Além de contribuírem com triliões de dólares para a economia global, negócios familiares ainda conseguem se beneficiar de credibilidade, confiança e solidez para facilitar a ocupação das suas cadeiras
Empresas familiares são, há séculos, vitais para a saúde da economia global, de grandes corporações multigeracionais a pequenas lojas locais. Para se ter uma ideia da magnitude, segundo um levantamento realizado em 2021 pela EY e pela University of St. Gallen, as 500 maiores companhias familiares faturam cerca de US$ 7,28 triliões e empregam aproximadamente 24,1 milhões de pessoas por ano.
O poder das empresas familiares é tão grande que, se fossem um país, a sua geração de receita as colocaria na 3ª posição global, atrás apenas de Estados Unidos e China, as duas maiores potências económicas da atualidade e grandes desenvolvedoras de tecnologia para todo o mundo.
No Brasil, a relevância também é enorme: dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) comprovam que esse business é a espinha dorsal da economia, já que 9 em cada 10 empresas possuem perfil familiar, gerando uma participação de 65% no PIB brasileiro e empregando 75% da força de trabalho do país.
Isso significa dizer que, apesar do seu constante poder e influência, gerir talentos nesse ambiente envolve uma crescente gama de oportunidades e desafios, exigindo guidelines que perpassem as habilidades técnicas, mas entendam a sensibilidade ímpar presente no aspecto interrelacional que permeia o framework dessa forma de organização.
Empresas familiares são as mais confiáveis — e não é de hoje
Num cenário macroeconómico conturbado, movimentos como a Grande Demissão e o fenómeno do quiet quitting demonstram como a mudança drástica da força de trabalho tem sido decisiva para repensar a gestão de pessoas em todas as companhias.
Um estudo realizado neste ano pela Pulse Survey da PwC mostrou que 77% dos executivos consideram que contratar e manter talentos é o seu fator de crescimento mais crítico para 2022.
Essa dificuldade também está presente para 75% da próxima geração de líderes de empresas familiares e continua a ser o uma prioridade para os próximos dois anos, conforme uma pesquisa da US NextGen de 2022.
No entanto, as empresas de perfil familiar têm um fator de confiança embutido que permite uma vantagem competitiva e uma exposição antecipada para captar novos colaboradores – essa é a conclusão do levantamento realizado pela Edelman Trust Barometer de 2022:
Desde 2013 é possível perceber que essa boa reputação se manteve constante. De acordo com um report da PwC (2021), empresas familiares são, na verdade, a forma de negócios mais confiável do mundo.
De facto, a composição familiar dos shareholders em tais empresas e os seus consequentes laços de afinidade podem criar situações em que a confiança de uns para com os outros é maior, o que, por sua vez, liberta a tomada de decisões importantes de maneira mais fluida, sem a necessidade incessante de monitorizar ou controlar as suas ações.
Dito isso, a construção e a manutenção dessa credibilidade são indispensáveis para impulsionar o crescimento num momento em que nunca se falou tanto sobre a urgência do Employee Experience na atração e retenção de colaboradores com alta performance.
Especialmente em organizações com um mindset de growth hacking, desenvolver valores fortes e um propósito claro são divisores de águas para fornecer um sentido de trabalho mais significativo.
É dessa forma que ser mais confiável ajuda tais empresas a lidarem melhor com essas novas expectativas e desejos, impactando positivamente a sua mão de obra e mostrando que despender tempo e energia naquele ambiente vale a pena.
Afinal, pessoas querem trabalhar para empresas que tenham convicções fortes e em que os seus líderes também apreciem e coloquem em prática esses princípios.
Como aproveitar essa confiança para conseguir trazer (e reter) os melhores talentos para o seu negócio
Para as famílias que administram negócios, desenvolver uma relação de confiança pode ser um recurso valioso para administrar os negócios enquanto os líderes da próxima geração se preparam para assumir a companhia.
Pensando nisso, as estratégias abaixo mostram como é possível aprofundar o seu relacionamento com os colaboradores (atuais e em potencial) da sua organização:
1.Conte a sua história
Por trás de toda ideia de negócio existe uma história. Conte essa história e forneça o contexto necessário para que os seus colaboradores entendam por que vale a pena comprar/investir no seu serviço ou produto.
Usar o storytelling pode ajudar a gerar mais confiança e empatia. Se a sua companhia foi criada para resolver um problema, então conte como isso afetou você (ou alguém que já esteve no front da companhia em outras gerações) e como isso levou ao surgimento da sua solução.
A Walmart, listada como a maior empresa familiar do mundo na Family Business Index de 2021, conta uma narrativa não apenas vertical, mas permite que os seus colaboradores continuem a contar a história da marca de maneira horizontal, fazendo com que cada história se conecte com a crença e o único valor intrínseco da companhia: o de sempre fazer a coisa certa.
Independentemente da história, do meio que se utiliza para contá-la e da plataforma em que é distribuída, essa comunicação é fundamental, porque construir uma boa narrativa conecta.
Hoje, a geração Z, uma das maiores forças produtivas no mercado de trabalho, não escolhe mais uma empresa apenas com base na sua proposta comercial, mas em particularidades, como o facto de existir ou não um propósito bem definido e a possibilidade de ascensão na carreira.
