O impacto da Blockchain e da Web3 no mercado de trabalho
Humanos e Tecnologia

O impacto da Blockchain e da Web3 no mercado de trabalho

Tecnologias digitais favorecem a automação e reduzem os intermediários, mas também viabilizam contratações mais rápidas e transparentes, e remunerações claras. 

Se você assistiu ao filme “Fome de Poder”, deve saber que Ray Kroc, fundador e primeiro CEO do McDonalds, foi, antes de mais nada, um vendedor. Por 30 anos teve uma variedade de empregos, de vendedor de copos a músico e disc-jockey de rádio. Ele trabalhava num restaurante, e depois tornou-se um representante comercial, vendendo máquinas de milk-shake.  

Agora, por que os representantes comerciais eram necessários naquela época e são necessários até hoje? Basicamente porque são intermediários que criam relações de confiança: não havia como obter a confiança diretamente do consumidor para a empresa de milkshake, então o vendedor era quem estabeleceria essa confiança. A empresa de milkshake confiava nele e, ao mesmo tempo, o cliente também.   

Mas quero trazer aqui uma provocação: como é que a Blockchain, um dos principais pilares da Web3, mudará o papel do intermediário? A verdade é que, graças à criptografia, pode substituir intermediários como os guardiões da confiança, executando algoritmos complexos para certificar a integridade das transações. É essa capacidade de substituir os intermediários por “smart contracts” que torna essa tecnologia importante.   

Portanto, a questão é: como é que a Blockchain e a Web3 irão mudar o mercado de trabalho no que diz respeito ao tipo de profissional exigido pelas empresas?   

Vamos começar com um termo que define muito bem o momento de mercado de trabalho que estamos vivendo: “The Great Resignation”, ou seja “A Grande Demissão”. Em 2021, de acordo com o Bureau of Labor Statistics dos EUA, mais de 47 milhões de americanos deixaram os seus empregos voluntariamente — uma saída em massa sem precedentes da força de trabalho, estimulada pela Covid-19. A escassez de trabalhadores é aparente em todos os lugares: postos de gasolina e consultórios de dentistas reduziram as suas horas de operação porque não conseguem encontrar novos funcionários para substituir aqueles que pediram demissão, assim como linhas áreas batalham com falta de profissionais. A Grande Demissão mudou a relação entre os trabalhadores e o mercado de trabalho.   

A verdade, porém, é que a “Grande Demissão” não começou apenas com a pandemia, mas de 2009 a 2019, a taxa média mensal de abandono aumentou 0,10 pontos percentuais a cada ano.    

Há várias razões atrás desse movimento, mas neste artigo vou focar naquela que eu acredito ser a mais importante: a tecnologia. Ou, por melhor dizer, o papel das tecnologias digitais que está a mudar o mercado de trabalho no que diz respeito à sua liquidez.   

Um aumento nos empregos de nível menos qualificados, e uma diminuição de profissionais dispostos a se candidatar está a criar um desequilíbrio, inclinando a balança em favor da automação, robótica e da Inteligência Artificial. Uma força de trabalho desinteressada, uma proliferação de empregos pouco interessantes e melhorias na automação: esses fatores estão a criar uma tempestade perfeita para a entrada de “máquinas inteligentes” no mercado de trabalho. Se a economia está predisposta a construir a força de trabalho de que precisa, por que não pode contratar a força de trabalho que deseja?  

Em “The Work of the Future: Building Better Jobs in an Age of Intelligent Machines”, (MIT Press), são descritas duas faces da mudança tecnológica: automação de tarefas e criação de novos trabalhos. O que acontece quando as pessoas não querem fazer o trabalho que está a ser criado? É aqui que entra a substituição.    

Porque, vejamos as estatísticas de, por um lado, o aumento da adoção de robôs e automação e, por outro, o crescimento da blockchain: juntos correm o risco de substituir vários empregos. Do lado da robótica, Jay Jacobs, vice-presidente sénior da GlobalX, um fundo de investimento em robótica, disse, em entrevista à CNBC, que “estamos na era de ouro da adoção da robótica nos Estados Unidos”. O ETF Robotics and Artificial Intelligence da Global X (um fundo negociado em bolsa que se concentra em bots nos negócios) aumentou 140% desde o seu lançamento em 2016. A previsão de crescimento de 10 anos para robôs industriais mais que duplicou, de US$ 16 mil milhões para US$ 37 mil milhões, de acordo com Jacobs.  

