O perfil do M&A tem mudado com a convergência de setores, alterando as dinâmicas dos novos ecossistemas de negócios.
As fronteiras entre diferentes indústrias estão se a tornar cada vez mais difusas. O avanço da tecnologia e a disponibilidade de soluções inovadoras, a crescente expectativa dos consumidores por soluções integradas e a necessidade de empresas de diferentes setores colaborarem para aproveitar novas oportunidades de negócios estão a levar as empresas a procurar novos mercados e adotar novas estratégias para manterem-se relevantes e competitivas. E essa nova conjuntura, na qual empresas expandem para além do seu setor tradicional para atuar como colaboradoras ou mesmo como competidoras, tem mudado a forma como as empresas operam, se posicionam e se relacionam com os seus clientes, fornecedores e concorrentes, afetando todo o ambiente de negócios, com ecossistemas em constante mutação.
São mudanças que já estão em evidência, principalmente em setores como tecnologia, saúde, media, e que impactam de forma significativa as atividades de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês). Em primeiro lugar, porque há um aumento da diversificação de portfólio. As companhias estão a adquirir empresas em setores complementares para ampliar a sua presença em novos mercados e oferecer soluções integradas aos seus clientes; e também para integrar os seus canais de distribuição e aumentar a eficiência das suas operações. E como naturalmente tende a aumentar a concorrência, esse movimento de convergência pode levar a uma onda de M&A originada nas estratégias para aumentar a escala, criando novos ecossistemas.
Um dos principais concorrentes das cadeias de supermercados norte-americanas, a Amazon, há alguns poucos anos, sequer figurava no radar desses conglomerados como um potencial competidor. É um exemplo que mostra como a fluidez desse cenário precisa estar incorporada no planejamento estratégico das empresas. Concorrentes históricos e tradicionais, no futuro, talvez não sejam mais competidores. E os competidores do futuro provavelmente não aparecem em qualquer projeção hoje, uma vez que fazem isso por meio das inovações tecnológicas.
A lista de exemplos no mercado é longa, principalmente depois da pandemia de Covid-19: empresas tradicionais do setor financeiro entrando no setor de educação, redes de farmácia investindo em diagnóstico, empresas de tecnologia oferecendo soluções logísticas. Um grande número de empresas novas, criadas já no período pandémico, foi chamado a aproveitar oportunidades oferecidas por empresas maiores e mais maduras. Oportunidades alavancadas pela tecnologia. São novos entrantes que oferecem um serviço melhor, personalizado, por um custo mais baixo.
A personalização, aliás, é um aspeto que ganha destaque nesse novo cenário erigido sobre a tecnologia digital. Muitas vezes, as novas entrantes apresentam mais agilidade para aplicar a tecnologia na extração de insights a partir dos dados gerados pelos consumidores no ambiente digital. E, para as empresas maiores e mais tradicionais, a estrutura já consolidada imprime uma dificuldade maior no desenvolvimento de novas capacidades digitais que habilitem a competição em pé de igualdade com as empresas menores.
O M&A, tanto na compra quanto na venda, tem resolvido esse problema. Para as empresas maiores, é muito mais fácil entrar em novos mercados por meio de uma parceria ou de uma aquisição, trazendo, por exemplo, uma startup para seu guarda-chuva corporativo. Ou, por outro lado, é possível ver grandes empresas recorrendo à reestruturação de portfólio devido à obsolescência de um produto ou de um serviço causada pelo processo de inovação tecnológica. Isso porque é mais fácil para uma corporação de múltiplos negócios, desinvestir de um business, entregando a unidade de negócio a um operador que esteja mais preparado para investir no crescimento daquele negócio. De facto, ninguém vende para ficar menor. Em geral, são partes do negócio que representam entraves para a estratégia das companhias, e sua venda tem o potencial de alavancar os negócios, alavancar a tecnologia, aprimorar as equipes e crescer.
Mudanças no perfil do M&A e seus efeitos no ecossistema de negócios
Nesse contexto, é possível observar que tem havido uma mudança no perfil das atividades de M&A. Há maior foco em tecnologia e inovação, pois as empresas querem se manter competitivas e aproveitar as oportunidades de mercado.
Além disso, empresas maiores e mais tradicionais estão cada vez mais interessadas em adquirir empresas em fase inicial, pois isso lhes permite aproveitar as oportunidades de crescimento antes que sejam descobertas pelos concorrentes.
Outro ponto de atenção são as aquisições internacionais: As empresas estão cada vez mais a procurar expandir-se globalmente e estão a fazer isso através de transações internacionais. Essas aquisições ajudam a diversificar o portfólio de negócios da empresa e aproveitar oportunidades de crescimento em novos mercados. De acordo com a CEO Outlook Pulse Survey, 77% dos executivos brasileiros participantes dizem que as fusões e aquisições serão realizadas em algum país com forte relação geopolítica e econômica.
As Joint Ventures, que sempre foram muito populares no mercado brasileiro, têm se destacado. Muitas empresas internacionais que tentaram estabelecer os seus negócios no Brasil recorreram a este tipo de transação para driblar o arcabouço burocrático necessário para iniciar suas operações, seja ele tributário, regulamentar ou mesmo cultural. De facto, essas parcerias para diminuir o risco de entrada em um mercado, hoje, tem aumentado globalmente. É possível observar mais transações com essa característica, que buscam diminuir o risco de entrar em um novo mercado. 66% dos executivos brasileiros entrevistados planejam buscar JVs ou alianças estratégicas com parceiros.
