Google, Amazon e o problema com as alegações climáticas das Big Techs
Energia

Google, Amazon e o problema com as alegações climáticas das Big Techs

A forma como as empresas atingem as suas metas de emissões é mais importante do que a rapidez com que o fazem.

No início de julho, a Amazon anunciou que tinha comprado eletricidade limpa suficiente para cobrir as exigências de energia de todos os escritórios, centros de dados, mercearias e armazéns das suas operações globais, sete anos antes da sua meta de sustentabilidade.

Essa notícia foi publicada pouco depois do reconhecimento por parte da Google de que as crescentes exigências de energia das suas operações de Inteligência Artificial contribuíram para o aumento das suas emissões corporativas em 13% no ano passado – e que tinha desistido das alegações de que já era neutra em carbono.

Se fosse considerar os anúncios pelo valor nominal, seria perdoado por acreditar que a Google anda a tropeçar enquanto a Amazon acelera na corrida para limpar a poluição climática.

No entanto, embora ambas as empresas não estejam a conseguir atingir os seus objetivos, a abordagem da Google para reduzir as emissões de gases de efeito estufa é, agora, possivelmente mais justificável.

De facto, há um consenso crescente de que a forma como uma empresa chega ao valor líquido zero é mais importante do que a rapidez com que o faz. Além disso, está a surgir uma nova corrente de pensamento que vai além do modelo de ação climática corporativa de valor líquido zero, argumentando que as empresas se devem concentrar em obter impactos climáticos mais amplos em vez de tentar equilibrar cada tonelada de dióxido de carbono que emitem.

No entanto, para entender o motivo, vamos, primeiro, examinar como as abordagens dos dois gigantes da tecnologia se comparam e onde as estratégias climáticas das empresas geralmente falham.

Incentivos perversos

O problema principal é que os custos e a complexidade dos planos de zero emissões líquidas, que exigem que as empresas cortem ou cancelem cada tonelada de poluição climática nas suas cadeias de fornecimento, podem criar incentivos perversos. Os diretores de sustentabilidade corporativa geralmente acabam por procurar as formas mais rápidas e baratas de limpar a poluição de uma empresa no papel, em vez de procurar as formas mais fiáveis de reduzir as suas emissões no mundo real.

Isso pode significar a compra de créditos de carbono baratos para compensar a poluição contínua das suas operações diretas ou dos seus fornecedores, em vez de assumir a tarefa mais difícil de reduzir essas emissões a partir da fonte. Esses programas podem envolver o pagamento a outras partes para que plantem árvores, restaurem ecossistemas costeiros ou alterem as práticas agrícolas, de forma a reduzir as emissões ou retirar o dióxido de carbono do ar. O problema é que vários estudos e reportagens de investigação mostraram que esses esforços geralmente exageram os benefícios climáticos, às vezes de forma extrema.

As metas de valor líquido zero também podem levar as empresas a comprar o que é conhecido como créditos de energia renovável (RECs), que apoiam ostensivamente a produção adicional de eletricidade renovável, mas levantam preocupações semelhantes de que os ganhos climáticos sejam exagerados.

O argumento a favor dos RECs é que as empresas geralmente não podem comprar um fluxo puro de eletricidade limpa para alimentar as suas operações, uma vez que os operadores de rede dependem de uma combinação de gás natural, carvão, energia solar, energia eólica e outras fontes. No entanto, se fornecerem dinheiro ou uma indicação de procura que estimule os desenvolvedores a construírem novos projetos de energia renovável e a gerarem mais eletricidade limpa do que teriam de outra forma, as empresas poderão depois afirmar que isso cancela a poluição contínua da eletricidade que utilizam.

Os especialistas, no entanto, estão cada vez menos convencidos do valor dos RECs nessa fase.

A afirmação de que os projetos de energia limpa não teriam sido construídos sem esse apoio adicional é cada vez menos convincente num mundo em que essas instalações podem facilmente competir no mercado por conta própria, disse-me anteriormente Emily Grubert, professora associada da Notre Dame. E se a compra de tais créditos não trouxer mudanças que reduzam as emissões na atmosfera, não poderá equilibrar a poluição contínua da empresa.

Contabilidade criativa

Por sua vez, a Amazon está a contar com créditos de carbono e com os RECs.

No seu relatório de sustentabilidade, a empresa afirma que atingiu os seus objetivos de eletricidade limpa e reduziu as emissões ao melhorar a eficiência energética, comprar mais energia livre de carbono, construir projetos de energia renovável nas suas instalações e apoiar esses projetos por todo o mundo. A Amazon fez isso, em parte, “ao comprar atributos ambientais adicionais (como créditos de energia renovável) para sinalizar o nosso apoio à energia renovável nas redes em que operamos, de acordo com a produção esperada dos projetos que estabelecemos”.

