A tecnologia transformou o futebol, dentro e fora do campo, tornando IA, Data Analytics, Realidade Virtual, entre outros, tão importantes quanto a habilidade com a bola nos pés.
O Campeonato do Mundo de Futebol, em 2022, foi o mais assistido no planeta. Cerca de 3,2 milhões de pessoas de todo o mundo acompanharam presencialmente o evento no Qatar, enquanto outras 5 mil milhões assistiram pela TV e demais dispositivos. Outro recorde quebrado foi no uso de tecnologias que têm transformado o desporto mais popular do mundo para além das quatro linhas, com impactos relevantes na transmissão, na estratégia dos times e na experiência dos fãs.
O impedimento semiautomático propicia um resultado mais justo e, ao mesmo, tira um pouco da graça de adeptos e equipas comemorarem um golo que, logo em seguida, é anulado pelo VAR (Video Assistant Referees ou Assistente de Vídeo). Fãs com deficiência agora conseguem vivenciar uma partida ao vivo com uma experiência única por meio de aplicações e vestimentas com tecnologia assistiva de ponta. Técnicos armam as suas equipas e as remontam rapidamente de acordo com dados em tempo real. E os milhões de adeptos presentes no megaevento são vigiados constantemente com a justificativa de maior segurança.
Algumas inovações foram mais perceptíveis aos olhos dos espectadores, como a marcação de impedimento, que detalha em poucos segundos se um jogador está à frente de outro por centímetros. Já em outro caso, a bola com sensor inteligente rastreia e contabiliza centenas de informações, como distâncias horizontais e verticais e a formação tática de jogadores.
Nestes dois exemplos, a combinação de diversas tecnologias permite um resultado impressionante e, ao mesmo tempo, simples pela perspectiva do público. O sensor inteligente dentro da bola conta com algoritmo de Inteligência Artificial, dezenas de câmeras de alta resolução nos estádios, análise de dados capturados dos jogadores e internet com velocidade exponencial.
Vigilância nos bastidores: segurança aos torcedores
O departamento de segurança da organização utilizou cerca de 15.000 câmeras, além de algoritmos de Inteligência Artificial para monitorizar comportamento das centenas de milhares de turistas e visitantes dentro e fora dos estádios no Qatar. Ao comparar unicamente o quesito tecnologia, Governo da China monitora e ranqueia o comportamento dos cidadãos do seu país.
Outro facto curioso. O público que acompanhou os jogos pelas transmissões pode ter notado muitos torcedores, jornalistas e jogadores reservas vestidos com casacos e roupas de frio numa país situado no deserto e com altas temperaturas mesmo no final do ano.
Isso ocorre devido a um resfriamento e um isolamento inteligentes que atingem somente lugares onde há pessoas no estádio. Por isso, mesmo numa arena aberta (e lotada!), a sensação percebida é de uma temperatura agradável e, às vezes, frio.
Evento desportivo mais acessível
A Bonocle, uma plataforma de entretenimento que converte todas as informações em Braille por meio de tecnologia assistiva, permitiu a deficientes visuais acedere, conteúdos digitais e acompanharem as partidas em tempo real. O dispositivo braille unicelular portátil foi projetado ergonomicamente para funcionar como uma tela braille de linha infinita.
A Palm Feelix, por sua vez, é um dispositivo wearable utilizado na palma da mão. Impulsos elétricos transmitem mensagens semelhantes em Braille para deficientes visuais, sem restringir nenhum sentido ou movimento físico. A pessoa fica totalmente imersa na realidade virtual, recebendo sensações táteis nas palmas das mãos.
Evolução da análise de dados no futebol
O termo e a sua praticabilidade não são novidades nos desportos. Um dos casos pioneiros foi da equipa de basebol Oakland Athletics, em 2002. Com um orçamento bastante limitado, Billy Beane, técnico do time na época e estrelado por Brad Pitt posteriormente, no filme “Moneyball”, recorreu a análise computorizada para contratar os jogadores e até trocá-los durante a temporada.
