Enquanto a ciência procura respostas cada vez mais disruptivas para prolongar a vida saudável, o mercado da longevidade cria a partir de necessidades identificadas no dia a dia de quem convive com idosos.
A redução da força e da massa muscular associada ao envelhecimento é conhecida como sarcopenia, um processo natural do corpo humano que se inicia por volta dos 30 anos e progride ao longo da vida. Essa ação do tempo no organismo pode ser retardada a partir de um estilo de vida baseado numa alimentação saudável e em exercícios físicos regulares; porém, ainda não pode ser completamente paralisada ou superada.
Os efeitos da perda de massa muscular são associados a diversas condições de saúde que acompanham o ato de envelhecer. Problemas nas articulações, dores e redução de mobilidade são algumas delas. A chave para atingir benefícios mais significativos em quadros como esses seria encontrar uma “fórmula” para a regeneração muscular.
A empresa brasileira Mirscience Therapeutics, apoiada pela incubadora de start-ups do Einstein, a Eretz.bio, aposta numa plataforma de desenvolvimento de fármacos baseada em Inteligência Artificial (IA) para encontrar alvos terapêuticos com o objetivo de aumentar a massa e restabelecer a função do músculo esquelético.
A plataforma estuda microRNAs, pequenas moléculas de RNAs, que possam transformar-se em tratamentos para doenças musculares como a sarcopenia e caquexia, uma condição de perda muscular após o tratamento do cancro, patologia que também se agrava com o envelhecimento populacional. A pesquisa está na fase de estudo pré-clínico, ou seja, ainda em fase experimental, sem testes em humanos.
Enfermeiro e um dos fundadores da start-up, Lucas Ariel Fernandes da Rocha conta que os dados iniciais demonstraram que uma das vantagens desse potencial tratamento, no futuro, será o aumento da massa muscular em até 40%, além da melhoria da função muscular de um modo geral.
“A nossa maior contribuição com essa molécula é devolver a autonomia aos pacientes que sofrem de doenças que causam algum tipo de atrofia ou perda muscular. E tirar o estigma de que se envelhece, precisa de tirar o pé do acelerador. É um pontapé inicial para construir um novo tipo de envelhecimento para a nossa população”, avalia.
Mas, com uma média de expectativa de vida global acima de 70 anos, é preciso desenvolver desde já ferramentas para cuidar da população idosa. A tecnologia é vista como aliada nessa trajetória que diz respeito ao desenvolvimento de tratamentos inovadores, de ferramentas para o controlo de doenças crónicas e para a diminuição de desigualdade no acesso à assistência em saúde.
Enquanto a ciência caminha em busca de respostas cada vez mais disruptivas, outras soluções para proporcionar uma jornada mais proveitosa são criadas. Nesse contexto, o desafio está em torno do desenvolvimento de serviços B2B e B2C para o público idoso, formando um ecossistema em que tecnologia, investidores, aceleradoras e start-ups caminhem juntos rumo à longevidade saudável.
Inversão demográfica e age tech
A sociedade que priorizou, durante muitos anos, produtos e serviços voltados para o público infantil e em idade economicamente ativa começa a reformular-se para assumir as necessidades de um grupo que cresce gradativamente. Essa busca pela inovação para suportar a longevidade e dar respostas às novas procuras populacionais, no contexto da transformação digital, está alinhada ao que pode ser chamado de age tech.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que, em 2050, um quinto da população mundial terá mais de 60 anos, e o Brasil terá o desafio de se adaptar de forma mais rápida à transição etária. Além de ter a sexta população mais idosa do mundo, em 2030, o Ministério da Saúde estima que o número de idosos ultrapassará o total de crianças entre zero e 14 anos.
Embora o cenário já esteja posto, na avaliação do diretor de Inovação do Hospital Israelita Albert Einstein, Rodrigo Demarch, também médico geriatra, o país ainda precisa de planear e avançar significativamente para lidar com esse redesenho da pirâmide etária.
“O Brasil tem uma população numerosa e crescente a envelhecer, mas não tem uma cultura e uma infraestrutura preparada para cuidar do idoso. Com um país com características tão distintas, nem sempre o que vem de fora pode atender as nossas procuras. Sendo assim, é preciso que a inovação e a pesquisa sejam estimuladas em território nacional para atender às necessidades de saúde exclusivas da nossa população”, explica.
Para o geriatra e médico de família do Einstein Marcelo Altona, ao passo que conduz a população à longevidade, a tecnologia também contribui para a manutenção de uma vida mais saudável.
“A pesquisa e a inovação podem trazer uma nova perspectiva, que é a de postergar ainda mais as limitações funcionais e cognitivas com base em estudos e num maior entendimento sobre genes envolvidos no envelhecimento do ser humano, e até mesmo de baratear procedimentos para torná-los mais acessíveis para a população”, afirma.
