O consumidor mudou e agora considera o preço e a sustentabilidade como fatores decisórios no seu processo de compra.
Os hábitos de consumo da população em geral têm se transformado nos últimos anos. Muitas dessas mudanças foram provocadas pela pandemia de Covid-19, mas novos desafios, como a questão inflacionária, também causam os seus reflexos no modo como os clientes consomem e se relacionam com as marcas. Mesmo após o fim do período pandémico, persistiu a preocupação dos consumidores com as finanças pessoais e em relação à sua capacidade de compra da sua cesta de consumo básica.
Conhecer essas particularidades do consumidor atual é essencial na hora de se investir em ecossistemas de consumo que tenham as necessidades dos clientes como foco para o desenvolvimento de estratégias de venda assertivas.
Periodicamente, a EY-Parthenon desenvolve o Future Consumer Index (FCI), cujo objetivo é analisar as mudanças no sentimento e no comportamento dos clientes ao longo do tempo, para identificar tendências emergentes. A pesquisa global é feita com base nas repostas de mais de mil participantes em cada um dos 21 países que fazem parte do estudo e apresenta um viés de comparação da atuação dos consumidores em suas diversas localidades e regiões.
O último relatório, publicado em novembro do ano passado, ajudou a segmentar quatro grupo de personas, de acordo com as principais demandas atuais dos consumidores, relacionadas a: preço, pautas ESG, experiência e saúde e bem-estar. O grupo que tem uma preocupação financeira maior na hora de consumir cresceu. Do ponto de vista geracional, os Baby Boomers, por exemplo, estão mais preocupados com o fator preço, do que a geração Z, que foca muito na experiência.
Para se ter uma ideia, ao olhar para o cenário latino-americano, observa-se que 47% dos consumidores dessa região acreditam que o preço será o principal critério de decisão de compras nos próximos três anos. Mas ao mesmo tempo em que existe o foco em preço, esses consumidores esperam que as empresas cumpram o desafio de agregar valor aos produtos e serviços, sem aumentar preços em um cenário inflacionário.
Além desses perfis de consumo, o estudo ajudou a mapear temas importantes alinhados a esses novos hábitos de consumo e que de certa forma se relacionam com o grupo de personas estabelecido. Esses temas impactam, essencialmente, a maneira como as pessoas consomem. Dentro desse contexto, o preço, o ESG e a experiência também se destacam, mas o digital passa a ser evidenciado como um elemento importante.
Os consumidores são cada vez mais propensos a buscar valor em suas jornadas de compra. Num ambiente inflacionário, as empresas devem reforçar a gestão do seu portfólio para otimizar preços e rentabilidade. Para isso, uma das possibilidades é a ampliação das estratégias private label, atendendo a uma disposição maior dos consumidores em adotar esse tipo de produto como uma forma de maximização de valor e melhora da relação custo-benefício. Para que isso aconteça, as marcas também precisam encontrar novos fornecedores, ingredientes ou componentes, além de experimentar outros atributos para otimizar preços de forma mais eficaz.
As revisões no portfólio das marcas também devem buscar uma otimização a partir da perspectiva do cliente, para apresentar um sortimento que atenda às suas necessidades de consumo e entregue mais valor e rentabilidade. Com a intensificação do uso de dados e um conhecimento personalizado do consumidor, essa otimização passa a ser feita de forma bastante precisa.
Parte dessa revisão de portfólio inclui itens relacionados a uma vida mais saudável e a hábitos mais sustentáveis – um desejo de consumidores de todas as faixas de renda. Um desafio extra é oferecer soluções para uma parcela da população que não pode ou não quer pagar por esse aumento de valor. Essa não é uma discussão nova – a novidade é que, com o aumento do volume de dados coletados, a capacidade de processamento dessas informações e a alternativa de ecossistemas, as empresas têm mais capacidade de entregar esse portfólio otimizado.
Os impactos dos hábitos de consumo na convergência de setores
Por muitos e muitos anos, a economia foi dividida em setores e essas barreiras estão se a romper, fazendo com que indústrias se reorganizem de acordo com as necessidades dos consumidores.
A integração entre canais físicos e digitais de relacionamento com o cliente e a valorização de aspectos como valor, praticidade e experiência como fatores importantes na decisão de compra dos consumidores leva as empresas a acelerar a sua busca por inovação – inclusive se abrindo para explorar oportunidades em parceria com fornecedores, partners e até mesmo empresas concorrentes.