Já no futebol, o Manchester City conquistou o seu primeiro título de Premier League, a liga inglesa e uma das mais disputadas no mundo, em 2011/12. O clube tirou proveito da análise de dados para melhorar a eficiência do ataque da equipa e reduzir chances de golo dos adversários. Hoje pode parecer simples e óbvio, mas há mais de uma década foi inovador mapear uma equipa adversária que fazia mais golos em cantos ou contra-ataques e adaptar o jogo de acordo.
Em 2014, a seleção da Alemanha também empregou análises estatísticas para compreender o padrão de jogo dos seus adversários (inclusive, contra o Brasil), além de pontos fracos e fortes que deviam ser explorados.
De lá para cá, as sprincipais de campeonatos ao redor do mundo possuem profissionais dedicados para analisar transferências e contratações de jogadores, intensidade do treino em cada dia e horário, qual jogador está mais propenso a sofrer uma lesão muscular, em quais cantos do golo o batedor de pénalti mais chuta, dentre diversas outras variáveis.
Big Data em tempo real passa a influenciar na estratégia das equipas durante o jogo
O principal salto na aplicabilidade de interpretação de grandes volumes de dados e variáveis no futebol foi visto, pela primeira vez, na Copa de 2022.
A FIFA criou a sua plataforma, chamada “Football Data Ecosystem”, com milhares de fontes e processadores de dados de alta qualidade. Os dados de uma partida são recolhidos e armazenados ao vivo: passes, pontapés, substituições, decisões dos árbitros, faltas, distância percorrida pelos jogadores, dentre outras centenas de métricas. O objetivo é garantir qualidade e riqueza de informações em apenas alguns segundos após a ação ocorrida no campo.
Adicionalmente, a bola inteligente “Al Rihla”, desenvolvida pela Adidas, possui um sensor de alta tecnologia. Em combinação com câmeras e um sistema de rastreamento óptico de última geração instalado nos estádios, cada vez que a bola é chutada, o movimento e a posição dos jogadores são captados com precisão várias vezes por segundo e enviados instantaneamente ao sistema.
Após consolidados em poucos segundos, os insights são disponibilizados instantaneamente a jornalistas, media e equipas participantes. Com Big Data e Data Analytics em tempo real, a comissão técnica não apenas consegue analisar posicionamento e formação tática do adversário, mas também é municiada com detalhes precisos durante o jogo, como velocidade de drible, distância percorrida, velocidade de passe, direção do chute e até a direção mais frequente de cada jogador!
Com este rastreamento de informações, o técnico e os seus auxiliares tomam decisões mais rápidas e assertivas para dar instruções táticas e até mudar as suas estratégias antes e, sobretudo, durante o jogo.
O que esperar para as próximas edições?
Com o avanço tecnológico mais rápido e exponencial a cada ano, provavelmente, teremos muitas novidades em nossas experiências, como expectadores e fãs, nas próximas edições das Copas.
De acordo com projeção do futurólogo Ray Kurzweil, a Inteligência Artificial alcançará o nível de inteligência do cérebro humano até 2030. Na mesma linha, o Fórum Econômico Mundial prevê que a tomada de decisão de machine learning será tão confiável a ponto de as máquinas terem uma cadeira de voto nos conselhos das organizações. Neste sentido, podemos imaginar uma partida apitada por um robô em vez de um ser humano? Enquanto as decisões podem ser mais justas, perde-se também a graça de a torcida e os jogadores reclamarem com o juiz.
O futebol continuará um desporto passional, praticado e acompanhado por pessoas movidas por paixão e emoções, com cantos, brincadeiras entre amigos e provocações entre rivais. Por outro lado, se torna cada vez mais estratégico, tático e racional com base em análises estatísticas que vão além do drible e do talento dos jogadores.
Este post foi produzido por Adriano Ueda, colunista do MIT Technology Review do Brasil.