Governança

Inovação, mercado e a biologia

Além de nos desafiarmos diariamente em ter uma visão mais ampla, que procure otimizar e melhorar pequenos ou grandes processos de nossas vidas, precisamos de ter a ciência que vivemos na maior janela de oportunidades da história.

Há centenas de milhões de anos atrás, uma micro criatura do fundo do mar mudou totalmente o curso da história, tornando-se o primeiro predador da história. Era uma criatura parecida com uma minhoca, com 30 membros, que vasculhava o fundo do mar durante o início do período Cambriano, segundo uma investigação liderada por Jean-Bernard Caron e Cédric Aria, do Museu Real de Ontário. A sua aparência bizarra e o seu padrão de alimentação são diferentes de qualquer coisa já vista.

Essa nova atividade de caça deu início a uma corrida armamentista evolucionária. Ao longo de milhões de anos, tanto os predadores quanto as presas desenvolveram corpos mais complexos que podiam sentir e mover-se com mais eficácia para capturar ou iludir outras criaturas.

Eventualmente, algumas criaturas desenvolveram um centro de comando para executar esses corpos complexos. Chamamos a isso de cérebro.

Este contexto histórico mostrou-nos como os cérebros evoluíram, mas deixando claro para todos algo que muitas vezes fica, por nós, totalmente esquecido. A função prioritária do nosso cérebro não é pensar, mas sim fazer funcionar os sistemas do nosso corpo para mantê-lo vivo e saudável. De acordo com descobertas recentes da neurociência, mesmo quando o nosso cérebro produz pensamentos e sentimentos conscientes, estão mais a serviço das necessidades de gerir o seu corpo do que imagina.

E em momentos stressantes como agora, durante a pandemia que assola o nosso planeta, essa perspectiva curiosa sobre a sua vida mental pode realmente ajudar a diminuir as suas ansiedades, bem como oportunizar novos cenários.

Grande parte da atividade do seu cérebro acontece fora da sua consciência. A cada momento, o seu cérebro deve descobrir as necessidades de seu corpo para o próximo momento e executar um plano para atender a essas necessidades com antecedência. Por exemplo, todas as manhãs, ao acordar, o seu cérebro antecipa a energia de que precisa para arrastar o seu corpo para fora da cama e começar o dia. Inunda proativamente a sua corrente sanguínea com a hormona cortisol, que ajuda a disponibilizar glicose para energia rápida.

O seu cérebro dirige o seu corpo usando algo como um orçamento. Um orçamento financeiro acompanha o dinheiro à medida que é ganho e gasto. O orçamento do seu corpo rastreia recursos como água, sal e glicose à medida que os ganha e perde. Cada ação que gasta recursos, como levantar-se, correr e aprender, é como um levantamento da sua conta. Ações que abastecem os seus recursos, como comer e dormir, são como depósitos.

O nome científico do orçamento corporal é alostase. Significa prever e preparar-se automaticamente para atender às necessidades do corpo antes que surjam. Considere o que acontece quando está com sede e bebe um copo d’água. A água leva cerca de 20 minutos para chegar à sua corrente sanguínea, mas sente menos sede em meros segundos. O que alivia a sua sede tão rapidamente? O seu cérebro. Aprendeu com experiências anteriores que a água é um depósito para o seu orçamento corporal que irá hidratá-lo, então o seu cérebro mata a sua sede muito antes de a água ter qualquer efeito direto sobre o seu sangue.

Logo, o nosso cérebro é, digamos, programado, para sempre procurar evitar o novo, o pensamento mais extenso, a saída do estado de conforto, pois procura sempre evitar consumo adicional de energia, e pensamentos aumentam em muito este consumo de energia (orçamento). Assim, biologicamente, o nosso cérebro tenta manter-mos num estado de conforto, de mais aceitação dos contextos, de forma a manter o máximo do tempo do nosso comportamento e pensamentos no modo automático. Por exemplo, hoje quando acordou, provavelmente fez a higiene básica escovando os seus dentes. Lembra-se qual o planeamento de que pensou antes de ir realizar a escovagem, pensou em qual parte iniciaria o processo de limpeza, quanto de pasta dentrífica colocaria na escova? Provavelmente pensou agora, “fiz tudo em modo automático”, como sempre, ou seja, o nosso cérebro, com base nas aprendizagens anteriores, já definiu um modelo de atuação que nos faz executar as coisas no modo automático. Situações como estas estão presentes em vários momentos dos nossos dias, como dirigir ao trabalho, servir um café entre outras tarefas quotidianas.

Desta forma, aceitamos e acreditamos mais nos modelos de que o ótimo é inimigo do bom, provavelmente procurando assim acreditar que uma nota 7, estar na média, é super positivo, pois estando na média, está confortável e não precisa assim gastar mais energia para ter algo que seria melhor posicionado, mas que o seu cérebro trabalha para que evite.

Assim sendo, além do facto que a maior parcela da sociedade atual tenha sido educada com base no sistema de educação tradicional, que é uma representação direta do sistema de produção das últimas décadas, em que os profissionais focam em realizar as mesmas ações todos os dias, procurando realizar as suas atribuições com o menor nível de pensamento e o máximo de produtividade, repetindo ações e agindo, assim, de maneira mais produtiva e no modo automático, dando um grande retorno na produtividade industrial, bem como uma provisória recompensa ao cérebro que não está muito direcionado a buscar algo fora do tradicional. Assim, a maioria das pessoas vivem na média, como todos, agindo dentro das premissas do sistema social e do sistema biológico.

