Inovação

Novos químicos de materiais para as baterias de lítio impulsionam o mercado de veículos elétricos

O mercado de veículos elétricos tem crescido em duplos dígitos nos últimos dois anos, mas a taxa de penetração no setor automóvel é ainda de somente 3% de todos os automóveis comercializados no planeta. A consolidação do setor, que espera em 2030 responder por mais de 50% das vendas de automóveis, não virá somente por meio de incentivos estatais e legislações ambientais mais restritivas, mas também pelo avanço tecnológico de novos materiais componentes das baterias, que serão os responsáveis pela redução do custo, maior segurança e autonomia, e com uma diminuição significativa no tempo de recarga.

No centro da promoção da sustentabilidade crescente da mobilidade humana está o desenvolvimento contínuo de materiais mais avançados para baterias recarregáveis de íon-lítio utilizadas na eletrificação veicular. A tecnologia de baterias é um jogo de concessões. Para satisfazer a pressão da procura por carros elétricos mais baratos, capazes de atingir autonomia superior a 500 km e com tempo reduzido de recarga, menor do que 10 minutos, frequentemente a segurança e o tempo de vida útil de uma bateria são penalizados. Portanto, é de vital importância o desenvolvimento de novos materiais para que esta aparente contradição seja superada de modo a garantir uma transição integrada e de substituição crescente do motor a combustão interna para o motor elétrico que impulsiona os carros leves de passageiros, utilitários desportivos, autocarros e camiões.

Veículos elétricos em ascensão e na contramão do mercado

No ano de 2020 foram comercializados aproximadamente 3,26 milhões de carros elétricos e híbridos em todo o mundo, um aumento de 43,2% em relação ao ano anterior. Um crescimento significativo, em plena pandemia da Covid-19, que levou a indústria automobilística global a uma redução de 14% nas suas vendas. A Europa foi o principal responsável por este crescimento, com aumento de 137% nas vendas, superando a China como o principal mercado para veículos elétricos. O Brasil não ficou para trás e por aqui também as vendas cresceram, um aumento de cerca de 66,5% no emplacamento, de acordo com a Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE).

A ascensão do mercado de carros elétricos e híbridos está associada a vários fatores como os incentivos fiscais, o compromisso dos países em implementar legislações ambientais que penalizam as emissões de CO2 (e.g., Acordo de Paris em 2015) e o anúncio do banimento de motores de combustão interna. Apesar de todo o desenvolvimento tecnológico que reduziu consideravelmente o custo das baterias nos últimos 10 anos e o esforço das construtoras em oferecer diferentes opções, o preço ainda continua alto e fora do alcance de grande parte da população. Um estudo realizado nos EUA pelo Centro Nacional para o Transporte Sustentável (NCST) mostrou que a adoção de veículos elétricos é maior entre aqueles com maior poder aquisitivo (+ 100.000 dólares por ano), que respondem por mais de 50% das compras. Não é surpresa então, que em termos absolutos, a taxa de penetração dos carros elétricos e híbridos no mercado mundial de automóveis seja ainda pequena, em torno de 3% do total comercializado.

Total de vendas de carros elétricos e híbridos nos principais mercados do mundo nos anos de 2019 e 2020

Fonte: EV-volumes

Não somente a redução do preço será necessária para que os veículos elétricos se tornem a preferência da maioria dos consumidores. Outros aspectos como segurança, autonomia, tempo de recarga e o custo de propriedade devem ser também levados em consideração e para estes a intervenção estatal no mercado, por meio de incentivos fiscais e legislações ambientais restritivas, não será suficiente para a manutenção crescente da comercialização. Por sua vez, o contínuo desenvolvimento tecnológico, principalmente através da introdução de novos materiais componentes das baterias, poderá garantir a consolidação do setor.

Tecnologia de materiais das baterias de íon-lítio

O veículo elétrico está no centro da transição para uma economia mais descarbonizada porque, dentre as alternativas existentes para a mobilidade humana mais sustentável, é o que está em um estágio do desenvolvimento mais avançado, no que tange a satisfação de uma escala crescente de utilização comercial e possível de adoção por grande parte da população mundial. E tudo isso se deve ao desempenho dos materiais utilizados no interior das baterias.

