Negócios e Economia

A mente do empresário no meio da crise: como se superar em períodos conturbados?

Superar a própria mente é um dos maiores desafios que um empresário em crise vai enfrentar.

9 em cada 10 profissionais são contratados pelo perfil técnico (hard skills) e demitidos por questões comportamentais (soft skills), segundo um estudo da Page Personnel, consultoria global de recrutamento para cargos de nível técnico e suporte à gestão, que abordou 1.400 executivos de empresas dos setores de retalho, vendas, TI, marketing, finanças, engenharia e RH. Uma outra pesquisa, liderada pelo Linkedin, apontou para uma direção similar. Ao entrevistar gestores de recrutamento e seleção, 92% deles pensam que as soft skills são igualmente importantes ou mais importantes que as habilidades técnicas.

Ambos os estudos sugerem que habilidades comportamentais são tão importantes quanto habilidades técnicas quando avaliamos o desempenho de colaboradores. Apesar das pesquisas não serem focadas na high desk, na minha opinião, tal tese poderia ser perfeitamente aplicável a toda a empresa, incluindo o fundador, que é a figura na qual vou me restringir.

O founder e os sócios, reunidos, devem contemplar conhecimentos técnicos sobre planeamento, operações, finanças, marketing, vendas e produto. Porém, na prática, capacidade de comunicação, empatia e liderança são tão importantes quanto as habilidades técnicas e, em momentos de crise, há um destaque especial para uma soft skill: a inteligência emocional.

No momento em que nos encontramos, por conta da Covid-19, várias cidades entraram novamente na fase vermelha e muitos donos de negócio sentiram aquele ‘frio na espinha’ novamente. Nesta ocasião, um dos maiores desafios que um empresário em risco pode ter é de superar a própria mente. Por isso, este artigo discorre sobre duas teorias que podem ajudá-lo no processo de superação: a Teoria da Agilidade Emocional e o Modelo de Kluber-Ross.

Segundo Susan David, professora da escola de Medicina de Harvard e criadora da Teoria da Agilidade Emocional, em situações de stress, as pessoas podem entrar em “parafusos de pensamento”. Um estado caracterizado pela presença de pensamentos negativos repetitivos em tal intensidade, que ocasionam o esgotamento da capacidade cognitiva do indivíduo.  De acordo com a tese, uma das principais diferenças entre o líder eficaz e o mediano é justamente a capacidade de gastar menos tempo e energia com pensamentos maus e seguir em frente, evitando o desperdício excessivo de energia.

Basicamente, todos somos assolados por pensamentos indesejáveis por mais que tentemos ser estóicos ou positivos, não adiantando negá-los. Além disso, em momentos de crise, fatalmente somos atingidos pela nossa mente e o dono do negócio definitivamente não vai querer ficar preso num ciclo mental quando a empresa mais precisa dele. Aliás, deve buscar justamente o oposto, seguir adiante.

O primeiro passo para a superação, segundo Susan, é identificarmos os nossos padrões de pensamento e sentimentos. É neste momento que, para o caso de crises graves, podemos abordar uma outra teoria: o Modelo de Kluber-Ross, para ajudar a entender a nossa mente.

Cinco fases da mente do empresário num contexto de crise

Baseado no modelo criado por Elizabeth Kluber-Ross, uma psiquiatra especializada em situações de quase morte, o framework foi adaptado pela Venture Capital, NFX, para o contexto de empresários em situação de crises graves nas suas organizações. O modelo indica os 5 estágios de luto que a mente humana passa ao se deparar com uma situação de adversidade extrema:

Entender como a mente reage à crise pode ser libertador, pois funciona como um roteiro no meio ao caos. Sendo assim, o primeiro passo para o empresário aliviar os sintomas de stress é conquistar a autoconsciência.

A primeira fase de luto é a negação, quando o founder decide que a crise não vai afetá-lo, pois se for verdade, talvez perca a empresa ou, na melhor das hipóteses, os seus sonhos serão muito postergados.

Como consequência, a maioria dos líderes continua com os negócios normalmente, sem tomar medidas de precaução.

A segunda fase é a da raiva, quando o dono do negócio fica paralisado por constatar que está rodeado de “má sorte”. Por ser mais fácil de quem está de fora notar o quão grave é a situação, irrita-se quando recebe opiniões externas, que funcionam como um balde de água fria, dando-lhe um choque de realidade. Essa fase é caracterizada pela irritabilidade do empreendedor e pela sua dificuldade para dormir.

Em seguida, segue-se para a fase de negociação, quando o fundador está a negociar com a própria mente e é criado um plano de contingência que parece radical, mas não o suficiente para reverter a situação.