Estatisticamente, a variável que ganha evidência nesse tipo de operação é o volume das transações, normalmente registado em milhões de dólares ou de reais, e que tem caído. Mas ao observar uma outra medida, a de número de transações, é possível constatar que vêm aumentando. Embora as grandes fusões atraiam mais atenção, é possível ver um aumento no volume de pequenas transações, de novas parcerias, com as aquisições de startups, que envolvem um volume financeiro relativamente baixo. Particularmente no setor de tecnologia, há um volume muito maior de transações no espaço curto de tempo.
Historicamente, o número de transações realizadas por uma grande empresa era de, em média, três ou quatro por ano. Hoje, são dezenas de operações menores no mesmo espaço de tempo. E não é porque elas são pequenas em volume financeiro que estas operações são menos complicadas. Todas as transações têm as suas particularidades. E isso exige muita disciplina por parte dos envolvidos, tanto na preparação quanto no período seguinte à sua concretização, pois seu sucesso depende do quão preparadas as empresas estão para este tipo de operação. É preciso incorporar times, receita e clientes. E ter a capacidade de absorver toda a mudança gerando valor para os acionistas.
E se a velocidade das mudanças no ambiente corporativo exige das empresas novas capacidades, particularmente em tecnologia, e tem alterado o perfil das transações, isso terá um efeito importante nos ecossistemas onde essas empresas estão inseridas. Nesse novo cenário, as estratégias traçadas para o crescimento dos negócios precisam levar em consideração onde as empresas querem se posicionar nesses ecossistemas, que também estão se transformando. De certa forma, esta é a razão para o aumento do número de transações que estamos testemunhando. Para se expandirem ou consolidarem um posicionamento, as empresas recorrem às transações que fazem mais sentido dentro das suas estratégias de negócios. E, para isso, é preciso uma análise estratégica do ecossistema em que estão inseridas.
As vantagens e benefícios conferidos às companhias pelas tecnologias digitais habilitadoras estão em pauta em qualquer reunião de alta gestão e, se não é o principal tema discutido, é o segundo mais importante. Como digitalizar as companhias se tornou um dos problemas mais comuns. Geralmente a digitalização aparece em setores como Saúde, Finanças, Educação. Mas, apesar de menos evidente, ela também é cobiçada por empresas que comercializam commodities, por exemplo, produtos que têm pouca diferenciação e que também se beneficiam com a digitalização de processos mais ágeis e eficientes.
Mas esta é uma das razões pelas quais o M&A tem sido tão aplicado. Nos estudos feitos pela EY Parthenon sobre o que leva uma empresa a recorrer a fusões e aquisições, a tecnologia sempre aparece como uma das principais. No entanto, não surge de forma aleatória. O que estas empresas consideram é como a tecnologia vai alavancar a capacidade de geração de valor. Não se trata de buscar sinergias de custo ou otimização de back-office. O que está em questão é melhorar serviço e a interação com o cliente, e como as aquisições podem ser um meio mais ágil para adquirir as capabilities do futuro e trazer competências que a empresa não tem dentro de casa. No mercado local existem empresas com uma grande agenda de aquisições de empresas que não fazem parte do core business.
Dessa forma, o que se coloca é como essas novas tecnologias se traduzem em uma melhor interação com os clientes e em melhores negócios. Essa é a questão-chave que, em se tratando desse novo perfil do M&A, tem mobilizado as empresas. E o ponto central para estruturar uma resposta, que para além dos setores onde os benefícios da tecnologia são mais tangíveis, tem um grau considerável de complexidade. Fusões e aquisições devem ser feitas quando se relacionam com o modelo operacional da empresa, quando viabilizam mais valor para os clientes e levam a melhores resultados.
Atenção à Cultura Organizacional
Todo esse movimento, é claro, exige uma atenção especial à cultura organizacional, que pode até mesmo inviabilizar uma transação. Uma integração bem-sucedida é cada vez mais vista como fundamental para o sucesso de uma aquisição. As empresas estão investindo mais tempo e recursos para garantir que a integração seja bem-sucedida e que ela traga valor real ao negócio.
É preciso levar em consideração o choque entre a cultura de cada uma das empresas envolvidas, a que compra e a que é adquirida. E, pensando nesse grande volume de pequenas aquisições, o fato é que cada empresa tem sua própria identidade cultural. Para lidar com a questão, as empresas têm adotado estratégias distintas. Algumas delas tem alguns braços de Venture Capital para realizar esse tipo de operação e tentam separar o máximo possível as novas empresas da estrutura corporativa, justamente para não perder o espírito inovador dessas startups. As várias aquisições de startups via braço de VC criam a plataforma, primeiro integrando as diversas aquisições e, depois que elas tiverem escala, são levadas para o negócio principal. Em particular aquelas que tem muita sinergia com o core business.
A outra opção, mais clássica, incorpora essas startups direto para dentro do modelo operacional da empresa que as está adquirindo. Qualquer que seja o caminho, é preciso estabelecer processos para que isso seja feito de forma cuidadosa e, justamente, não eliminar o espírito empreendedor das pequenas companhias.
Este artigo foi escrito por Fabio T. Schmitt na MIT Technology Review Brasil