No entanto, há ainda outro problema que pode surgir quando uma empresa paga por energia limpa que não consome diretamente, quer seja através de RECs ou de contratos de compra de energia feitos antes da construção de um projeto. O simples facto de pagar pela produção de eletricidade renovável que ocorreu em algum momento, em algum lugar do mundo, não é o mesmo que adquirir a quantidade de eletricidade que a empresa consumiu nos locais e horários específicos em que o fez. Como já deve ter ouvido falar, o sol para de brilhar e o vento para de soprar, mesmo enquanto os trabalhadores e as operações da Amazon continuam a trabalhar por todo o mundo, 24 horas por dia.

Pagar a um operador de centrais solares dinheiro adicional pela produção de eletricidade que já iria gerar a meio do dia não reverte de forma significativa as emissões que um centro de distribuição ou centro de dados da Amazon produz ao, digamos, extrair eletricidade de uma central termoelétrica de gás natural a dois estados de distância no meio da noite.

“A realidade é que os seus centros de dados estão a aumentar a procura de combustíveis fósseis”, argumentou um relatório da Amazon Employees for Climate Justice, um grupo de trabalhadores que tem pressionado a empresa a tomar medidas mais agressivas em relação às alterações climáticas.

A organização afirmou que uma parcela significativa dos RECs da Amazon não está a impulsionar o desenvolvimento de novos projetos. Também enfatizou que esses pagamentos e projetos, muitas vezes, não geram eletricidade nas mesmas áreas e nos mesmos horários em que a Amazon consome energia.

O grupo de funcionários calcula que 78% da energia da Amazon dos Estados Unidos provém de fontes não renováveis e acusa a empresa de usar “contabilidade criativa” para afirmar que atingiu os seus objetivos de eletricidade limpa.

Para seu mérito, a Amazon está a investir biliões de dólares em energias renováveis, a eletrificar a sua frota de veículos de entrega e a fazer progressos reais na redução dos seus resíduos e emissões. Para além disso, a empresa está a exercer pressão junto dos legisladores dos Estados Unidos para facilitar a permissão de projetos de transmissão elétrica, financiando formas mais fiáveis de remoção de carbono e trabalhando para diversificar o seu número de fontes de eletricidade. A empresa também insiste que está a ser cuidadosa e seletiva relativamente aos tipos de compensações de carbono que apoia, investindo apenas em projetos “adicionais, quantificáveis, reais, permanentes e socialmente benéficos”.

“A Amazon está focada em tornar a rede mais limpa e mais confiável para todos”, disse a empresa em resposta a um inquérito da MIT Technology Review americana. “Uma abordagem que prioriza as emissões é a forma mais rápida, económica e escalável de promover a aquisição corporativa de energia limpa para ajudar a descarbonizar as redes de energia globais. Isso inclui a aquisição de energia renovável em locais e países que ainda dependem muito de combustíveis fósseis para alimentar as suas redes, e onde os projetos de energia podem ter o maior impacto na redução de carbono”.

A empresa adotou o que é conhecido como uma abordagem “correspondência de carbono” (carbon matching), que explica mais detalhadamente aqui, enfatizando que deseja ter a certeza de que as emissões reduzidas através dos seus investimentos em energias renováveis sejam iguais ou superiores às emissões que continua a produzir.

Mas um estudo recente, liderado por investigadores de Princeton, descobriu que a correspondência de carbono teve um “impacto mínimo” nas emissões do sistema de energia de longo prazo, porque raramente ajuda a construir projetos ou a gerar energia limpa onde essas coisas não teriam acontecido de qualquer maneira.

“Fundamentalmente, é um esquema de compensação”, disse Wilson Ricks, autor do estudo e investigador de sistemas de energia em Princeton, acerca do método, sem comentar especificamente sobre a Amazon.

(Meta, Salesforce e General Motors também adotaram este modelo, observa o estudo.)

O problema de afirmar que uma empresa está efetivamente a funcionar inteiramente com eletricidade limpa, quando não faz isso diretamente e pode não o fazer completamente, é que isso retira qualquer pressão de concluir verdadeiramente a tarefa em mãos.

Retirada de alegações de neutralidade de carbono

A Google também fez as suas próprias afirmações questionáveis sobre o clima ao longo dos anos, e enfrenta desafios crescentes à medida que a energia que usa para Inteligência Artificial aumenta.