Nesse período, a culpa e a decepção são sentimentos que permeiam o empresário e é comum surgirem ideias fantasiosas, no intuito de evitar tomadas de decisão desconfortáveis, como por exemplo: estipular que um grande acordo que está no radar ocorrerá dentro de um prazo muito curto, completamente fora do padrão. Ou criar uma narrativa interna de que um investimento externo surgirá e mudanças mais radicais não serão necessárias. Resumidamente, trata-se de uma fantasia criada pelo empresário de que um fenómeno externo irá favorecê-lo, poupando-o de uma atitude mais drástica.

A quarta fase é a da depressão, caracterizada pelo momento em que o empresário cai na real sobre a situação e compreende que o planeamento pré-crise realmente não será realizado tão cedo. Nesta fase, o fundador encontra-se mais apático e pode exibir sinais de indiferença, apresentando baixa excitação.

A quinta fase de luto é a da aceitação, quando finalmente o empresário se adapta mentalmente à nova realidade. No final dessa fase, consegue realizar um reset apropriado em relação ao novo panorama operacional, reestruturação de time e reestruturação financeira, finalizando finalmente as fases de luto e alcançando a fase de criatividade, onde o fundador consegue traçar novas parcerias, identificar novas fontes de receita ou aumentar a margem, a partir de um shift no negócio.

Quatro mudanças de mentalidade que valem a pena ser experimentadas

Todo fundador precisará passar pelos 5 estágios do luto até se restabelecer na fase de criatividade. Para isto, segue o conselho de James Currier, sócio da NFX, uma investidora de empresas em estágio inicial, sobre quatro mudanças de mentalidade que devem ser adotadas por CEOs em situação de recessão.

Estes conselhos são pautados em relação às suas experiências pessoais como fundador de startups que foram vendidas, como investidor de startups que ainda não são maduras e corroboradas pelas minhas experiências pessoais:

  1. Procure conselhos, não se isole

Cuidar da psicologia do fundador é uma das coisas que as pessoas não falam, exceto em conversas privadas com mentores ou co-fundadores de confiança. Durante períodos de escuridão, um fundador precisa procurar aconselhamento com pessoas de confiança e estabelecer um controlo firme sobre a própria mente. Isolar-se e fechar todas as linhas de comunicação será uma armadilha que pode estender o seu percurso de luto, podendo deixá-lo tempo demais em alguma das fases.

Sendo assim, é importante procurar conselhos, idealmente, daquelas pessoas que têm mais experiência e estão mais próximas dos resultados que está a perseguir. Pedir conselho é a maneira mais direta de recrutar um novo conselheiro. Porém, há dois pontos importantes: o seu objetivo deve ser estabelecer uma conexão real com a pessoa, ou seja, ambos devem gostar e confiar um no outro. Além disso, os melhores conselheiros são ocupados, então deve fazer o trabalho para ser mais atraente, pesquisando o que os tornará interessados em si e na sua empresa.

A partir deste ponto, criar um relacionamento, onde interagirá com maior recorrência com aqueles mais próximos e com os mais distantes, de maneira mais espaçada. É fundamental ter humildade e não ficar constantemente a encontrar todas as respostas sozinho.

  1.  Reconheça que é pior do que imagina

Para o fundador que está focado em crescimento, é especialmente difícil ter que sacrificar o otimismo exacerbado. Quando algo dá errado, os problemas agravam-se de tal forma que quase tudo dá errado ao mesmo tempo, e a descida é muito mais íngreme do que costumamos captar.

Já tive uma situação difícil no início da Easy Taxi, quando tivemos um problema societário com a saída de um sócio que limpou os poucos recursos que tinha a empresa, ainda no início de operação. Na época, não tínhamos cláusulas de vesting e cliff e os danos foram grandes e tive que vender o meu carro para seguir para um plano B. Na Singu, o contexto também não foi simples, no lockdown de 2020, tivemos que rever por completo o plano de ação.

Portanto, faça as suas estimativas iniciais de quanto tempo levará para que as suas vendas se recuperem e procure por formas alternativas de se financiar. Quando chegar a uma estimativa de tempo, seja mais pessimista e multiplique por 1.5 ou 2 o prazo que imagina se reerguer. Este é o multiplicador sugerido por Ray Dalio, co-Chief Investment Officer do maior fundo de hedge do mundo, Bridgewater Associates.

  1. Envolva-se emocionalmente com a equipa em detrimento de uma missão

O medo pode assumir o controlo e paralisar alguns funcionários, deixando-os confusos e improdutivos. Neste momento, proximidade é fundamental, mesmo que haja pouco dinheiro no banco. A equipa nesse momento precisa de suporte e estar junto irá fortalecer a todos.

