Quando dois buracos negros se movem para dentro em espiral e colidem, agitam a própria estrutura do espaço, produzindo ondulações no espaço-tempo que podem viajar por centenas de milhões de anos-luz. Desde 2015, os cientistas têm observado estas chamadas ondas gravitacionais para os ajudar a estudar questões fundamentais sobre o cosmos, incluindo a origem de elementos pesados como o ouro e a taxa de expansão do universo.
No entanto, detetar ondas gravitacionais não é fácil. Quando estas alcançam a Terra e os detetores gémeos do Observatório de Interferometria Laser de Ondas Gravitacionais (LIGO), em Louisiana e em Washington, nos Estados Unidos, as ondulações dissipam-se quase completamente. Os detetores do LIGO devem detetar movimentos na escala de um décimo de milésimo da largura de um protão para terem uma hipótese.
Até agora, o LIGO confirmou 90 deteções de ondas gravitacionais, mas os físicos querem detetar mais, o que irá exigir tornar a experiência ainda mais sensível. E isso é um desafio.
“O problema destes detetores é que sempre que se tenta melhorá-los, pode acabar por se piorar as coisas, uma vez que são tão sensíveis,” diz Lisa Barsotti, física do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.
No entanto, Lisa e os seus colegas recentemente ultrapassaram este desafio, criando um dispositivo que irá permitir aos detetores do LIGO detetar muito mais fusões de buracos negros e colisões de estrelas de neutrões. O dispositivo pertence a uma classe crescente de instrumentos que utilizam compressão quântica, uma forma prática para os investigadores que lidam com sistemas que funcionam segundo as regras difusas da mecânica quântica manipularem esses fenómenos a seu favor.
Os físicos descrevem objetos no reino quântico em termos de probabilidades; por exemplo, um eletrão não está localizado aqui ou ali, mas apresenta alguma probabilidade de estar em cada lugar, fixando-se em apenas um quando as suas propriedades são medidas. A compressão quântica pode manipular as probabilidades, e os investigadores estão cada vez mais a usá-la para exercer mais controlo no ato de medição, melhorando drasticamente a precisão dos sensores quânticos como a experiência LIGO.
“Nas aplicações de deteção de precisão onde se quer detetar sinais extremamente pequenos, a compressão quântica pode ser uma grande vitória”, diz Mark Kasevich, um físico da Universidade de Stanford que aplica a compressão quântica na criação de magnetómetros, giroscópios e relógios mais precisos com potenciais utilizações na navegação. Os criadores de tecnologia comercial e militar começaram também a experimentar esta técnica: a start-up canadiana Xanadu usa-a nos seus computadores quânticos, e, no outono passado, a DARPA (Agência de Projetos de Pesquisa Avançada em português) anunciou o programa Inspired, para desenvolver tecnologia de compressão quântica num chip. Vamos observar duas aplicações onde a compressão quântica já está a ser utilizada para ultrapassar os limites dos sistemas quânticos.
Assumir o controlo da incerteza
O conceito-chave por trás da compressão quântica é o fenómeno conhecido como o princípio da incerteza de Heisenberg. Num sistema quântico-mecânico, este princípio coloca um limite fundamental sobre a precisão com que se podem medir as propriedades de um objeto. Independentemente do quão bons os seus dispositivos de medição sejam, vão sofrer um nível fundamental de imprecisão que faz parte da própria natureza. Na prática, isso significa que existe um compromisso. Se quiser rastrear precisamente a velocidade de uma partícula, por exemplo, então deve sacrificar a precisão em saber a sua localização, e vice-versa. “A física impõe limites às experiências, e especialmente à medição de precisão,” diz John Robinson, um físico da start-up de computação quântica QuEra.
Ao “comprimir” a incerteza nas propriedades que não estão a medir, no entanto, os físicos podem obter precisão na propriedade que desejam medir. Teoricamente, propôs-se o uso de compressão na medição já na década de 1980. Desde então, os físicos experimentais têm desenvolvido as ideias; ao longo da última década e meia, os resultados passaram de protótipos complexos em mesas de trabalho para dispositivos práticos. Agora, a grande questão é quais as aplicações que vão beneficiar. “Estamos apenas a entender o que a tecnologia pode ser”, diz Mark. “Então, esperançosamente, a nossa imaginação irá crescer para nos ajudar a descobrir para aquilo que ela realmente vai ser boa”.
O LIGO está a abrir caminho para responder a essa questão, ao aumentar a capacidade dos detetores de medir distâncias extremamente pequenas. O observatório regista ondas gravitacionais com máquinas em forma de L capazes de detetar movimentos minúsculos ao longo dos seus braços de quatro quilómetros de comprimento. Em cada máquina, os investigadores dividem um feixe de laser em dois, enviando um feixe por cada braço para refletir num conjunto de espelhos. Na ausência de uma onda gravitacional, as cristas e as cavas das ondas luminosas constituintes devem anular-se completamente quando os feixes são recombinados. Mas quando uma onda gravitacional passa, irá esticar e comprimir alternadamente os braços de modo que as ondas luminosas divididas estejam ligeiramente fora de fase.