A formação de ecossistemas tem uma lógica orientada ao consumidor, visando atendê-lo de maneira integral. Por isso, pode assumir muitas facetas, como a aceleração da oferta de serviços financeiros, o desenvolvimento de serviços logísticos e de marketing para os sellers dos marketplaces ou o uso de plataformas de terceiros para melhoria de processos internos.
Em qualquer desses modelos, o sucesso na construção e desenvolvimento de ecossistemas depende de sua conexão à estratégia de longo prazo da empresa, uma vez que esse processo parte de uma visão de ambição futura, do reconhecimento da evolução de seu público e das características competitivas de cada mercado. Mais que um projeto com meta definida, um ecossistema é uma jornada de transformação da empresa para lidar com consumidores mais exigentes, informados, dinâmicos e digitalizados.
Na dinâmica dos ecossistemas, o sucesso está relacionado tanto com a capacidade de ajudar outras empresas a inovar quanto com ser você mesmo inovador. Ser o orquestrador de um ecossistema é uma missão árdua e ambiciosa, que conecta tudo, reúne os parceiros adequados e é dono da jornada do cliente do começo ao fim. Embora possa ser a vontade de todas as empresas, o papel do orquestrador é o de maior risco e exige agilidade para reagir a novos competidores, habilidade para entender as necessidades dos clientes e a visão para inspirar os demais participantes do ecossistema. A outra possibilidade é ser um facilitador da jornada, desempenhando um papel especializado e bem definido.
Desafios e oportunidades
Todos esses insights ajudam a justificar uma alteração na forma como o as indústrias têm trazido os produtos ao mercado, adaptando o formato de suas entregas para não perder em rentabilidade. Essas estratégias de adaptação às mudanças das relações de consumo e à pressão inflacionária tem sido o foco das grandes corporações.
A inflação passa a ser encarada como um grande desafio, porque não impacta só o preço do produto final, mas todas as atividades e custos que as empresas têm. Ou seja, os impactos também se refletem nos salários, nos custos de aquisição de matéria-prima e nas despesas em geral.
Diante disso, toda a cadeia produtiva precisa se adaptar para atuar de maneira mais eficiente e adotar estratégias bem-sucedidas capazes de manter vantagens competitivas ao longo do tempo, tanto do ponto de vista de custo, do propósito da marca, do seu posicionamento e da demanda do consumidor final. Esse é o grande desafio de estar à frente das formações de ecossistemas para liderar as mudanças do mercado, oferecendo um produto ou serviço que atenda rapidamente aos anseios do consumidor final.
Para endereçar esses temas, as empresas têm que se manter vigilantes e trabalhar com agilidade para conseguir pensar em inovação, seja de produto ou serviço, e atender o consumidor de forma rápida. Na prática, é preciso estar atento e antecipar demandas, por meio, por exemplo, de pesquisas que ajudem a mapear as mudanças de hábitos de consumo.
Muito além disso, ter um olhar crítico para entender a alteração nos processos de tomada de decisão interna é mandatório nas organizações que desejam se antecipar às tendências e garantir vantagem competitiva que ajudem a empresa a se colocar em uma posição de destaque no mercado, se conectando de maneira assertiva com as necessidades do consumidor.
Um olhar para o futuro do consumo
Alta inflação, restrições na cadeia de abastecimentos e incertezas geopolíticas são fatores que dificultam essa tomada de decisão no curto prazo. Mas cabe às empresas identificar colocarem os clientes como foco estratégico do processo de desenvolvimento de novas soluções e identificar como atender a diferentes perfis.
Para além da questão do preço, ter um olhar atento para a construção de uma cadeia de Supply Chain flexível e ágil, sem abrir mão da sustentabilidade financeira, se tornará cada vez mais fundamental.
Tendências que podem se estabelecer dentro desse contexto é a adoção de modelos híbridos, com estruturas de distribuição diferentes para produtos e fornecedores. Além disso, a convergência de setores tende a se fortalecer, auxiliando organizações de diferentes segmentos a complementarem suas competências, a fim de obter maior eficiência no mercado.
Por fim, as práticas de ESG ganham relevância, à medida que auxiliam na promoção de ações de diversidade, equidade e inclusão, incorporando tais práticas na cultura do negócio.
Este artigo foi escrito por Juliana Crema, na MIT Technology Review Brasil