Como a Inteligência Artificial pode transformar a aprendizagem e preparar profissionais para o futuro
Humanos e Tecnologia

Como a Inteligência Artificial pode transformar a aprendizagem e preparar profissionais para o futuro

A integração da Inteligência Artificial (IA) na educação está a revolucionar o ensino, oferecendo aprendizagem personalizada e inclusiva e preparando os estudantes para um mercado de trabalho em constante evolução. Contudo, é crucial abordar desafios éticos, de privacidade e viés, para garantir um uso justo e responsável da IA.

A interseção entre a IA e a educação está a surgir como uma força revolucionária, transformando paradigmas pedagógicos tradicionais e ampliando as possibilidades de aprendizagem personalizada. A incorporação da IA nas estruturas educacionais traz consigo a expectativa de revolucionar a maneira como o conhecimento é transmitido e adquirido, tornando a educação mais adaptativa, personalizada, inclusiva e eficaz. Com as suas capacidades de aprendizagem e adaptação, a IA irá reconfigurar a maneira como ensinamos e aprendemos, promovendo uma revolução no setor educacional.

O potencial da IA na educação

Um estudo recente da empresa Cortex Intelligence mostra que somente um em cada dez recém-formados nos cursos de graduação mais procurados, como Direito e Enfermagem, consegue emprego equivalente à sua formação. A distância entre a academia e as necessidades do mercado tendem a agravar-se, pois 85% dos empregos que existirão em 2030 ainda não foram sequer “inventados”, segundo o Institute for the Future. Nesse cenário, como preparar os jovens para o mercado de trabalho do futuro?

Não tenho a resposta, mas acredito que a IA pode ser uma grande aliada para enfrentar esse desafio. Já no longínquo ano de 2019, uma pesquisa realizada pela Microsoft em parceria com a Times Higher Education evidenciava o que vemos hoje: quase 90% dos entrevistados acreditavam que a IA teria um impacto significativo ou muito significativo nos currículos e na Pedagogia. E isso foi antes do terramoto causado pela IA generativa em todos os setores da sociedade, inclusive na educação.

Investigadores¹ afirmam que a integração da IA na educação já está a redefinir os métodos tradicionais de ensino e aprendizagem. A personalização da aprendizagem, possibilitada por algoritmos de IA, ajusta as experiências educacionais às necessidades, preferências e ritmo de cada estudante, superando o modelo padronizado tradicional e promovendo um ambiente de aprendizagem mais inclusivo e eficaz.

Será esse o caminho para preparar os profissionais para as profissões que ainda não existem?

Aprendizagem personalizada

A aprendizagem personalizada é uma das áreas mais promissoras da aplicação da IA na educação. Sistemas de tutoria inteligente, chatbots educacionais, tutores virtuais e plataformas de realidade aumentada podem fornecer instrução adaptativa, ajustando o ritmo e o conteúdo conforme as necessidades individuais dos alunos. Ferramentas como estas ajudam a identificar estudantes que necessitam de atenção e acompanhamento mais próximo, fornecem feedback personalizado e redirecionam os alunos para materiais de reforço personalizados, quando necessário.

A IA também pode desempenhar um papel crucial na inclusão de estudantes com necessidades específicas. Ferramentas de IA podem ajudar estudantes cegos ou com deficiência visual através de descrições de imagem em tempo real, enquanto estudantes com deficiência auditiva podem se beneficiar com legendas automáticas e traduções em linguagem gestual. Além disso, a IA pode fornecer apoio emocional e prático, monitorizando sinais de stresse e oferecendo intervenções oportunas.

Em relação à análise e acompanhamento da aprendizagem, a IA pode ser usada para recolher e analisar dados sobre o progresso dos alunos. Plataformas automatizadas de correção de tarefas e avaliação (robot-graders) ajudam a fornecer uma resposta rápida e precisa das atividades, permitindo que os professores se concentrem mais no desenvolvimento de estratégias pedagógicas eficazes.

IA e pesquisa

A IA está a transformar a pesquisa académica de maneira significativa. Ferramentas de pesquisa baseadas em IA são capazes de analisar grandes volumes de dados, identificar padrões e relacionamentos que poderiam passar despercebidos por investigadores humanos, e até mesmo auxiliar na redação e na apresentação dos resultados. Técnicas como aprendizagem de máquina e aprendizagem profunda permitem uma análise avançada de dados complexos, revelando insights que podem levar a avanços importantes em diversas áreas do conhecimento.

Além disso, a IA tem um papel crucial na pesquisa voltada para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Ela pode ser uma ferramenta poderosa na procura por soluções para desafios globais, como a pobreza, a desigualdade e as mudanças climáticas, como já abordei em outro artigo na MIT Technology Review Brasil. Os algoritmos de IA podem ajudar a otimizar a distribuição de recursos, prever desastres naturais e desenvolver tecnologias sustentáveis.

No entanto, é essencial enfrentar os riscos éticos e as implicações do uso da IA em pesquisas. Questões como viés algorítmico, privacidade de dados, responsabilização e transparência devem ser cuidadosamente consideradas para garantir que o impacto da IA seja positivo e adequado. A integração da IA na pesquisa académica não só acelera o processo de descoberta, mas também amplia o alcance e a profundidade das investigações. Com a capacidade de processar e analisar dados numa escala sem precedentes, a IA permite que os investigadores explorem novas fronteiras do conhecimento e façam conexões que, antes, eram inimagináveis. No entanto, é fundamental que essa ferramenta seja utilizada de maneira correta, para que os seus benefícios sejam plenamente realizados sem comprometer os valores fundamentais da pesquisa científica.

