Como as redes sociais podem afetar a sociedade
Governança

Como as redes sociais podem afetar a sociedade

As redes sociais vêm sendo usadas para a organização e convocação de atos e manifestações com os mais diversos objetivos. Mas será que a força demonstrada pelas plataformas digitais pode afetar a sociedade e a democracia?  

É de conhecimento geral que as redes sociais facilitam a organização de interesses diversos: dão voz e poder para as pessoas, de todos os tipos, crenças e classes sociais. A organização e convocação para atos e manifestações pode ser feita por mensagens divulgadas – e espalhadas – por meio das grandes redes sociais. Mas como esse novo mundo está a mudar a sociedade e até mesmo a democracia?   

No seu livro “#Republic: Divided Democracy in the Age of Social Media”, o professor de Harvard, Cass Sunstein, argumenta que as tecnologias digitais geram uma polarização política pela sua capacidade de promover o surgimento de “câmaras de eco” onde as ideias são amplificadas. O professor argumenta ainda que a principal característica das redes sociais é que permitem que indivíduos com ideias similares encontrem uns aos outros. Assim, nesses grupos criados com interesses e mentalidade comuns, as informações partilhadas são aquelas que reforçam as suas visões políticas e sociais, mantendo os seus participantes alheios a outras visões e intolerantes a qualquer tipo de discussão construtiva e saudável. E os algoritmos das redes sociais têm responsabilidade nisso, uma vez que o seu funcionamento acaba por criar bolhas sociais e uma sociedade cada vez mais dividida e fragmentada.   

No artigo “Tweeting from left to right: Is online political communication more than an echo chamber?1”, os autores mostram que utilizadores partidários do Twitter são significativamente mais propensos a espalhar mensagens que são condizentes com as suas posições ideológicas: cerca de 75% dos retweets sobre temas políticos ocorrem entre utilizadores de visões ideológicas semelhantes.  

O poder (ou não) da bolha  

Um argumento padrão que atribui às tecnologias digitais a grande polarização política estaria relacionado ao desinteresse demonstrado pelas pessoas em procurar informações que possam desafiar as suas visões preexistentes. À medida que os indivíduos passam cada vez mais tempo em redes sociais com pessoas que têm ideias semelhantes, não apenas se tornam mais expostos a mensagens afirmativas das suas crenças –, mas a sua exposição a informações contrárias também diminui. É isso que leva ao surgimento da citada câmara de eco, onde os cidadãos não convivem com a diversidade de tópicos e opiniões, o que limita a sua capacidade de chegar a um terreno comum, especialmente em questões políticas.  

Nesse complexo ecossistema, a desinformação ou as chamadas Fake News acabam ganhando força. Como as bolhas acabam reunindo pessoas semelhantes, com crenças parecidas, qualquer informação divulgada que reforce a forma de pensar do grupo se transforma em uma verdade que não pode ser refutada. De maneira simplista, podemos pensar num primeiro momento que a solução para o problema da desinformação seria fornecer mais informação. Nesta perspectiva, se os cidadãos estivessem mais bem informados, a desinformação perderia seu poder e as Fake News não se espalhariam. No entanto, a resposta certamente não é tão simples. A desinformação pode continuar a se propagar mesmo após a correção. E por que isso ocorre? Uma possível resposta seria de que as correções raramente são capazes de eliminar completamente a dependência de desinformação em situações posteriores. Mesmo que as pessoas lembrem-se da retratação ou correção, a desinformação original ainda pode estar influenciando as suas atitudes e crenças. Pior ainda, a desinformação pode ganhar força pois as pessoas processam desinformação e correções por meio das lentes de suas crenças preexistentes e partidárias, de forma que acabam por contestar ativamente as correções que contradizem as suas visões de mundo mais amplas – visões essas compartilhadas dentro de suas bolhas.  

E como já abordei num artigo aqui na MIT Technology Review Brasil, embora a desinformação política não seja um fenómeno novo, o tema tem recebido muita atenção nos últimos anos. Especialmente com a massiva utilização da Internet e das redes sociais no meio político, os cidadãos recebem cada vez mais notícias num ambiente descontrolado e minimamente regulamentado, onde a desinformação pode se espalhar facilmente, tornando plataformas como Facebook e Twitter as principais incubadoras de desinformação, de acordo com artigo da Revista Science.   

E como será o futuro da democracia?  

Cientistas políticos há muito apontam que as redes sociais facilitaram a organização de interesses comuns: como já abordado, pessoas comuns passam a ter voz e certo poder. E isso pode ser usado para o bem e para o mal. Um exemplo positivo foi o Black Lives Matter, um movimento de luta contra a violência e racismo.  Mas redes sociais também estão tornando a política e a ação coletiva mais “caóticas”, como argumentam os autores do livro “Political Turbulence: How Social Media Shape Collective Action”.  

As redes sociais permitem uma rápida mobilização que frequentemente explode em atos muitas vezes exagerados. A ação coletiva online acaba por fazer com que esses eventos tenham um grande impacto. A conclusão do livro acima citado é que as redes sociais estão a tornar-se as democracias mais “pluralistas”, mas não no sentido convencional da palavra, envolvendo grupos diversos, mas estáveis. Em vez disso, os autores veem a emergência de um “pluralismo caótico”, no qual as mobilizações surgem de baixo para cima. E sendo esses eventos – políticos ou não -, organizados por meio das redes sociais, haveria a possibilidade de prever quando e onde surgirão – por meio da análise da tensão crescente nas plataformas digitais – utilizando, por exemplo, a técnica de análise de sentimento, que já abordei neste artigo. Mas, para isso, a cooperação dos gigantes da tecnologia – e proprietários das plataformas sociais – é fundamental, tanto para combater a desinformação e mesmo para incentivar o debate político respeitoso e democrático. Assim, as plataformas e redes sociais poderão verdadeiramente contribuir para a democracia de forma adequada, sem exacerbar o embate extremista, tão maléfico para qualquer sociedade.  

*As opiniões contidas no texto são pessoais e não expressam o posicionamento institucional do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.  Possui as certificações IAPP CIPM e CDPO/BR . 

Fábio Correa Xavier  é colunista da MIT Technology Review Brasil. 

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