No entanto, os sinais resultantes são subtis; tão subtis que correm o risco de serem abafados pelo vácuo quântico, o ruído de fundo inevitável do universo, causado por partículas que surgem e desaparecem. O vácuo quântico introduz uma centelha de luz de fundo que entra nos braços do LIGO, e esta luz empurra os espelhos, deslocando-os na mesma escala das ondas gravitacionais que o LIGO pretende detetar.
A equipa de Lisa não consegue eliminar esta centelha de fundo, mas a compressão quântica permite-lhes exercer um controlo limitado sobre ela. Para o fazer, a equipa instalou uma cavidade com 300 metros de comprimento em cada um dos dois detetores em forma de L do LIGO. Usando lasers, podem criar um vácuo quântico artificial, no qual podem manipular as condições para aumentar o seu nível de controlo sobre a luminosidade da centelha ou sobre a sua aleatoriedade temporal. A deteção de ondas gravitacionais de frequência mais alta é mais difícil quando o ritmo da centelha é mais aleatório, enquanto as ondas gravitacionais de frequência mais baixa são abafadas quando a luz de fundo é mais brilhante. No seu vácuo artificial, as partículas ruidosas ainda aparecem nas suas medições, mas de formas que não perturbam tanto a deteção de ondas gravitacionais. “É possível modificar o vácuo manipulando-o de forma a ser útil”, explica ela.
A inovação levou décadas a desenvolver: ao longo da década de 2010, o LIGO incorporou formas gradualmente mais sofisticadas de compressão quântica baseadas em ideias teóricas desenvolvidas na década de 1980. Com estas últimas inovações em compressão, instaladas no ano passado, a colaboração espera detetar ondas gravitacionais até 65% mais frequentemente do que antes.
A compressão quântica também melhorou a precisão na medição do tempo. A trabalhar na Universidade do Colorado em Boulder com o físico Jun Ye, pioneiro na tecnologia de relógios atómicos, John e a sua equipa criaram um relógio que irá perder ou ganhar no máximo um segundo em 14 bilhões de anos. Estes relógios altamente precisos funcionam de forma ligeiramente diferente em diferentes campos gravitacionais, o que poderia torná-los úteis para detetar como a massa da Terra se redistribui como resultado de atividade sísmica ou vulcânica. Também poderiam potencialmente ser usados para detetar certas formas propostas de matéria negra, a substância hipotética que os físicos pensam atravessar o universo, atraindo objetos com a sua gravidade.
O relógio desenvolvido pela equipa de John, um tipo chamado relógio atómico ótico, utiliza 10 000 átomos de estrôncio. Como todos os átomos, o estrôncio emite luz em frequências específicas quando os eletrões ao redor do núcleo do átomo saltam entre diferentes níveis de energia. Um número fixo de cristas e cavas numa dessas ondas luminosas corresponde a um segundo no seu relógio. “Está a dizer que o átomo é perfeito”, diz John. “O átomo é a minha referência”. O “tiquetaque” desta luz é muito mais constante do que o cristal de quartzo vibrante num relógio de pulso, por exemplo, que se expande e contrai a diferentes temperaturas para tiquetaquear a diferentes velocidades.
Na prática, o tiquetaque no relógio da equipa de John não vem da luz que os eletrões emitem, mas sim de como todo o sistema evolui ao longo do tempo. Os investigadores colocam primeiro cada átomo de estrôncio numa “superposição” de dois estados: uma em que os eletrões do átomo estão todos nos seus níveis de energia mais baixos, e outra em que um dos eletrões está num estado excitado. Isso significa que cada átomo tem alguma probabilidade de estar em qualquer um dos estados, mas não está definitivamente em nenhum deles, semelhante à forma como uma moeda a girar no ar tem alguma probabilidade de sair cara ou coroa, mas não é nem uma nem outra.
Os investigadores medem depois o número de átomos em cada estado. O ato de medição coloca os átomos definitivamente num estado ou noutro, equivalente a deixar a moeda que está a girar aterrar numa superfície. Antes de medirem os átomos, mesmo que pretendam obter uma mistura 50-50, os investigadores não conseguem ditar precisamente quantos átomos vão estar em cada estado. Isso acontece porque, para além da mudança do sistema ao longo do tempo, há também uma incerteza inerente no estado dos átomos individuais. A equipa de John utiliza a compressão quântica para determinar de forma mais fiável os seus estados finais ao reduzir estas flutuações intrínsecas. Especificamente, a equipa manipula as incertezas na direção do spin de cada átomo, uma propriedade de muitas partículas quânticas que não tem um equivalente clássico. A compressão melhorou a precisão do relógio em 1,5 vezes.
É verdade que as ondas gravitacionais e os relógios altamente precisos são utilizações académicas de nicho. No entanto, há interesse em adaptar a abordagem a outras utilizações potencialmente mais convencionais, incluindo computadores quânticos, navegação e microscopia.
O aumento da utilização da compressão quântica faz parte de uma tendência tecnológica mais ampla com o objetivo de alcançar maior precisão, uma que engloba a colocação de mais transistores em chips, o estudo das partículas mais esquivas do universo e a medição do tempo fugaz que um eletrão demora a abandonar uma molécula. A compressão beneficia apenas medições tão subtis que a aleatoriedade da mecânica quântica contribui com um ruído significativo. Mas acontece que os físicos têm mais controlo do que pensam. Podem não conseguir eliminar a aleatoriedade, mas podem engendrar onde aparece.