No entanto, a empresa está a esforçar-se para abordar o seu consumo de energia de formas possivelmente mais justificáveis, e, agora, parece estar a tomar algumas medidas notáveis de correção de rumo, de acordo com seu recente relatório de sustentabilidade.

A Google afirma que já não está a comprar créditos de carbono que intendem evitar emissões. Com esta mudança, a empresa também desistiu da alegação de que já tinha alcançado neutralidade de carbono nas suas operações há anos atrás.

“Já não estamos a adquirir créditos de carbono ano após ano para compensar as nossas emissões operacionais anuais”, disse a empresa à MIT Technology Review americana num comunicado. “Em vez disso, estamos a concentrar-nos na aceleração de uma série de soluções e parcerias de carbono que nos irão ajudar a trabalhar para atingir o nosso objetivo de zero emissões líquidas, ao mesmo tempo que ajudamos a desenvolver soluções mais amplas para mitigar as alterações climáticas”.

Isso inclui, principalmente, financiar o desenvolvimento de formas mais caras, mas possivelmente mais fiáveis, de retirar gases de efeito de estufa da atmosfera através de máquinas de captura direta de ar ou outros métodos. A Google prometeu 200 milhões de dólares americanos à Frontier, um esforço para pagar antecipadamente por um bilião de toneladas de dióxido de carbono que as start-ups irão acabar por extrair e armazenar.

Esses compromissos podem não permitir que a empresa faça qualquer afirmação sobre as suas próprias emissões hoje, e algumas das abordagens em fase inicial que financia podem não funcionar de forma alguma. No entanto, a esperança é que esses tipos de investimentos possam ajudar a estabelecer um setor de remoção de carbono, que, segundo estudos, pode ser essencial para manter o aquecimento controlado durante as próximas décadas.

Energia limpa 24 horas por dia

Para além disso, há vários anos que a Google tem trabalhado para comprar ou apoiar a produção de energia limpa nas áreas em que opera e em todas as horas em que consome eletricidade, uma abordagem cada vez mais popular conhecida como energia livre de carbono 24 horas por dia, sete dias por semana.

A ideia é que isso estimule um maior desenvolvimento daquilo que as operadoras de rede precisam cada vez mais: formas de energia livre de carbono que possam funcionar a todas as horas do dia (habitualmente chamada “produção firme”), de acordo com as exigências reais de energia das empresas de hora a hora. Isso pode incluir centrais geotérmicas, reatores nucleares, centrais hidrelétricas e muito mais.

Mais de 150 organizações e governos já assinaram o 24/7 Carbon-Free Energy Compact, um compromisso para garantir que as compras de eletricidade limpa correspondem ao seu consumo de hora em hora. Entre elas estão a Google, a Microsoft, a SAP e a Rivian.

O estudo de Princeton observa que a correspondência horária é mais cara do que outras abordagens, mas conclui que esta gera “reduções significativas nas emissões de CO2 a nível de sistema” e, ao mesmo tempo, “incentiva a produção avançada de energia limpa e tecnologias de armazenamento de longa duração, que, de outra forma, não seriam aceites pelo mercado”.

No caso da Google, a procura pela correspondência 24 horas por dia, sete dias por semana, levou a empresa a apoiar mais projetos de energia renovável nas áreas em que opera e a investir em mais projetos de armazenamento de energia. A empresa também celebrou contratos de aquisição com centrais de energia que podem fornecer eletricidade livre de carbono 24 horas por dia. Isso inclui vários acordos com a Fervo Energy, uma start-up de energia geotérmica avançada.

A empresa diz que o seu objetivo é atingir zero emissões líquidas em todas as suas cadeias de abastecimentos até 2030, com todo o seu uso de eletricidade sincronizado, hora a hora, com fontes limpas em todas as redes em que opera.

Inteligência Artificial que consome muita energia

O que nos leva de volta ao problema crescente do consumo de energia da Inteligência Artificial (IA).

Jonathan Koomey, um investigador independente que estuda as exigências de energia da computação, argumenta que o protesto sobre o aumento do uso de eletricidade para IA é exagerado. Ele observa que a IA é responsável por apenas uma pequena parte do consumo geral de energia da tecnologia da informação, que produz cerca de 1,4% das emissões globais.

No entanto, as principais empresas de centro de dados, como a Google, a Amazon e outras, terão de fazer mudanças significativas para garantir que se mantêm à frente do aumento do consumo de energia impulsionado pela IA ao mesmo tempo que cumprem os seus objetivos climáticos.