Mas felizmente algumas pessoas conseguiram vencer este desafio biológico e, de alguma forma, também se permitiram questionar um pouco nosso modelo padronizado de educação, que por sinal, premia os alunos que estiverem na média mais do que tudo. Agora deve ter se questionado ou já imaginado uma série de pessoas conhecidas. Sim, provavelmente as pessoas que passou a ter em mente são as que possuem um perfil fora da média, ou seja, que tiveram um destaque frente a grande parcela das pessoas dos seus meios. Foram as pessoas que procuraram entregar ou questionar algo a mais, pensaram, confrontaram alguns modelos de pensamento tradicionais, bem como o seu próprio sistema biológico, tendo assim um protagonismo em vários temas de nossa sociedade, os quais muitos nomes nos trazem esta associação, como Elon Musk, Jeff Bezos, Martin Luther King Jr., Amelia Earhart, Rosa Parks, Steve Jobs, Roger Federer, Kathrine Switzer, Michael Jordan, Dan Ariely, Alexander Graham Bell, entre centenas de nomes que nos chegam na mente. Neste rol de nomes de grande destaque, também poderiam estar profissionais e executivos menos famosos, mas acima da média como muitos, que procuraram, da mesma forma, serem diferenciados na sociedade, como o empreendedor da fruteira do seu bairro que se destaca da grande maioria das fruteiras da região, aquele site de venda de calçados que o entende ou ainda aquela empresa do sistema financeiro que lhe atende de uma maneira muito próxima e assertiva.

Mas esta diferenciação de pessoas existe desde sempre, só que eventualmente não tão conhecida da grande maioria. Por exemplo, há 500 a.C., na Grécia antiga, havia um filósofo pré-socrático considerado o “Pai da dialética”, chamado de Heráclito. Certa vez, este filósofo partilhou a seguinte afirmação: “Não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado; por causa da impetuosidade e da velocidade da mutação, esta se dispersa e se recolhe, vem e vai.” Em bom português, a mensagem aqui é que nem o Rio, bem o Homem são os mesmos depois da primeira experiência, e assim somos. Provavelmente nesta etapa da leitura já tenha tido algumas mudanças, e eu, ao escrever, da mesma forma.

Assim, neste mundo em plena aceleração, em transição em vários pilares sociais e pessoais, e que fazem com que a nossa mudança seja intensa, nos direcionam para um caminho que devemos sim ser melhores do que éramos a cada dia para termos um protagonismo nas nossas ações, e assim, evitarmos comportamentos ultrapassados e ordinários, evitando sermos simples pessoas que compõem a média de atuação.

Muitas vezes os empresários e executivos percebem a mudança a chegar, mas sentem-se perdidos em meio a tantos caminhos que se apresentam como possibilidades de levar novos modelos de atuação para a sua carreira e o seu negócio. Sentem-se angustiados pela ameaça iminente. Se analisarmos apenas o indicador da FORTUNE 500 (500 maiores empresas do mundo), desde 2001, mais de 50% delas desapareceram, sem contar as que perderam espaço e reduziram.

A principal causa desse problema é a falta de consciência sobre o comportamento tradicional e confortável adotado na condução das suas empresas ou posições colocam estes em risco acelerado, potencializando-se como principal ameaça. O sistema em que fomos educados leva-nos a acreditar que é bom estar na média, na experiência, no conhecido. Porém, isso enfraquece frontalmente a sua posição e os seus negócios.

Vivemos uma era sem igual, acelerada, desafiadora e diante de uma das maiores disrupções da história da humanidade em termos de evolução em curto prazo, além da maior pandemia global já existente, que pela primeira vez na história do globo, paralisou grande parte das organizações e pessoas no mundo.

Uma rápida consulta nos jornais ou televisão, já é suficiente para nos deixar mais preocupados ainda, pois a quantidade de informação compartilhada pelos media tomou conta de todos nós como nunca antes, e a cada dia, nos desafiamos a conseguir ficar mais longe destas notícias.

Certa vez assisti uma palestra do TEDx de Kau Mascarenhas, e na sua apresentação destacava que a cada segundo, nós humanos, tornamo-nos diferentes, pois a cada fala, a cada linha lida de um livro, os nossos neurotransmissores atuavam na corrente sanguínea, fazendo a nossa biologia mudar, o que de facto, reforça, que a mudança está em todo lugar e a todo instante, em toda a nossa vida. Ler este livro, inclusive, deverá ser uma grande possibilidade de mudar em muitos aspectos.

Logo, além de nos desafiarmos diariamente em ter uma visão mais ampla, que procure otimizar e melhorar pequenos ou grandes processos das nossas vidas, precisamos ter ciência que vivemos na maior janela de oportunidades da história, pois hoje, com o grande acesso ao conhecimento que existe, quem tiver sabedoria e disciplina para buscar o melhor, será sem dúvida um grande protagonista de nossa sociedade. Fuja da média e protagonize!

Artigo de Carlos Bush, Autor – MIT Technology Review Brasil

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