a pivotar um negócio. Em 2011, participei no Startup Weekend, evento que reúne um grupo de pessoas para construir, em conjunto, uma concepção de negócio em apenas um fim de semana. Durante o evento tive a ideia de fazer uma aplicação de autocarro para as pessoas acompanharem a rota do veículo por meio do smartphone e não precisarem ficar à espera no ponto à toa. Porém, um dos mentores do evento comentou que não tinha a menor hipótese da ideia dar certo, pois o Google já estava a desenvolver uma solução parecida.
No mesmo dia, ao sair do encontro, estava a chover muito e não conseguia apanhar um táxi depois de inúmeras tentativas. Foi então que veio a ideia de transformar o conceito original da aplicação que localizava autocarros para uma app que localiza e chamava táxis (na época a Uber nem existia no Brasil). Esta foi a origem do que viria a se tornar a EasyTaxi, fruto da pivotagem de uma ideia de negócios.
A plataforma, como conhecemos hoje, nasceu de um serviço chamado Burbn: uma aplicação de check-in baseado em localização. Depois de os fundadores notarem a popularidade dos seus recursos de partilha de imagens, em relação a outras funcionalidades, a empresa concentrou-se exclusivamente nas suas funções de fotografia, comentário e “gostos”.
O negócio finalmente mudou de nome, tornando-se o Instagram gigante da partilha de fotos que conhecemos hoje.
Slack
O Slack nasceu do fracasso do jogo Glitch. Para colaborar remotamente no Glitch, a equipa por trás dele construiu uma ferramenta de comunicação interna, na qual foram adicionando recursos ao longo do tempo. Construíram um banco de dados para registar e arquivar informações, de forma que as pessoas não precisassem estar online para receber mensagens. No decorrer do seu uso, a equipa desenvolveu funcionalidades de partilha básica de arquivos e outras funções.
Quanto mais arquivos, mensagens e gatilhos presentes na ferramenta, mais tempo os membros da equipa foram consumindo no chat. O jogo Glitch não deu certo e foi encerrado em 2012. Num momento de reflexão, ao se deparar com o fim do jogo, o passo seguinte foi comercializar para o público a ferramenta antes usada para comunicação interna, que passou a se chamar Slack.
Com o decorrer dos anos, a organização desenvolveu-se e ganhou grande relevância, sendo comprada em 2020 pela Salesforce por $24.7 mil milhões.
Mas, então, como saber quando pivotar?
Uma peça realmente se destaca
Às vezes, um único recurso do seu produto, serviço ou modelo de negócio terá um desempenho consideravelmente melhor do que os outros. Se for esse o caso da sua empresa, explore a possibilidade de pivotar para se focar exclusivamente nesse aspecto único. Assim como ocorreu com o Instagram e com o Slack, o mundo dá feedbacks para onde deve seguir e trabalhar de maneira mais inteligente, o que pode significar focar em uma só frente e abandonar todo o restante.
Não consegue ver progresso mesmo depois de ter colocado muito esforço e dinheiro
Dê uma olhada honesta e objetiva no seu negócio, sem acomodação ou emoção, e veja onde poderia estar se saindo melhor. Veja o que pode retirar, quais aspectos o estão a sobrecarregar financeiramente e onde pode conseguir chegar com os recursos de que dispõe. É importante não ter apego à ideia original e analisar por que o mercado não está respondendo às suas iniciativas.
Talvez as pessoas não se emocionem com a sua mensagem. Ou talvez o seu público-alvo simplesmente não esteja disposto a pagar o que está a cobrar.
Examine onde está a distorção. Isso pode significar reduzir o seu preço, focar no desenvolvimento de determinados recursos, mudar o seu público-alvo ou pivotar o negócio.
Está a ser constantemente superado pela concorrência
Se outras empresas estão absolutamente a dominar o seu espaço e o mercado que escolheu está extremamente saturado ou com players grandes demais para competir, talvez seja melhor repensar o negócio, reposicionar-se ou focar em atender muito bem a um nicho que acredita que vá se destacar.
Só quer algo diferente
Se está insatisfeito com o que está a acontecer, é o fundador e teve uma ideia na qual acredita que irá fazer com que a operação se transforme, alinhe com os seus sócios e equipa a sua visão para planear este redirecionamento.
Em todos os casos, isto é imprescindível
A decisão por pivotar tem que ser decidida após muita reflexão e fora do calor da emoção. Realizá-la dará muito trabalho, exigindo o recomeço de muitas coisas e a possível interpretação pessoal de que falhou. Recomendo que não encare a mudança assim, mas como uma aprendizagem que o fará crescer.
Após uma análise fria e exaustiva, provavelmente vai saber se a operação atual precisa ser mudada drasticamente. É importante não se esquecer da reflexão, aproveite o incómodo para saturá-la e chegar a uma decisão o mais rápido possível. Como já dizia Ray Dalio: “dor mais reflexão é igual a progresso” e complementando com uma frase de Seth Godin “o custo de estar errado é menor do que o de não fazer nada”, então, faça o que acredita, sem dispersões.
Artigo de Tallis Gomes, Autor – MIT Technology Review Brasil