Conheça o Helium, uma rede IoT , e como esta pretende revolucionar o modelo convencional de telecomunicações sem fio.
O modelo tradicional de telecomunicações sem fio é centralizado e proprietário. Para as empresas de telecomunicações, a construção de uma grande rede sem fio é extremamente complexa e exige muito capital. Antes que as companhias adquiram qualquer cliente ou receita, têm enormes custos.
Primeiro, precisam comprar direitos exclusivos de espectro de transmissão para proteger seus negócios futuros. Em seguida, precisam desenvolver e implantar uma ampla rede de hardware proprietário para operar somente nesse espectro, incluindo a compra ou o aluguer de imóveis para hospedar o hardware. Paralelamente, essas empresas precisam desenvolver um software proprietário para executar o sistema. Durante todo o processo, também precisam garantir a conformidade regulatória em várias jurisdições locais com requisitos sobrepostos ou inconsistentes.
O capital necessário para construir uma rede sem fio dessa forma geralmente é financiado por meio de dívidas, o que significa que as empresas de telecomunicações tradicionais precisam cobrar um prémio pelos serviços e prender os clientes a contratos longos para garantir a receita. Logo, a atração de novos clientes pode ser lenta, além de incorrer em custos adicionais de publicidade e oferecer incentivos para que os usuários troquem de provedor.
Em 2021, o capex estimado para a AT&T e a Verizon foi de US$ 19 mil milhões e US$ 18 mil milhões, respectivamente. E, de acordo com o censo de dados dos EUA para 2008-17, o setor de “informações” teve o maior aumento no capex de qualquer setor, tanto em termos absolutos quanto percentuais (53,5%). Os altos custos de capex dos principais provedores de serviços sem fio dos EUA têm efeitos negativos a jusante para os negócios de IoT.
Apesar de anos de propaganda dos desenvolvedores de IoT, ainda não temos a cobertura WiFi barata e confiável necessária para criar redes em grande escala. O WiFi exige configurações personalizadas dos dispositivos e oferece alcance limitado, e o celular é proibitivamente caro e consome muita energia.
Conectar um único dispositivo de IoT via celular padrão ainda custa de US$6 a US$10 por mês, e o alto consumo de energia significa uma duração de bateria impraticavelmente curta para pequenos dispositivos.
As soluções de plataforma de IoT das operadoras de telecomunicações existentes (NB-IoT e CAT-M) estão a chegar, mas ainda são relativamente caras (US$ 1,50/mês), e nenhuma delas dominou a plataforma, de modo que os fabricantes que desejam integrar seus chips a novos produtos ainda acham que é uma aposta arriscada.
Da mesma forma, houve esforços para desenvolver redes usando outras tecnologias específicas da Internet das Coisas (Sigfox, LoRa, etc.), mas elas tiveram dificuldades para construir redes em escala, pois sofrem com “o problema do ovo e da galinha” — as empresas não querem construir uma rede que nenhuma pessoa usará, portanto, nenhuma empresa quer apostar em dispositivos caros que podem não ter cobertura garantida.
Assim, apenas um subconjunto de empresas — aquelas com muito capital e uma necessidade crítica de comunicações em tempo real — está operando redes de IoT, e aquelas que as construíram não estão inclinadas a abri-las para outros.
Disto resulta a fragmentação dos protocolos, padrões e infraestrutura de IoT que temos hoje. Isso significa que muitos dos “ditos” dispositivos inteligentes acabam permanecendo aquém de seu enorme potencial — basta olhar para qualquer bicicleta elétrica a partir de US$ 5.000 e perguntar por que ela não está conectada nativamente à Internet, e não apenas via Bluetooth.
Como reduzir custos e a complexidade da conectividade sem fio?
A rede Helium oferece soluções de conectividade de baixo custo para micromobilidade pessoal (por exemplo, bicicletas e scooters elétricas particulares).
Como setor, a micromobilidade é fundamental para ajudar a combater as mudanças climáticas, proporcionar mobilidade para o restante da população mundial e tornar as cidades mais habitáveis.