IA e o futuro do trabalho

A crescente relevância da IA no mercado de trabalho está a criar uma procura significativa por profissionais capacitados em IA e aprendizado de máquina. Para atender a essa necessidade, as instituições de ensino, especialmente, mas não exclusivamente, as de nível superior, precisam de adaptar os seus currículos, preparando os estudantes para esse novo cenário. Além das habilidades técnicas, é fundamental que os estudantes desenvolvam meta-habilidades, como criatividade, pensamento crítico, inteligência emocional, curiosidade, autonomia e capacidade de resolução de problemas. Essas competências serão essenciais para que os profissionais se possam adaptar e prosperar num mercado de trabalho em constante mudança. A educação superior deve também promover a aprendizagem ao longo da vida, longlife learning, oferecendo programas que permitam aos profissionais atualizarem as suas habilidades e conhecimentos continuamente.

A IA pode desempenhar um papel crucial nesse processo, facilitando a educação online e à distância, e garantindo que mais pessoas tenham acesso a oportunidades educacionais. Com a ajuda da IA, é possível criar ambientes de aprendizagem mais flexíveis e acessíveis, permitindo que os indivíduos se continuem a desenvolver profissionalmente ao longo das suas carreiras. A integração da IA na educação superior não só prepara os estudantes para as exigências técnicas do mercado de trabalho, mas também ajuda a desenvolver as habilidades necessárias para enfrentar os desafios de um mundo em constante evolução. Ao promover a aprendizagem contínua e adaptativa, a IA pode ajudar a criar uma força de trabalho mais resiliente e preparada para o futuro.

Desafios para a IA na educação

Apesar das muitas vantagens, a implementação da IA na educação superior enfrenta vários desafios. As desigualdades no acesso à tecnologia, questões de privacidade e segurança de dados, e o risco de viés nos algoritmos de IA são alguns dos obstáculos que precisam de ser superados.

A distribuição desigual, bem como a heterogeneidade de maturidade da IA globalmente, e até mesmo dentro de um país, são desafios significativos. Regiões com recursos limitados enfrentam dificuldades para aceder e implementar tecnologias de IA, exacerbando as desigualdades existentes.

Além disso, o uso de IA na educação implica a recolha e a análise de grandes volumes de dados pessoais dos estudantes. É essencial estabelecer políticas robustas de privacidade e segurança de dados para proteger essas informações e garantir o uso ético da IA, para garantir conformidade às legislações e regulamentações que tratam do tema, como o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

O terceiro ponto de atenção que destaco – e, certamente, existem vários outros – é decorrente do princípio de que os algoritmos de IA são tão bons quanto os dados nos quais são treinados. Assim, se os dados forem enviesados, os algoritmos podem perpetuar e até amplificar esses vieses, levando a decisões injustas e discriminatórias. Desta forma, é essencial desenvolver estratégias para identificar e mitigar esses vieses, quando do uso da IA, especialmente na educação.

O uso ético da IA na educação

A Unesco destaca a importância de abordar as questões éticas associadas ao uso da IA na educação. A “Recomendação sobre a Ética da Inteligência Artificial”, adotada pela Unesco em 2021, estabelece um marco para o desenvolvimento e o uso ético da IA, que deve ser guiado por princípios de integridade académica. Isso inclui garantir que os sistemas de IA sejam transparentes, justos e usados para promover o desenvolvimento humano e o bem-estar. Para isso, as instituições de ensino devem desenvolver políticas claras e orientações sobre o uso da IA, abordando questões como uso aceitável, privacidade de dados, viés algorítmico e segurança cibernética. Nesse contexto, a Unesco sugere alguns passos para a integração responsável da IA no processo de ensino-aprendizagem:

  1. Formação de capacitação interna: desenvolver programas de treino para que professores e administradores compreendam as aplicações e implicações da IA.
  2. Desenvolvimento de um Marco de Ação para a IA: criar políticas e frameworks para orientar o uso da IA nas instituições.
  3. Inovação na formação pedagógica e de competências: integrar a IA no currículo de forma que os estudantes desenvolvam tanto habilidades técnicas quanto meta-habilidades.
  4. Promoção da pesquisa e aplicação da IA: incentivar a pesquisa interdisciplinar e o desenvolvimento de novas aplicações de IA na educação.
  5. Mobilização do conhecimento e das comunidades em torno da IA: fomentar a colaboração entre instituições e comunidades para partilhar conhecimento e melhores práticas.
  6. Promoção da igualdade de género na IA e no ensino superior: implementar políticas para aumentar a participação de mulheres e outros grupos sub-representados na pesquisa e no desenvolvimento de IA.

A revolução da IA na educação está apenas a começar, mas o seu impacto já é profundo e abrangente. Desde a personalização da aprendizagem à otimização da administração institucional, a IA oferece inúmeras oportunidades para melhorar a educação superior. No entanto, é crucial abordar os desafios e as questões éticas associados ao uso da IA para garantir que seja utilizada de forma justa, inclusiva e responsável.

As instituições de ensino superior têm um papel vital a desempenhar na liderança dessa transformação, preparando os estudantes para o futuro do trabalho, promovendo a pesquisa interdisciplinar e desenvolvendo políticas robustas para o uso ético da IA. Com uma abordagem cuidadosa e informada, a IA pode ser uma força poderosa para o bem na educação, ajudando a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e promovendo um futuro mais equitativo e sustentável para todos.

1 Ayeni, O. O., Al Hamad, N. M., Chisom, O. N., Osawaru, B., & Adewusi, O. E. (2024). AI in education: A review of personalized learning and educational technology. GSC Advanced Research and Reviews, 18(02), 261–271. https://doi.org/10.30574/gscarr.2024.18.2.0062

Pells, R. (2019). How artificial intelligence is changing the education system. Times Higher Education.

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