Vejam a união evidenciada na foto do primeiro foguete que aterrou da Space X. Na ocasião, todos os funcionários sabiam que se o teste não desse certo, era o fim da empresa, que não tinha mais caixa para seguir com outros testes de lançamento.

Na ocasião, Elon Musk, fundador da empresa, já tinha pegado dinheiro emprestado com amigos para pagar o aluguer de casa e só conseguiria levantar investimentos se esta última tentativa desse certo. A união da equipa e o trabalho árduo foram gerados mais do que por uma missão revolucionária, mas abraçado por um objetivo em comum, o da sobrevivência: simbolizado por esse momento.

  1. Destine o foco do negócio em pontos contra intuitivos

Empresários excepcionais usam a oportunidade de uma crise para mudar o foco da sua empresa para áreas, geralmente emergentes, de maior procura de mercado.

Bill Rodgers venceu a Maratona de Boston e a Maratona de Nova Iorque quatro vezes cada. Rodgers atribuiu o seu sucesso a um truque simples: correu mais nas descidas do que nas subidas. A sua visão mágica? Os corredores tendem a empurrar com força para subir uma colina, mas depois desistem quando passam do pico. Frequentemente, gastam energia tentando diminuir a velocidade da sua descida. Rodgers optou pela abordagem oposta. “Lembro-me sempre de me inclinar para frente e aproveitar a gravidade”, disse Rodgers.

Isso também é verdade em tempos de crise para organizações. Empresários eficazes empurram com mais força e aproveitam a gravidade para acelerar de maneira diferente.

Talvez isso signifique duplicar o treino de vendas para os seus executivos de conta de mais alto desempenho — contra intuitivo, mas possivelmente com alta alavancagem. Talvez isso signifique priorizar provisoriamente um produto que não é o que te trouxe até aqui. Talvez signifique uma nova contratação justamente num momento que as receitas estão a sofrer. Essas são áreas em que pode ficar confuso durante uma crise. Por que treinar os vendedores de melhor desempenho? Por que redirecionar os investimentos para um produto que começou a se destacar agora, mas representa uma percentagem pequena da faturação histórica? Mas esses são todos os pequenos passos que podem contribuir para ajudar a organização a ganhar destaque no mercado.

Uma musculatura importante para ser desenvolvida

Independente do contexto de crise, com cada vez mais experiência, o que muda para o empresário é a duração de cada fase do gráfico e, determinados aprendizados realmente só serão adquiridos ao se vivenciar adversidades.

Porém, a experiência não é a única variável de desenvolvimento e, mais do que isso, é recomendável que todo empresário se aprimore previamente diante de futuros imprevistos. Por conta disso, um ponto importante é construir uma rede de conselheiros para serem acedidos de forma sistemática, de acordo com uma periodicidade.

Outro ponto, este no intuito de se capacitar emocionalmente, é praticar de forma contínua os pilares da Teoria da Agilidade Emocional, realizando o exercício de: reconhecer os seus padrões de pensamento negativos (aqueles que te assolam de forma repetitiva) e rotulando-os junto às emoções vinculadas.

O próximo passo é aceitar estes pensamentos e sentimentos ao invés de negá-los. Ficar a pensar que “não deveria estar a ter este tipo de pensamento”, segundo a investigadora, só faz o líder pensar mais no assunto, sendo ineficaz. Em vez disso, faça 10 respirações profundas e observe o que está a acontecer no momento. Isso pode trazer alívio, mas não necessariamente o fará se sentir bem. Na verdade, pode perceber o quão chateado está. O importante é examinar a realidade da situação.

Por último, tome uma decisão de acordo com os seus valores. O fluxo de pensamentos da mente flui infinitamente e as emoções estão sempre a mudar, mas os valores são mais sólidos e podem ser invocados a qualquer momento. Logo, faça a si mesmo a pergunta: “Estou a dar um passo para ser o líder que desejo?”. Tal exercício te dará clareza para seguir adiante.

De acordo com a teoria da Agilidade Emocional, é impossível bloquear pensamentos e emoções difíceis, mas os líderes eficazes sabem como libertar os seus recursos internos, pois se comprometem com ações que se alinham com os seus valores, desprendendo-se rapidamente de “parafusos de pensamento”.

O desenvolvimento da agilidade emocional não é uma solução rápida, mas com o tempo, os líderes que se tornam mais hábeis nesta questão, são os que têm maior probabilidade de prosperar.

Artigo de Tallis Gomes, Autor – MIT Technology Review Brasil

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