Para compreender melhor, tomando novamente as bicicletas elétricas como exemplo, suas vendas dispararam durante a pandemia da Covid-19. Contudo, os principais problemas com elas estão na falta de segurança (furto e roubo) e a manutenção. Neste contexto, a conectividade pode rastrear com mais eficiência a localização de uma bicicleta elétrica de modo remoto. Isto, por sua vez, possibilita uma redução nos furtos e roubos, além de permitir o acesso dos usuários a prêmios de seguro mais baixos.
No entanto, até o momento, as soluções de conectividade têm sido muito caras e complexas para serem integradas.
Nessa linha, a Helium oferece uma oportunidade de reduzir o custo e a complexidade da conectividade de IoT, facilitando uma maior inovação e integração aos dispositivos existentes. Ela simplifica a conectividade com uma única API (Application Programming Interface ou Interface de Programação de Aplicação) e especificação de hardware globalmente e, em seguida, oferece dados que, segundo a Helium, são até 100 vezes mais baratos do que as conexões legadas para dispositivos de IoT de baixa potência (por exemplo, armadilhas elétricas conectadas ou coleiras para cães). Isso permite que os fabricantes incluam o custo do uso vitalício de dados no preço de compra, de modo que os dispositivos “nascerão inteligentes” e seus proprietários nunca precisarão pensar nisso — eles simplesmente funcionam.
Com o aumento da demanda por conectividade sem fio em todos os setores, a Helium apresenta aplicações potenciais no mundo real, que vão além da micromobilidade. Durante a pandemia da Covid-19, foi usada para permitir o rastreamento de contatos de modo barato e confiável. A rede foi utilizada também para monitorar remotamente a saúde das colmeias de abelhas, parte essencial de ecossistemas saudáveis.
Além disso, a pesquisa sugere que o tipo de infraestrutura sem fio construída inicialmente pela Helium permite até mesmo ajudar a verificar o desmantelamento de armas nucleares (embora em uma blockchain personalizada com uma atualização na segurança do protocolo).
A solução das falhas do modelo tradicional está no modelo de negócios em rede
A verdadeira inovação da Helium não é o uso de blockchain, mas o modelo de negócios descentralizado. Ao distribuir os custos e as receitas da construção e da operação da infraestrutura sem fio, ela supera as barreiras à construção de redes sem fio em larga escala que dificultam os negócios centralizados e proprietários.
A adoção de padrões “abertos” de hardware e software na Helium ajudou a reduzir radicalmente os custos de desenvolvimento e implantação. Para sua primeira rede, Helium escolheu um protocolo sem fio existente e de código aberto, o LoRaWAN, uma tecnologia sem fio relativamente madura que oferece cobertura de longo alcance (medida em quilômetros) com uso mínimo de energia, permitindo uma longa duração da bateria em dispositivos de IoT de baixo consumo.
Agora que já conhecemos as falhas do modelo tradicional de conectividade sem fio e como é possível reduzir custos e a complexidade através do modelo de negócios em rede, vamos avançar e compreender o status atual da Helium.
Helium e o seu começo como uma rede IoT descentralizada
A Helium Inc., empresa que desenvolveu a rede Helium, estabeleceu uma meta ambiciosa: criar uma rede sem fio de telecomunicações de IoT, global, confiável e onipresente, de propriedade e operada por seus próprios usuários e fornecer conectividade com reduzida largura de banda para dispositivos de IoT como relógios inteligentes, scooters elétricos, sensores médicos, dentre outros.
Atualmente, a rede oferece soluções reais para usuários finais e empresas que, segundo a Helium, são até 100 vezes mais baratas do que as redes de telecomunicações tradicionais, como a AT&T e a Verizon.
Em apenas 18 meses, em mais de 3.800 cidades em todo o mundo, a Helium construiu uma rede funcional e global de mais de 73.000+ ‘Hotspots’ sem fio — os nodes da blockchain Helium, que também servem como estações de base sem fio para uma rede de IoT.
Ora, isso fez da Helium a maior rede LoRaWAN do mundo — um protocolo de transferência de dados de baixa potência e baixa largura de banda.
Com base em seu rápido crescimento, o CEO da Helium, Amir Haleem, chegou a prever que a Helium pudesse atingir sua meta de fornecer cobertura LoRaWAN global já nos próximos anos. Contudo, como a realidade dos fatos sempre se impõe, foi preciso que a Hellium revisasse seu projeto inicial.
