Negócios e Economia

O Decisor e a Memória Externa: A nova equação da vantagem competitiva: Racionalidade Estendida

A humanidade sempre tentou encontrar caminhos para melhorar o cérebro que a evolução lhe deu. Temos uma longa história no que diz respeito à tentativa de melhorar e treinar os nossos cérebros para que estes sejam mais eficientes e confiáveis no alcance dos nossos objectivos.

O Homem conseguiu ampliar os limites da sua memória, quando começou a desenhar as suas memórias nas paredes das cavernas, em tabuletas de argila e mais tarde em papiros e pergaminhos.

Os gregos antigos tentaram melhorar a sua memória através de métodos de treino do cérebro, como o método de loci*, depois tanto os gregos como os egípcios inventaram a biblioteca, um grande repositório de conhecimento, tornando-se assim especialistas em externalizar informações.

Não se sabe como, e porque motivo é que estas explosões simultâneas de actividade intelectual aconteceram, talvez a experiência humana tenha atingido um certo nível de complexidade, mas a necessidade humana de organizar as nossas vidas, o nosso ambiente externo e até os nossos pensamentos, é um imperativo muito forte até aos dias de hoje (Levitin, 2014).

Hoje desenvolvemos outros mecanismos mais precisos e mais complexos como os armários, calendários, os computadores e os smartphones, que nos ajudam a organizar e armazenar a informação e o conhecimento de uma forma mais eficiente e precisa.

Uma vez que a memória se tornou externa, o sistema de atenção do cérebro foi libertado para se concentrar e focar noutras coisas. Mas ao mesmo tempo que o Homem encontrou uma solução para exteriorizar e libertar a sua memória, também encontrou vários problemas: como o seu armazenamento, a sua indexação e o seu acesso, pois já não possuía externamente aquilo que tinha internamente: o software mais avançado do mundo de indexação e pesquisa, o seu cérebro.

Ainda não existe na atualidade nenhum software tão poderoso como o nosso cérebro, sendo que uma das propriedades mais atraentes da arquitetura do mesmo é o acesso associativo. O acesso associativo significa que os nossos pensamentos podem ser acedidos de diversas maneiras por uma associação semântica ou perceptual. As memórias podem ser desencadeadas por palavras relacionadas, por nomes, por categorias, por fotografias, etc, ou até mesmo por disparos neurais aparentemente aleatórios (Levitin, 2014).

A nossa capacidade de aceder de forma aleatória à nossa memória a partir de múltiplas pistas é especialmente poderosa. Os informáticos chamam a este processo de memória relacional, atualmente já é frequente ouvir-se falar de base de dados relacionais (in-memory databases) que é precisamente uma tentativa de recriar a memória humana.

Atualmente somos confrontados com uma quantidade sem precedentes de informações, e cada um de nós gera mais informações do que nunca na história da humanidade.

Pondo em contexto, só uma edição semanal do New York Times tem mais informação do que aquela com que um cidadão comum do século XVII se poderia deparar durante a sua vida inteira (Bawden & Robinson, 2008).

O nosso cérebro não evolui tão rapidamente como este dilúvio de informação, a evolução é lenta, e esta capacidade de processamento de tanta informação tem um custo. Primeiro não conseguimos separar o trivial do importante, depois este processamento faz-nos ficar literalmente cansados. Os neurónios são células vivas, e como tal precisam de oxigénio e glicose para sobreviver e quando eles estão a “trabalhar” para processar tamanha quantidade de informação, o oxigénio e glicose começa a faltar, daí sentirmos fadiga (Klingberg, 2008).

A capacidade de processamento da mente consciente está estimada em 120 bits por segundo. Esta largura de banda, é o limite de velocidade para o tráfego de informação que um ser humano pode conscientemente prestar atenção (Levitin, 2014).

Com essa restrição ficamos limitados com a interação com os outros. Para entender uma pessoa que está a falar connosco precisamos de processar 60 bits de informação por segundo. Então se temos um limite de processamento de 120 bits por segundo, isso significa que dificilmente conseguimos ouvir com atenção duas pessoas ao mesmo tempo (Levitin, 2014).

A atenção torna-se claramente o recurso mental mais essencial de nosso organismo.

  • Como é que libertamos o nosso cérebro para que este se foque nas coisas e decisões que são realmente importantes?
  • Como é que ultrapassamos os limites mais evidentes impostos à capacidade de empregar estratégias eficientes na tomada de decisão?
  • Será que auxiliares de Memória Externos podem nos ajudar a tomar melhores decisões?
  • Será que o paradigma do consumo de informações na tomada de decisão está a mudar?

Racionalidade Limitada e Memória

Segundo Herbert Simon (1979), circunstâncias complexas, tempo limitado, e um poder computacional mental inadequado reduz os decisores a um estado de “racionalidade limitada”.

Esta teoria da “racionalidade limitada” sugere que o decisor, quando confrontado com uma situação complexa, por vezes para além da sua compreensão, utiliza as suas capacidades de processamento e análise de informação para procurar alternativas, para calcular consequências, para resolver incertezas e para, de vez em quando, encontrar soluções que serão suficientes para a decisão de momento (Simon, 1965).

