Quando uma aplicação fornece-lhe tudo, perdê-lo torna-se algo insustentável.
De forma simples: Na China, a sua conta do WeChat constitui quase que toda a sua vida digital e social.
Um motivo para isto é o facto de que simplesmente não existem tantas alternativas. Messenger, WhatsApp, Telegram, e Signal são todas bloqueadas. Mensagens de SMS são repletas de spam e notificações de serviços. O iMessage alcança um público pequeno, visto que apenas cerca de 20% dos smartphones na China são iPhones (comparados com os mais de 50% nos Estados Unidos). E o e-mail é basicamente inexistente entre a população em geral. Independentemente de estar a falar com um membro da família, um amigo da escola ou um colega de trabalho, o WeChat é a única saída.
Apesar de ter começado dominando mensagens individuais ou em grupo, ao longo do tempo o WeChat incorporou todos os serviços da internet que alguém possa desejar: pagamento digital, compras, streaming, fazer networking, serviços de transporte, entre outros. Pense em qualquer serviço, e provavelmente estará lá. Em 2017, o WeChat até mesmo lançou “miniprogramas” dentro da aplicação, que basicamente permitiam o utilizador a acessar serviços que não são da Tencent, como Airbnb, Weibo e outras ferramentas de trabalho, sem precisar sair da plataforma. É todo um sistema operacional dentro de um aplicação. Soa muito conveniente, não é mesmo? Mas isso significa que nunca mais sairá da aplicação e ponto final.
Logo, perder uma conta do WeChat significa perder todos esses serviços. Como escrevi, conseguir retomar a sua conta do WeChat não é algo fácil; na verdade é mais simples ganhar novamente o acesso a esses serviços individualmente. Mas, mesmo assim, você ainda precisa reconstruir toda a rede social que você pode ter criado na aplicação ao longo de uma década. “Quando estava a adicionar novamente os contatos, fui questionado se eu era um golpista”, um dos utilizadors banidos contou. Reparar estas conexões é sem dúvida a parte mais difícil.
Mas o impacto do WeChat não é somente no nível pessoal. A plataforma é tão popular, e presente em todos os lugares, que influenciou a sociedade chinesa como um todo.
Yiqin Fu, estudante de ciência política em Stanford (EUA), contou-nos sobre como o desejo do WeChat por um monopólio no consumo de conteúdo até mesmo moldou o funcionamento da criação de conhecimento na China. Como as pessoas gastam tantas horas no WeChat todos os dias, obtêm a maior parte das suas informações de artigos publicados no aplicação. Mas estes artigos não são indexados por ferramentas de busca como o Google (uma decisão sobre o produto tomada pelo WeChat). Ou seja, as pessoas são desencorajadas a buscar por conteúdo fora da aplicação e, em vez disso, simplesmente consumem passivamente o conteúdo que aparece nas suas timelines.
Isso também torna difícil achar artigos publicados há pouco tempo. Usando o exemplo de Yiqin Fu, poderia escrever uma publicação de blog em inglês e publicar num site, onde receberia novas visualizações anos após a sua publicação, muitas destas, por meio de pesquisas. Se o mesmo conteúdo fosse publicado em chinês e no WeChat, ele desapareceria da atenção do público depois de alguns dias. Consequentemente, criadores, incluindo estudiosos, são incentivados a focar exclusivamente em conteúdo que será consumido naquele momento (curto, fragmentado e de nível superficial).
A natureza fechada e abrangente do sistema WeChat é parte do tempero secreto para o seu sucesso comercial. Ao manter utilizadores presos a uma único aplicação, o WeChat dificulta concorrentes a ameaçarem a sua dominância. No entanto, isso também transformou o WeChat numa ferramenta perigosa a ser usada por aqueles no poder. O banimento de utilizadores que falaram sobre o protesto em Pequim é um ótimo exemplo. Ao acabar com a existência de plataformas alternativas de comunicação, o WeChat facilitou o governo a vigiar o que é falado pelas pessoas por meio de uma única plataforma central.
Será que a mesma coisa poderia acontecer nos EUA? Eu acho que seria difícil. O WeChat surgiu ainda em 2011, antes de normas serem estabelecidas na China para grande parte da sua internet. Hoje em dia nos EUA, seria necessário muito mais para uma aplicação, até mesmo uma tão popular como Twitter ou Facebook, conseguir adentrar com sucesso os diversos e diferentes mercados que o WeChat conseguiu.
Entretanto, isso não impede que empresas tentem fazer o mesmo. Magnatas da tecnologia, como o Elon Musk (ora, vejam só) destacam frequentemente o WeChat como sendo uma expectativa desejável para super apps. Sim, este tipo de plataforma consegue tornar experiências digitais mais convenientes para muitos utilizadores. Mas a concentração de poder pode ter diversas consequências indesejadas, e muitas vezes negativas, pelo menos para os utilizadores. Isto não é apenas uma análise teórica; já estamos a testemunhar isto com o WeChat. Defensores do cenário mágico promovido pela super app podem dizer que as coisas seriam diferentes se acontecessem em um país democrático.