Por que a Helium precisou mudar a sua arquitetura e mudar seu projeto econômico inicial?
Logo que foi lançada, com o objetivo conectar dispositivos da Internet das Coisas à uma largura de banda acessível, a Helium adotou incentivos criptoeconômicos e um marketplace em seu design de rede.
Ou seja, começou a construir seu lado da “oferta” antes de se concentrar no seu lado da “procura”. Esta planeou crescer o suficiente para atrair usuários, coordenando primeiro a atividade global por meio de incentivos criptoeconômicos.
E, de facto, com esses incentivos, a sua rede LoRaWAN IoT saltou de 15.000 hotspots ativos em janeiro de 2021 para mais de 787.000 com cerca de 3,5 milhões de hotspots, em março de 2022.
A essa altura, os negócios iam de vento em popa.
A Helium celebrou várias parcerias de rede com empresas de IoT e lançou numerosos produtos construídos sobre a rede de IoT, com aplicações na agricultura, logística de cadeias de fornecimento e monitoramento ambiental.
No entanto, como o objetivo principal da Helium é replicar o sucesso da rede IoT descentralizada em várias outras redes de telecomunicações – incluindo 5G, WiFi, VPN, e CDN –, para que pudesse ir além de uma rede LoRaWAN e escalar, a concepção do design da Helium precisaria mudar.
Mas antes de avançarmos e compreendermos melhor como se deu essa mudança, vamos abrir um parêntese e relembrar rapidamente alguns conceitos.
O que são Camadas ou ‘Layers’ blockchain?
Na arquitetura blockchain, essas camadas são chamadas de Camada 0 (Layer 0), Camada 1 (Layer 1), Camada 2 (Layer 2) e Camada 3 (Layer 3). Há quem inclua também a Camada 4, que não abordaremos aqui para otimizar nosso tempo.
Se você já está mais familiarizado com a tecnologia blockchain, provavelmente ouviu falar delas ou de seus termos em algum momento. Mas, o que camadas 0, 1, 2 ou 3 fazem? Por que uma infraestrutura blockchain precisa de camadas?
Ao pensar por que as blockchains precisariam de várias camadas, podemos considerar a Internet como um excelente exemplo. A Internet é arquitetonicamente dividida em camadas, com diferentes funcionalidades divididas em camadas separadas, que se acumulam umas sobre as outras. Isso permite que apenas partes específicas sejam trabalhadas, sem a necessidade de tocar em outras bases.
Devido à distinção entre os protocolos por camada, isso permite o dimensionamento, a interoperabilidade e vários casos de uso, tudo em uma única infraestrutura.
Ora, essas mesmas ideias podem ser aplicadas às diferentes camadas de uma arquitetura blockchain. Embora a pilha de tecnologias blockchain possa ter um número diferente de camadas com funções diferentes, seu objetivo de ter uma arquitetura em camadas é muito semelhante ao da Internet.
Pois bem, na blockchain, essas camadas são chamadas de Camada 0 (L0), Camada 1 (L1), Camada 2 (L2) e Camada 3 (L3).
Camada 0
É a camada base. Consiste no hardware, na Internet e nas conexões que permitem que blockchains da Camada 1 sejam executados de forma suave e eficiente. Também estão nessa camada os protocolos a partir dos quais blockchains inteiras podem ser construídas, permitindo a interoperabilidade entre essas redes.
Um protocolo muito popular nessa camada 0 é o Cosmos, que fornece ferramentas de código aberto que permitem que os blockchains criados com esse protocolo sejam interoperáveis e comuniquem entre si, permitindo ainda que os projetos atendam às suas próprias necessidades blockchain. Por isso, os custos de gás podem ser reduzidos sem afetar muito a taxa de transferência. Outro exemplo de blockchain de camada 0 é o Polkadot.
Camada 1 (Layer 1 ou simplesmente “L1″)
É a própria blockchain e a camada responsável pela segurança. Essa camada 1 garante que os protocolos da rede blockchain sejam seguidos e implementados. Ela executa os mecanismos de consenso, as linguagens de programação e outros processos técnicos para finalizar as transações na rede. Em resumo, a Camada 1 geralmente se preocupa com a criação e a adição de novos blocos à rede.
