Disciplina para encontrar novas soluções em meio às dificuldades e sinergia com o ecossistema de negócios são estratégias importantes para a sobrevivência das empresas em momentos de crise.
Num cenário de instabilidade económica, as empresas brasileiras passaram a focar na melhoria da performance operacional e gestão de caixa. Iniciativas voltadas para aumento de receita e corte de custos de curto prazo, bem como liberação de caixa têm sido a prioridade das organizações. É o que mostra a pesquisa CEO Outlook Pulse, conduzida pela EY Parthenon. Nela, 82% dos 50 CEOs entrevistados afirmaram que entendem ser necessário investir em alavancas de valor e na reestruturação dos seus negócios ao longo dos próximos anos.
O estudo, uma pesquisa de percepção dos desafios e oportunidades, aponta ainda que as prioridades de negócio estão orientadas à redução de custos para manutenção de margens, redesenho da estratégia de capital, revisão de investimentos e busca de possíveis oportunidades de desinvestimentos. Neste contexto, é importante analisar as causas e consequências desse fenómeno para o ambiente corporativo, bem como explorar as estratégias fundamentais que as empresas podem adotar para criar valor e se reestruturar em tempos de turbulência.
Nos últimos anos, a economia global tem sido afetada por diversos fatores. Entre eles, uma pandemia seguida de uma crise na cadeia de suprimentos, e uma crise energética na Europa agravada pela guerra na Ucrânia. São fatores macroeconômicos muito importantes e fortes que afetam não só o Brasil, mas também as maiores economias do mundo, como Estados Unidos e a Europa, entre outros países. Além disso, como reação a essa ruptura na cadeia de suprimentos, vemos uma inflação elevada. E para tratá-la, os bancos centrais, como o Federal Reserve (Fed), o Banco Central Europeu e o Banco Central Brasileiro, passaram a subir abruptamente as taxas de juros.
Em 2022, a taxa de inflação dos Estados Unidos atingiu o pico de 7%, e o encerramento do ano registrou juros superiores a 4% ao ano, o que representa números elevados em relação aos padrões norte-americanos. Enquanto isso, o Banco Central Europeu também aumentou várias vezes as taxas de juros para tentar conter a inflação que ultrapassou 9% no mesmo ano. No Brasil, ocorreu um movimento semelhante, com a inflação atingindo 10% em 2021. A taxa básica de juros subiu de um nível inferior a 3% em 2020 para 13,75% em 2022.
Esse cenário de inflação e taxas de juros elevadas, aliado a um crescimento econômico tímido, tem afetado negativamente uma grande variedade de empresas em diferentes setores da economia. Considere uma empresa no Brasil que tinha feito captação de recursos atrelada ao CDI, cujas taxas são muito próximas à taxa básica de juros da economia, quando esta estava abaixo de 3%. Atualmente, essa mesma empresa está enfrentando um serviço de dívida superior a 15%, dado o aumento da taxa básica de juros para 13,75%. Isso tem um impacto significativo no fluxo de caixa das empresas, dificultando o pagamento de dívidas, investimentos em expansão e novos projetos.
Com tudo isso, as empresas estão mais cautelosas, preocupadas com sua performance a curto e médio prazo, especialmente após um período turbulento de eleições que adicionou um elemento a mais de incerteza política e econômica no Brasil. Algumas dessas organizações estão suspendendo investimentos de longo prazo até que a situação melhore, antes de tomar novas decisões.
Impactos para as empresas
Vale lembrar que alguns setores têm sido mais afetados por essa conjuntura e que outros acabaram se beneficiando. Embora sejam minoria, algumas empresas conseguiram ter tirado proveito das mudanças macroeconômicas. Cada setor é afetado de forma diferente por uma crise macroeconómica, mas, de maneira geral, é possível perceber que todos estão preocupados com o caixa e a liquidez para atravessar este momento difícil de estabilização, esperando por uma queda nas taxas de juros e uma retomada do crescimento para continuar com seus planos de expansão.
Tudo isso tem levado as empresas brasileiras a concentrar seus esforços em melhorar o desempenho operacional e a administração financeira. Assim, a busca pela obtenção de sinergias resultantes da integração de empresas recentemente adquiridas e a revisão do modelo operacional em ecossistemas de negócios têm sido objeto de atenção dos executivos e conselhos de administração.
Muitas empresas têm implementado esforços para melhorar a operação e para otimizar o capital de giro por meio da melhoria dos prazos de estoque, recebimento dos clientes e pagamento aos fornecedores. Ainda assim, em muitos casos, esses esforços não têm sido suficientes para cobrir o serviço da dívida e manter as operações. Como resultado, estão sendo consideradas alternativas como o cancelamento de planos de expansão, a revisão do portfólio e o desinvestimento. Em casos extremos, para evitar a liquidação da empresa, tem sido necessário recorrer à recuperação judicial.