De acordo com o crescimento, o mercado global de Blockchain foi avaliado em US$ 4,9 bilhões em 2021 e projetado para atingir US$ 67,4 bilhões até 2026, a uma taxa composta de crescimento anual (CAGR) de 68,4% durante o período de previsão, de acordo com Markets and Markets.  

Portanto, trabalhos que possuem alto grau de automação, ou que se tratam de intermediários e depositários de confiança, sofrem muita pressão da Blockchain e da Web3.  

Seremos todos substituídos, algum dia?  

Bem, foi Jeff Goldblum (Dr. Malcolm) em Jurassic Park quem disse: “A natureza sempre encontra um caminho”. Desde os dinossauros à economia baseada em dados, as regras são as mesmas. Se as pessoas não fizerem certos trabalhos, esses trabalhos ainda precisam ser realizados.  

Com ou sem recursos humanos, as necessidades da sociedade (e as procuras do mercado) continuarão a impulsionar o investimento em automação, robótica e IA. Nesta era de ouro de deserções de trabalhadores, estamos a abrir a porta para uma maior influência das máquinas? Talvez seja apenas a natureza a encontrar um caminho, dado o estado do mercado de trabalho — e o apetite contínuo por soluções automatizadas.  

Como IA e conceitos da Web3, como DAOs (Organizações Autônomas Descentralizadas), mudam o mercado de trabalho? Quais são as implicações para os trabalhadores?   

Uma das implicações mais significativas da Web3 para o futuro do trabalho está relacionada a como o trabalho será organizado, e como o talento será conectado ao trabalho. Em “Work Without Jobs”, Jesuthasan e Boudreau descrevem três formas pelas quais o talento se conecta ao trabalho (fixo, flexível e fluxo) no contexto de um novo modelo de operação do trabalho. 

Com a introdução de organizações autônomas descentralizadas, vemos uma quarta opção com ainda menos atrito e muito mais agilidade, em que o trabalho flui para o talento. Dentro do contexto de trabalho a ser cada vez mais organizado como DAOs, a mistura hierárquica tradicional de papéis dentro de uma estrutura corporativa (líder, gestor, funcionário, contratado e fornecedor) e funções se transformará significativamente de forma mais horizontal, incluindo:  

  • Um grupo central de indivíduos responsáveis pela coordenação do trabalho e entrega da proposta de valor da DAO;  
  • Um grupo de colaboradores mais amplo que fornece serviços específicos para executar a missão do DAO. Isso inclui outros DAOs que fornecem serviços como RH, finanças e contabilidade e atendimento ao cliente de forma contínua e colaboradores individuais que assumem projetos conforme necessário.  
  • Um grupo ainda mais amplo de “stakeholders” que promoverá marcas, apoiará o crowdsourcing contínuo da inovação contínua de produtos ou contribuirá de outra forma para o avanço da missão do DAO (em muitos casos se trata dos clientes).  

Cada um desses grupos será compensado de forma bem diferente. O grupo principal partilhará o valor total criado pela DAOs menos os pagamentos aos outros dois grupos. Os pagamentos ao grupo de contribuidores variam entre pagamentos fixos por serviços contínuos no caso de um DAO que forneça serviços de RH, e pagamentos mais esporádicos a contribuidores individuais à medida que assumem e executam projetos específicos. Os membros serão recompensados à medida que fizerem várias contribuições para o DAO com o potencial de pagamento em NFTs, com resgates de virtual para físico.  

Fica claro que a visão do grande sociólogo Zygmunt Bauman de uma “sociedade líquida” também está se a concretizar num mercado de trabalho mais líquido, no qual a tecnologia irá reduzir os intermediários, assim como irá permitir contratações mais rápidas e transparentes, e remunerações claras com base em Smart Contracts.
 

Este artigo foi produzido por Andrea Iorio,  colunista da MIT Technology Review Brasil.    

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