Os amplamente conhecidos Bitcoin e Ethereum são exemplos de blockchains L1. A blockchain Bitcoin usa prova de trabalho (PoW) como seu protocolo de consenso, pois ele oferece maior segurança ao exigir que os mineradores decodifiquem algoritmos complexos. No entanto, o PoW exige muitos recursos e a dificuldade de decodificação o torna lento. Por isso, a blockchain Ethereum recentemente migrou do PoW para a prova de participação (PoS), com o objetivo de se tornar uma rede mais rápida — conquanto menos segura*.
Camada 2
Essa camada se concentra na escalabilidade e é onde as aplicações são executadas. Ela atua como uma integração de terceiros que lida principalmente com todas as autenticações de transações, sendo construída sobre a L1 e se comunicando continuamente com ela. Isso permite que mais nós sejam adicionados à rede, o que aumenta a taxa de transferência sem obstruir muito o L1.
A Polygon é um exemplo de rede de camada 2 criada para ajudar a dimensionar a blockchain da Ethereum. Ela é executada juntamente com a Ethereum, agrupando várias transações em uma e postando-as de volta na L1. Isso permite transações mais rápidas, o que, em última análise, reduz as taxas de gás.
Camada 3
A L3 é a interface de usuário que se comunica com o blockchain e com os usuários finais.
As aplicações criados nessa camada permitem usos reais da blockchain, como jogos, finanças descentralizadas (DeFi) e armazenamento. Muitas dessas aplicações também têm recursos entre redes, o que permite que utilizadores de várias blockchains os utilizem.
Um exemplo de blockchain da Camada 3 é o Uniswap, que é uma corretora de criptografia automatizada e descentralizada (também conhecida como DEx) baseada em Ethereum.
Uma aplicação descentralizado (DApp) permite que seus usuários negociem seus criptoativos a taxas mais baixas, em comparação com as corretoras centralizadas de livros de ordens, como Binance e Coinbase.
Ele também não exige que os usuários forneçam suas chaves privadas, o que torna a negociação mais segura.
À medida que as pessoas começam a usar amplamente arquiteturas blockchain e as criptomoedas, ainda há muito a melhorar em seu desenvolvimento. Como resultado, essas camadas podem encontrar problemas de tempos em tempos, mas, dada a crescente adoção cripto e os casos de uso que a blockchain traz, muitas empresas e indivíduos estão trabalhando constantemente para tornar as camadas mais seguras, escaláveis e descentralizadas.
Agora que você já sabe o que são camadas em uma arquitetura blockchain, vamos voltar à reestruturação da construção técnica e econômica da Helium.
O futuro do Wireless é “open”
A arquitetura original e o projeto econômico da rede Hellium não estavam adequados para escalar em numerosas redes de telecomunicação. Era preciso transformar a arquitetura da rede de uma blockchain monolítica para uma estrutura modular, para permitir que qualquer tipo de rede de telecomunicações fosse lançado na Helium.
A equipe central da Helium Inc (atual Nova Labs) e a Decentralized Wireless Aliance (atual Fundação Helium) enxergam o futuro do Wireless como “Open” (aberto). Bem por isso, decidiram transformar rede IoT de telecomunicações “Helium” para uma Organização Autônoma Descentralizada – ou simplesmente, DAO.
Neste processo, o primeiro passo foi o 5G tornar-se a segunda rede sem fio a ser suportada pela rede Helium. Como ela foi originalmente projetada para suportar uma única rede, foram necessárias várias mudanças no protocolo para a nova rede 5G.
Nesse passo, ao invés de modificar o protocolo para acomodar especificamente a 5G, a equipe propôs reestruturar a construção técnica e econômica da Helium a fim de agilizar o processo de adição de novas redes no futuro.
A fim de agilizar o processo de adição de novas redes de telecomunicações no futuro, a equipe central da Helium, em parceria com a Multicoin Capital, propôs um novo projeto de rede e economia chamado de Proposta de Melhoria # 51 (HIP 51).
Este artigo foi escrito por Tatiana Revoredo, colunista na MIT Technology Review Brasil.