Adaptabilidade, flexibilidade e o caráter colaborativo são algumas das características que atraem empresas para o modelo. A seguir, a visão de três executivos que usam código aberto para impulsionar as suas empresas.
Imagine a seguinte cena. O dia de trabalho terminou um pouco mais cedo e você está a voltar para casa de carro. Pouco antes de passar em frente ao supermercado onde faz compras, recebe uma mensagem. É o aviso de uma promoção dos vinhos que gosta, para comprar na hora. Com um comando de voz, você escolhe os rótulos, dá a ordem de compra e dirige-se para o estacionamento da loja. Ao chegar, nem sai do carro. O pedido é entregue por um robô, junto com uma taça de outro vinho para degustação. Você então liga o piloto automático, escolhe uma música e segue para casa degustando a bebida e o som.
Com mais de 30 anos de experiência, Fernando Pajares, diretor de tecnologia do Banco Digimais, tem facilidade para imaginar possíveis futuros que hoje se esboçam com a transformação digital acelerada do mundo. Neles, há rotinas como a descrita acima, nas quais empresas formam ecossistemas e atuam de forma integrada para agregar valor às pessoas, em vez de atuarem sozinhas. E ganham para isso uma parte do todo. Mas, para que esses futuros sejam possíveis, há uma condição sine qua non, afirma: são as tecnologias open source (código aberto).
“O X da questão é não ter amarras, como há hoje, por exemplo, em equipamentos inteligentes para casa. A assistente de voz é ótima, mas não conversa com os acessórios, eletrónicos e eletrodomésticos da outra marca”, diz Pajares. “A tecnologia fechadinha já não adianta mais”.
Open source são, basicamente, softwares com código aberto. Seus códigos fonte são licenciados de uma forma que permite a qualquer pessoa, sem custo, estudá-los, modificá-los e distribuí-los. Gestado por hackers, no início da década 1983, o movimento em torno da ideia atraiu inicialmente programadores entusiastas. Mas, nos últimos anos, com a proliferação de novas tecnologias e a transformação digital acelerada do mundo, passou a despertar atenção crescente no meio corporativo.
O que atrai as empresas é uma combinação de características que inclui, entre outras, o caráter colaborativo da tecnologia, a sua segurança, transparência e interoperabilidade, além da economia com licenças. “Quanto mais gente envolvida, melhor. Porque cada cabeça pensa de forma diferente. Por isso, a comunidade open source te oferece tantas opções”. É como na indústria de aviação. Cada acidente é estudado e os resultados partilhados por toda a comunidade, o que permite a evolução da tecnologia e de segurança”, diz o executivo do Digimais.
Pajares conta que a Digimais, por exemplo, vem utilizando o open source em algumas camadas do sistema de segurança do banco justamente por permitir ao banco interagir com algo que “não é mais do mesmo”. Além disso, diz, a instituição adota o código aberto em alguns nós de rede (gateways) que ligam servidores do banco à nuvem, onde certos tipos de informação podem ser acedidas mais rápido pelos clientes.
Atratividade
O que atrai outras empresas, porém, podem ser os custos mais baixos com licenças, a customização de soluções, a documentação atualizada sobre como corrigir falhas ou a possibilidade de aculturar equipes na lógica do trabalho colaborativo, característico da Nova Economia.
A Havan, por exemplo, começou a usar o open source há pouco mais de três anos, diz Rodrigo Weber, coordenador de Tecnologia da Informação da empresa. Na época, a retalhista usava basicamente bancos de dados proprietários da Microsoft, conta o executivo, e os resultados “deixavam a desejar”. Por sua sugestão, a empresa começou então a testar bancos open source com os quais já havia trabalhado em outras empresas.
Weber conta que, depois dos bancos de dados, a Havan passou a usar também aplicações open source de background na área administrativa, na gestão de lojas e centros de distribuição, por exemplo. Todas em Kubernetes, micro serviços em “contêineres”, que vão sendo agregados em módulos à uma plataforma central. Hoje, a empresa já tem mais de 500 funcionalidades na plataforma, e segue agregando outras, diz.
“Economizamos em licenciamento e ganhamos em desempenho, com novas funcionalidades, e escalabilidade, que era um problema”, afirma Weber. “No varejo, há muitas sazonalidades. Em datas específicas, precisamos estar prontos para atender uma maior demanda. Com o sistema de código aberto, consigo ficar mais bem preparado para aumentar ou diminuir meu ambiente, de acordo com o que eu preciso, sem me preocupar com variações nos custos de licenciamento”.
Outra vantagem, afirma o executivo, é a ampla documentação disponível em sites agregadores sociais de notícias e de perguntas e respostas. Neles, qualquer pessoa encontra informações para construir novas aplicações ou corrigir falhas já detectadas por outros programadores. “A documentação é sempre muito farta e você consegue construir soluções com relativa facilidade. Dou uma missão para o equipa e a coisa funciona. Estamos sempre atentos a novas ferramentas, olhando o que a comunidade faz. O que tem de melhor a gente adota”, diz o executivo.
Cultura colaborativa
Para Fabiano Felix, gestor executivo com perfil de CTO do banco Cetelem, o ponto forte do open source é justamente esse caráter colaborativo. Na sua visão, o principal ganho para a empresa é cultural, na forma de pensar em soluções. “Existe uma cultura colaborativa. A gente não precisa fazer sozinho. Alguém já pensou. A gente aproveita o que a comunidade já fez. E também dá de volta”, afirma o executivo.
Prestes a completar 17 anos na instituição, conta que depois de ocupar uma série de funções, foi o escolhido para estruturar e estabelecer a governança do open source na empresa. Segundo ele, o banco já usava, mas sem uma estratégia por trás. “Havia nichos e a visão de usar porque é barato. Tínhamos distribuições Linux diversas, não havia padrão”, diz o executivo. “O que fizemos foi profissionalizar o open source, trazer uma visão de negócio, com contratos com empresas para nos dar suporte no dia a dia, para quando precisássemos”.
Com a adoção mais estruturada do open source, Felix diz que a empresa passou a aprender com a comunidade e pensar diferente dentro de casa. A forma de desenvolver soluções mudou, afirma. “No início, agora, a equipa reúne quem vai usar e quem vai desenvolver para discutir o uso e seus objetivos. Fizemos o que todos desejam, quebrar os silos, e adotamos o modelo que está na base da TI moderna”, diz.
A mudança foi fundamental na pandemia, conta Felix. Avisa que a empresa já tinha um plano para a eventualidade de ter que trabalhar 100% em modo remoto. Mas foi preciso acelerá-lo. O cronograma, que era de dois anos, acabou sendo feito em três meses, afirma o executivo. “Se não tivéssemos essa visão colaborativa e proximidade com as áreas de negócios, seria mais difícil. Aproveitamos muito os formatos ágeis. O cliente não pode sair de casa? Os contratos estão todos em papel? Como fazemos? Fomos capazes de criar alternativas. Estávamos a testar a cultura do fail fast e aceleramos muito com isso”, diz Felix.
Mesmo com o código aberto, Felix diz que a empresa continua errando. Mas, agora, com maior precisão. “Como é uma aprendizagem constante, estamos sempre a errar. Mas num ponto diferente. Eu digo para o meu pessoal “ok, erramos, aprendemos com o erro. Vamos para o próximo. Essa é a meta da minha equipa”, conclui o executivo.