Tecnologia para suprir a “insuficiência familiar”
Enquanto esse nicho de mercado começa a atrair o olhar de investidores, quem já viveu o envelhecimento dentro da família desponta, trazendo soluções baseadas em experiências pessoais no contexto de um mercado com necessidade de inovação.
A gestora de projetos Silvia Helena Scagliarini acompanhou a chegada dos pais e tios à terceira idade. O problema latente na família era a dificuldade em manter uma rotina social ativa e atividades para diminuir os efeitos do envelhecimento no sistema cognitivo e na saúde física.
A partir dessa vivência, a empreendedora montou a VivMais, uma start-up que atua na prevenção da saúde, mantendo os idosos ativos e independentes, com o intuito de estimular a longevidade saudável. A empresa capacita pessoas formadas fora da área da saúde com um curso gratuito de geriatria para que possam conviver e interagir com idosos.
É possível contratar profissionais para acompanharem idosos por meio da plataforma, seja para disputar um jogo de xadrez, assistir um filme, conversar sobre amenidades ou acompanhar uma consulta médica.
Scagliarini explica que hoje a start-up é um marketplace onde as pessoas podem escolher o serviço que se adapta ao momento da família e do idoso, solucionando um problema reconhecido como “insuficiência familiar”.
“Na minha experiência, entendi que a dor da família é a de conciliar o tempo com as necessidades desses idosos, que vivem muito sozinhos. A intenção não é a de oferecer um cuidador, e sim a de romper o isolamento, que é prejudicial à saúde mental e física, resgatando os efeitos positivos e sentimentos de bem-estar relacionados às atividades sociais”, explica a fundadora.
Atualmente, a start-up atende entre 25 e 30 idosos por mês e procura financiamento para crescer. A tecnologia é o fio condutor da empresa. A plataforma de marketplace conecta os profissionais às famílias, além de ser fundamental para a capacitação para o atendimento adequado ao público. Atualmente, Scagliarini negocia com empresas para que o serviço seja oferecido como um benefício aos funcionários, considerando o momento de transição etária.
“Há décadas, tínhamos a figura da mulher em casa a cuidar dos idosos e das crianças. Hoje, essa mulher está na rua a trabalhar. Cada vez mais, as pessoas, tanto homens quanto mulheres, terão a mesma necessidade que eu tive 10 anos antes. Não será mais um problema individual, será um problema coletivo. Consequentemente, as empresas terão que se adaptar a essa nova necessidade familiar”, reforça Scagliarini.
Modernização da gestão nas casas de repouso
As instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), também conhecidas como casas ou clínicas de repouso, estão em expansão no Brasil. Dados do Grupo de Estudos, Pesquisas e Diagnóstico – Instituição de Longa Permanência para Idosos (GPED-ILPI), vinculado à Universidade de São Paulo (USP), apontam que, em 2010, havia 3548 instituições cadastradas e, em 2021, esse número chegou a 7292.
Associado ao crescimento dessas casas, surge o desafio de atender a novas necessidades da população idosa e dos seus familiares. A Gero360 nasceu, em 2019, para lidar com a realidade que se instala no dia a dia dos idosos quando perdem a independência e precisam de auxílio constante. A proposta da start-up é fornecer uma tecnologia que auxilie as instituições a fazerem a gestão de cada pessoa residente, tanto do ponto de vista de assistência como do de gestão administrativa e de desenvolvimento profissional.
A plataforma começou como uma aplicação disponível para familiares, para que as pessoas se pudessem organizar em relação à rotina de medicamentos, atividades físicas e consultas. Uma ferramenta que se mostrou importante quando Ana Paula Neves e Leônidas Porto, sócios da start-up, tiveram que lidar com os familiares idosos.
“Depois de entrarmos no mercado, entendemos que as ILPIs eram o ponto mais crítico da gestão. Quando há cada vez mais pessoas, os cenários de saúde e de atendimento tornam-se mais complexos. Cada paciente tem um perfil diferente, um atendimento personalizado e uma plataforma de gestão da segurança, transparência e eficiência para todos os envolvidos”, conta Ana Paula.
A tecnologia traz no histórico de residentes a possibilidade de ILPIs praticarem a medicina preventiva, avaliando os sinais vitais, a administração de medicamentos, exames, prescrições e relatos da equipa. É possível acompanhar a jornada do indivíduo e garantir mais conforto e maior qualidade de vida. Ana Paula explica também que a tecnologia dentro da plataforma tem a função social que extrapola a assistência para a conscientização da família e da sociedade sobre o tema.
“A casa de repouso não é uma tomada de decisão fácil. Ter uma ferramenta de gestão traz transparência e segurança em relação aos processos, à infraestrutura e ao cuidado pferecido, além de os familiares entenderem o valor do serviço, que ainda é um tabu na sociedade”.
A Gero já fez a gestão de mais de cinco mil idosos dentro das casas de repouso e a expectativa é que esse número triplique nos próximos anos, tendo em vista a transformação demográfica da sociedade brasileira.