As empresas terão que melhorar a eficiência energética geral, adquirir mais energia limpa e usar a sua influência como grandes entidades patronais para pressionar os serviços públicos a aumentar a produção sem carbono nas áreas em que operam, diz ele. Mas o foco claro deve ser a redução direta da poluição climática corporativa, e não a manipulação de RECs e compensações.

“Reduza as suas emissões; é isso”, diz Koomey. “Precisamos de reduções de emissões reais, verdadeiras e significativas, e não de comércio de créditos que têm, na melhor das hipóteses, um efeito ambíguo”.

A Google diz que já está a progredir na sua pegada de IA, enfatizando ao mesmo tempo que está a utilizar IA para encontrar formas de reduzir a poluição climática em todos os setores. Isso inclui esforços como o Tapestry, um projeto no âmbito da moonshot factory da empresa X para criar redes elétricas mais eficientes e fiáveis, bem como uma colaboração da Google Research para determinar rotas de voo de companhias aéreas que produzem menos nuvens Cirrus, retentoras de calor.

“A IA é uma promessa imensa para impulsionar a ação climática”, disse a empresa no seu relatório.

O modelo de contribuição

As abordagens contrastantes da Google e da Amazon lembram uma hipótese instrutiva que uma equipa de investigadores do mercado de carbono esboçou num artigo em janeiro deste ano. Eles observaram que uma empresa poderia ter o trabalho árduo e dispendioso de eliminar diretamente quase todas as toneladas das suas emissões, enquanto outra poderia simplesmente comprar compensações baratas para alegadamente abordar todas as suas. Nesse caso, a primeira teria feito um bem maior para o clima, mas apenas a segunda poderia dizer que atingiu o seu objetivo de zero emissões líquidas.

Devido a esses desafios e aos incentivos perversos que levam as empresas a procurar compensações baratas, os autores começaram a defender uma abordagem diferente, conhecida como “modelo de contribuição”.

Assim como Koomey e outros, os autores enfatizam que as organizações devem dedicar a maior parte do seu dinheiro e energia para reduzir diretamente as suas emissões o mais possível. Porém, eles afirmam que estas devem adotar uma nova forma de lidar com o que sobra (quer porque a poluição restante está a ocorrer fora das suas operações diretas ou porque ainda não existem alternativas acessíveis e sem emissões).

Em vez de tentar cancelar cada tonelada de emissões em andamento, uma empresa poderia escolher uma percentagem da sua receita ou definir um preço de carbono justificável para essas toneladas, e depois dedicar todo esse dinheiro para a obtenção do máximo benefício climático que o dinheiro pode comprar, diz Libby Blanchard, estudante investigadora da Universidade de Cambridge (é coautora do artigo sobre o modelo de contribuição com Barbara Haya, da Universidade da Califórnia, Berkeley, e Bill Anderegg, da Universidade de Utah).

Isso pode significar o financiamento de projetos florestais bem geridos que ajudem a reter o dióxido de carbono, a proteger a biodiversidade e a melhorar a qualidade do ar e da água. Pode significar o apoio à pesquisa e ao desenvolvimento das tecnologias ainda necessárias para desacelerar o aquecimento global e os esforços para ampliá-las, como a Google parece fazer. Ou pode até mesmo significar exercer pressão em favor de leis climáticas mais rígidas, uma vez que poucas coisas podem promover mudanças tão rapidamente quanto políticas públicas.

No entanto, a principal diferença é que a empresa não poderá alegar que essas ações cancelaram cada tonelada de emissões restantes, apenas que tomou medidas reais e responsáveis para “contribuir” para a resolução do problema das alterações climáticas.

A esperança é que essa abordagem permita às empresas que se concentrem na qualidade dos projetos que financiam, e não na quantidade de compensações baratas que compram, diz Blanchard.

Isso poderia “substituir esta corrida até ao fundo do poço por uma corrida até ao topo”, diz ela.

Como com qualquer abordagem apresentada a empresas com fins lucrativos que empregam contabilistas e advogados experientes, certamente haverá formas de abusar esse método na ausência de salvaguardas e supervisão adequadas.

E muitas empresas podem recusar-se a adotá-lo, já que não poderão alegar que atingiram zero emissões líquidas, o que se tornou a norma de facto para a ação climática corporativa.

Mas Blanchard diz que há um incentivo óbvio para que elas se afastem desse objetivo.

“Há muito menos risco de serem processadas ou acusadas de branqueamento ecológico”, diz ela.


Por: James Temple
James é editor de energia na MIT Technology Review, focado em assuntos ligados à energia renovável e ao uso de tecnologia no combate às alterações climáticas.

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