Assim, os founders precisam expor os seus valores pessoais, familiares e de negócios para aproveitar a sua história como fonte de inspiração para a sua rede de apoio.
2.Lidere com transparência
Incorporar a transparência no seu estilo e processos de liderança é uma forma de demonstrar o seu compromisso pessoal com questões que importam dentro e fora da organização.
Mostre que está presente e atuante para melhorar as condições sociais nas comunidades locais em que opera. Qual o seu BHAG (Big Hairy Audacious Goals)? Como defende a diversidade e inclusão? Quais são as suas metas corporativas Net Zero?
Divulgue essas informações e o progresso da companhia nos canais disponíveis para manter a relação com as pessoas que participam e/ou querem participar da sua equipa, como na página de vagas do seu site ou na plataforma de gestão de vagas que a companhia utiliza.
Comunicação transparente inspira confiança, confiança cria um sentimento de pertença e o sentido de pertença ajuda os funcionários a permanecerem fidelizados com os seus empregos.
Parte dessa transparência também se dá através da facilidade de acesso que a equipa tem para falar com o seu líder, o que pode ser feito tanto da moda antiga, através de reuniões 1:1 ou outros momentos de convivência presencial, ou através de ferramentas de comunicação assíncrona, como Slack, Skype e afins.
3.Implemente iniciativas socioambientais
Agir de forma socialmente responsável contribui não só com a sociedade, mas também com a mente e o bem-estar dos seus funcionários. PepsiCo, National Geographic e Nestlé são alguns exemplos de companhias que souberam aproveitar o seu alcance, recursos e influência para tornar o consumo responsável mais atraente e atingível em escala para o seu público, colaboradores e stakeholders.
Outro exemplo de empresa familiar que hoje é referência nisso, especialmente em ESG, é o Walmart. O tema está em voga nos boards de grandes companhias hoje e tal movimento comprova que a capacidade de se atualizar e executar vai muito além da idade do negócio.
Ações mensuráveis que ajudem a viver melhor o hoje e a criar um futuro mais sustentável amanhã são recompensadas não só pelos seus talentos, mas também pelos seus consumidores, pelas comunidades em questão e, consequentemente, por futuros talentos a ingressar no negócio.
4.Promova a colaboração e capacite os seus funcionários
Crie uma cultura de colaboração para dar voz e empoderar os seus funcionários. Maximize a relação empregador-empregado, partilhando informações relevantes com a sua equipa e incentivando-os a fazerem o mesmo.
O acesso ao conteúdo adequado permite que todos tomem decisões alinhadas aos objetivos da companhia. Mas, para isso, compreenda que é crucial capacitar os seus colaboradores, especialmente em relação às iniciativas que produzem impacto no todo.
Funcionários capacitados são mais propensos a serem automotivados e direcionados, além de permanecerem sempre comprometidos com as suas lideranças e atribuições. De acordo com o LinkedIn Learning, 94% dos colaboradores ficariam mais tempo numa empresa se ela investisse no desenvolvimento das suas carreiras.
Incentive a inovação e a criatividade, dê autonomia para que pensem “fora da caixa” e tragam soluções novas que podem enriquecer e disruptar o seu próprio negócio. Isso aprofunda a confiança entre os players e funciona em níveis variados para os mais diferentes modelos organizacionais.
Aposte na integridade como um core value para conquistar os melhores talentos e retê-los pelo maior tempo possível
Integridade é fazer o que diz, quando diz e como diz que vai fazer. Na essência da integridade está a confiança.
À medida que as empresas familiares se desenvolvem e os seus líderes precisam encontrar, captar e reter novos talentos, é importante saber jogar “by the rules” para entender quais alavancas de crescimento farão o seu negócio atingir o próximo nível.
Numa pesquisa recente, o International Private Bank concluiu que as empresas familiares saem-se melhor em crises complexas, como a pandemia de Covid-19. Muito dessa resiliência vem de um importante fator que afeta a sua longevidade: uma declaração de missão bem definida e arraigada que ajuda a organizar e motivar os funcionários em torno de um objetivo comum.
Por outro lado, uma moral fraca pode levar a se questionar as atitudes da liderança, enfraquecendo o ambiente organizacional e afastando funcionários com grande potencial, desiludidos pela ausência de princípios orientadores capazes de otimizar os resultados e a experiência na companhia.
No fim do dia, o que desempenhará um papel fundamental no sucesso a longo prazo é se apoiar na construção de uma cultura com valores fortes para ajudar a superar os gaps do mercado e cativar com sucesso os talentos necessários para prosperar em qualquer ambiente, tudo isso, é claro, aliado a boas tecnologias que permitem automatizar processos e aumentar a produtividade dos colaboradores.
E não se engane: o dono da empresa é sempre o responsável pela qualidade da equipa que se está a formar ao seu lado. Como disse Jorge Paulo Lemann, “a única vantagem competitiva de longo prazo chama-se “boas pessoas”.
Este artigo foi produzido por Tallis Gomes, e colunista da MIT Technology Review Brasil.