Nesse cenário, é importante que as empresas revisem seus planos de expansão, a alocação de capital e seus portfólios, voltando para o core business no negócio, e considerem a venda de ativos que não são tão importantes.
Vale lembrar que estes períodos de turbulência abrem algumas oportunidades, não só para os fundos que buscam empresas em situação mais difícil. Nesses momentos, há ativos com valuation muito mais atrativo para quem quer comprar, ou seja, para os fundos e consolidadores de mercado que estejam um pouco mais capitalizados, esperando a hora certa de fazer aportes. Além disso, vê-se empresas com muita necessidade de capital, parcerias e ajuda.
Ainda assim, a cautela é muito importante neste momento. É preciso avaliar o cenário de forma criteriosa, relacionando cada caso à estratégia da empresa e seus valores. Só assim é possível conciliar o senso de oportunidade com uma postura mais conservadora. E isso vai depender da maturidade das organizações. E o grande desafio para as organizações em meio a um cenário de incertezas. Algumas empresas podem estar mais propensas a buscar aquisições, enquanto outras podem estar focadas em cortar custos e reduzir dívidas. O fundamental é saber identificar o melhor caminho a seguir.
Diagnóstico e disciplina
De toda forma, nesse contexto, é importante que as empresas busquem uma maior eficiência operacional por meio da revisão de processos e da utilização de tecnologias que possam reduzir custos e aumentar a produtividade. Isso, no entanto, demanda disciplina. Tomar cuidado com a estrutura organizacional, melhorar o custo de negociação e melhorar o capital de giro, são aspectos muito importantes. Mas, antes disso, as empresas precisam definir aonde querem chegar, quais são os benchmarks e identificar o que melhorar. Diagnóstico é a primeira parte de uma transformação. Onde se quer chegar é onde haverá espaço para melhorar. Só a partir disso é possível detalhar um plano de ação e executar essas iniciativas planeadas.
Para executar esse planeamento, é fundamental que as organizações tenham um planeamento financeiro adequado, que leve em consideração as flutuações do mercado e as possíveis mudanças no cenário económico. Também vale buscar parcerias estratégicas, seja para reduzir custos, diversificar o portfólio de produtos ou serviços, ou para melhorar a competitividade no mercado. Parcerias que podem ser tanto com outras empresas do mesmo setor, quanto com empresas de setores complementares.
Outra estratégia importante é a diversificação de mercados e produtos, buscando reduzir a dependência de uma única fonte de receita e aumentando as possibilidades de expansão. Também é importante manter um diálogo aberto com fornecedores e clientes, buscando soluções em conjunto para enfrentar os desafios da conjuntura econômica.
Outro conceito importante nesse contexto é o de sinergia. Seja a sinergia dentro do próprio portfólio da empresa ou a sinergia com o ecossistema de negócios onde a empresa está inserida. O primeiro caso se refere a um trabalho muito importante e muito difícil de ser feito, que é extrair as sinergias das aquisições, definir o que pode ser feito entre empresas de um grupo e entre empresas adquiridas para conseguir tirar o máximo de valor do seu portfólio. O segundo, também muito importante, se refere ao exercício de olhar pro lado, para os parceiros, para a cadeia de suprimentos, e entender onde se pode tirar algum valor.
Um fornecedor não quer que uma empresa em dificuldade deixe de existir, pois estaria a perder um cliente de forma permanente. Então, em muitos casos, empresas em dificuldade conseguem encontrar oportunidades momentos de negociação e flexibilização com fornecedores e clientes. Por isso, olhar para o ecossistema, para clientes e fornecedores indiretos é muito importante em um momento de crise para que a empresa possa fortalecer o seu posicionamento e evitar uma situação de liquidação.
Por fim, é fundamental que as empresas tenham um olhar estratégico, buscando não só a sobrevivência no curto prazo, mas também a criação de valor no longo prazo. Isso inclui a busca por inovação, a diversificação de negócios e a adaptação às tendências do mercado. Para superar as turbulências econômicas, as empresas precisam estar preparadas para mudanças e adaptações rápidas. Isso inclui a revisão constante dos planos de negócios e a capacidade de tomar decisões difíceis e corajosas quando necessário. O sucesso nesse cenário depende da capacidade das empresas de se manterem ágeis e flexíveis, sem abrir mão da cautela e da disciplina financeira.
Este artigo foi publicado na MIT Technology Review Brasil.