As baterias de íon-lítio são constituídas por quatro componentes básicos: o cátodo (polo positivo), o ânodo (polo negativo), o eletrólito e o separador. Cada componente tem os seus materiais e composições específicas para o papel que exercem no funcionamento de uma bateria. A variação das possíveis combinações dos materiais utilizados define o desempenho de uma bateria e a sua aplicação comercial final. Para os veículos elétricos os materiais dos cátodos são principalmente combinações de metais como o Li (lítio), Ni (níquel), Co (cobalto), Mn (manganês) e Fe (ferro), enquanto para os ânodos os materiais mais utilizados são a base de carbono, como o grafite natural e sintético.

Esquema de uma célula de bateria de íon-lítio com os seus componentes básicos: cátodo, ânodo, eletrólito e separador

O cátodo é o componente que determina a capacidade de armazenamento de energia e, por isso, as baterias são definidas pela composição química de seus cátodos. O ânodo está associado com o tempo de recarga e com a segurança de uma bateria. Estes dois componentes respondem por grande parte do desenvolvimento de novos materiais que prometem reduzir o custo, aumentar a autonomia, diminuir o tempo de recarga e tornar os veículos elétricos mais seguros.

Composição química e propriedades dos principais cátodos utilizados comercialmente para as baterias de íon-lítio utilizadas em veículos elétricos, eletrônicos de consumo, equipamentos industriais, etc.

Fonte: Lithium-Ion Battery Chemistries – A Primer, 2019

Energia e durabilidade precisam andar de mãos dadas

O aumento da capacidade de armazenamento de energia de uma bateria tem dois impactos diretos na comercialização dos veículos elétricos. O aumento de energia leva a uma redução dramática no custo da bateria e também a uma maior autonomia na dirigibilidade para uma carga completa. Para isso, as formulações comerciais existentes dos cátodos precisam ser modificadas para que um aumento real de 20% a 30% de energia seja possível.

Diferentes estratégias estão a ser perseguidas pelas principais empresas do setor como Tesla-Panasonic, LG Energy Solution e CATL, no desenvolvimento de químicos de materiais mais avançados para cátodos de mais alta energia. O aumento do teor de Ni (níquel) e a concomitante diminuição gradual do teor de Co (cobalto) têm sido a preferência para as novas formulações que começam a chegar ao mercado. Outra forma de aumentar o nível de energia é elevar a voltagem de operação dos cátodos, para valores entre 4.7 e 5 V, o que também permitiria a eliminação completa do cobalto. Formulações disruptivas que acomodam um excesso de íons de lítio na estrutura dos cátodos prometem níveis de energia ainda mais elevados, com até 50% a mais de energia em relação a tecnologia atual, mas ainda precisam superar alguns desafios tecnológicos para que estejam disponíveis para a comercialização até o fim da década.

Entretanto, o aumento de energia dos cátodos traz alguns efeitos colaterais. O maior deles é a degradação acelerada dos materiais, devido a reações indesejáveis com o eletrólito, o que leva a redução significativa do tempo de vida útil das baterias. A solução para a garantia da durabilidade, que hoje, por exigência de mercado, deve chegar até 15 anos de vida útil, passa pelo uso crescente de aditivos. Aditivos a base de metais como o nióbio (Nb), zircônio (Zr), alumínio (Al) e boro (B), conseguem minimizar a degradação dos cátodos de mais alta energia, por meio da dopagem da estrutura interna em combinação com a proteção por recobrimento da superfície que está em contato direto com o eletrólito.

O aumento da capacidade de energia tem também sido perseguido através de materiais como o silício (Si) e o lítio-enxofre (Li-S). São materiais de baixo custo e com elevada capacidade gravimétrica, mas de baixa capacidade volumétrica. Para veículos elétricos, materiais com elevada capacidade volumétrica devem ser priorizados devido às restrições de espaço para a colocação das baterias, o que deve limitar a competitividade das baterias de Si e Li-S no setor automóvel. Mas o potencial é enorme para o mercado de sistemas de armazenagem de energia e para outras aplicações onde a restrição de espaço e volume não é determinante.

Recarga ultrarrápida e a segurança das baterias

É comum os utilizadores de veículos elétricos deixarem os seus automóveis recarregar a bateria durante a noite. Este comportamento está com os dias contados. Um dos fatores limitantes para a recarga ultrarrápida na tecnologia atual é a escolha do grafite como o principal material utilizado no ânodo de uma bateria de íon-lítio. O grafite não pode ser recarregado rapidamente com regularidade, não somente pelas propriedades inerentes do material, o que leva à degradação acelerada, mas principalmente por aumentar a insegurança por causa do aumento da resistência interna e formação de dendritos. Estes dois fatores se retroalimentam com o aumento incontrolável da temperatura e curto-circuito interno, gerando gases inflamáveis e levando a queima e explosão de uma bateria. Este é o cenário que ocorreu em diferentes veículos elétricos de construtoras como a Tesla, Porsche e Hyundai, e também nos telemóveis da Samsung.

A recarga ultrarrápida verdadeira, segura e com regularidade está se tornando realidade por meio do desenvolvimento de novas químicas de ânodos que tem preferencialmente na sua composição a combinação de óxidos de nióbio, titânio e tungstênio. Empresas como a Toshiba, em parceria com a brasileira CBMM, e startups na Inglaterra (Echion Technologies e Nyobolt) e EUA (Battery Streak) já anunciaram o desenvolvimento avançado destes materiais e que já estão em fase de pré-comercialização. Todas prometem tempo de recarga inferior a 10 min para até 80% da capacidade da bateria, com extrema segurança e vida útil que pode chegar a 20 anos. Outra vantagem destes novos ânodos é a capacidade de manter elevadas taxas de recarga em temperaturas bem baixas, próximas a 30 graus negativos, o que resolveria o problema em regiões de inverno rigoroso, onde os veículos elétricos simplesmente param de funcionar.

A recarga ultrarrápida poderá ainda ajudar a reduzir o tamanho das baterias, o que não só tornaria o custo mais baixo, mas também diminuiria o peso dos veículos elétricos. Carros menores, melhores adaptados aos grandes centros urbanos, e o advento da mobilidade partilhada como serviço, serão os primeiros grandes beneficiários desta tecnologia.

Baterias de estado sólido

O processo evolutivo das baterias de íon-lítio deve atingir o zênite em termos de eficiência e desempenho com a introdução das baterias de estado sólido. Os principais benefícios das baterias de estado sólido devem satisfazer grande parte dos desafios tecnológicos ainda existentes para as baterias de íon-lítio. São menores, com redução entre 25 a 50% nas dimensões de uma bateria convencional, o que aumenta a razão entre peso e capacidade de armazenamento. São capazes de recarga ultrarrápida, de poucos minutos. O tempo de vida útil é altíssimo, podendo chegar a 30 anos de utilização ininterrupta. São ainda mais baratas e bastante seguras.

Esta tecnologia viabiliza a utilização do lítio metálico no ânodo, o que irá mais do que duplicar a densidade energética das baterias. Em termos de materiais, o maior desafio passa pelo desenvolvimento de eletrólitos sólidos que tenham alta condutividade iônica e que possam substituir os atuais eletrólitos líquidos de maneira eficiente. Esta modificação resulta em uma maior segurança e a completa eliminação de substâncias tóxicas e inflamáveis típicas dos eletrólitos líquidos.

Três tipos de eletrólitos sólidos à base de sulfetos, óxidos cerâmicos de metais de transição e terras raras, e polímeros estão entre os materiais desenvolvidos por empresas como Toyota, QuantumScape, Solid Power e Ionic Materials. A Toyota já saiu na frente das principais montadoras, com uma proteção intelectual que já atinge 1.000 patentes concedidas para esta tecnologia, mas também por anunciar a fabricação de um carro elétrico conceitual a nível de protótipo ainda para este ano e uma possível comercialização a partir de 2025.

Esquema comparativo de uma bateria de íon-lítio convencional em relação a uma bateria de estado sólido

Até 2030 é de se esperar um contínuo avanço nas químicas de materiais para as baterias de íon-lítio. Não só a procura por melhores baterias pressiona os fabricantes, mas as aplicações estão se diversificando cada vez mais e novas formulações são necessárias. Custo, segurança, autonomia e reduzido tempo de recarga são fatores determinantes para a transição definitiva para a mobilidade elétrica.

Artigo de Robson Monteiro – Autor, MIT Technology Review Brasil

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