Simon (1979) alerta que é impossível que o indivíduo conheça todas as alternativas de que dispõe ou todas as suas consequências, o indivíduo pode percorrer apenas um caminho e nunca saberá se aquele que escolheu é o melhor, embora sob certas condições ele possa ter um palpite razoável.

Quanto às limitações de conhecimento, Simon (1965) propõe que não é possível ao decisor ter acesso a todas as possibilidades de ação, medindo todas as opções, tendo em vista a impossibilidade material de obter todas as informações, dados problemas de tempo e custo.

O decisor contenta-se em adquirir um número limitado de informações, “o chamado nível satisfatório”, que possibilita a identificação dos problemas e algumas soluções alternativas. “O que o indivíduo faz, na realidade, é formar uma série de expectativas das consequências futuras, que se baseiam em relações empíricas já conhecidas e sobre informações acerca da situação existente” (Simon, 1965).

A força mais importante desta teoria é que ela contribui imenso para compreender e superar os limites da teoria da racionalidade perfeita ou plena.

Simon (1979) numa crítica à economia clássica observava: “Temos visto que a teoria clássica nos leva sempre às mesmas conclusões e que os princípios da racionalidade perfeita são contrários aos factos que realmente ocorrem no processo real de tomada de decisão. Hoje entendemos muito do mecanismo da escolha racional humana. Sabemos como funciona o sistema de processamento de informações chamado homem. Face à complexidade, além da sua percepção, usa a capacidade de processar informações para encontrar alternativas, para calcular consequências, para resolver incertezas, e desse modo – algumas vezes, não sempre –, encontrar a maneira de ação que seja suficientemente satisfatória.”

 Memória

A mente, ao contrário do computador, é psicológica, não lógica; maleável, não fixa. Certamente é racional tratar problemas idênticos de forma idêntica, mas frequentemente as pessoas não o fazem; as suas escolhas sofrem alterações quando mudam a opção padrão ou a ordem das mesmas. As pessoas baseiam-se em modelos mentais que dependem da situação e da cultura para interpretar experiências e tomar decisões (World Bank, 2015).

As pessoas geralmente dispõem de mais informações do que podem processar. Há um número elevado e não administrável de formas de organizar as informações que está relacionado a qualquer decisão.

Muitas das nossas decisões diárias são baseadas na memória, as informações sobre as alternativas de qualquer decisão têm que ser recordadas. Estudos comportamentais sugerem que para este tipo de decisões costumamos usar uma estratégia simples (heurística) que depende de uma pesquisa controlada e limitada de informações (Khader et al., 2011).

Os limites mais evidentes impostos à capacidade de empregar estratégias eficientes derivam da pequena capacidade da estrutura da memória de curto prazo e do tempo relativamente longo requerido para transferir um pacote de informações da memória de curto prazo para a de longo prazo (Simon, 1981).

Quando passamos de tarefas que requerem principalmente o exercício da memória de curto prazo e das capacidades de processamento do sistema nervoso a tarefas que envolvem recuperação de informação armazenada, encontramos novos limites de adaptação (Simon, 1981).

Quando o decisor resolve problemas em campos semanticamente ricos, uma parte importante da pesquisa tem lugar na memória de longo prazo e é orientada pela informação nela descoberta. Logo, uma explicação da resolução de problemas neste domínio deve basear-se numa teoria aproximada da memória (Simon, 1981).

Simon (1981: 18) refere que “… as experiências dizem-nos que os seres humanos não têm meios suficientes de armazenar informações em memória a poderem aplicar a estratégia eficiente, a menos que a apresentação dos estímulos seja feita em ritmo muito lento, ou que lhes seja permitido o uso de auxiliares de memória externos, ou ambos.”

Auxiliares de Memória Externos

Como foi referido no ponto anterior um dos grandes limites que o decisor tem na aplicação de uma estratégia eficiente na tomada de decisão é a sua memória, a não ser que lhe seja permitido o uso de auxiliares de memória externa.

A nossa capacidade de armazenar informação é limitada, agora pense como funciona o seu computador. Quando um computador tem o disco interno cheio, começa a ficar lento, os programas começam a dar mais erros e a probabilidade destes “cracharem” é elevada.

E o que é que fazemos quando temos o disco cheio?

Ou apagamos coisas que já não nos interessam, ou passamos essas coisas para um disco externo.

Por isso, por norma deixamos os programas e os documentos que nos são vitais para o dia a dia no disco do computador, e tudo o resto colocamos em discos externos, e a única coisa que precisamos de saber é em que disco está essa informação.

Isso é exatamente o que acontece com o nosso cérebro e com a nossa memória.

Essa ideia é ao mesmo tempo uma metáfora e uma realidade física.

Estamos a descarregar uma grande quantidade de processamento que os nossos neurónios normalmente fazem, para um dispositivo externo que se torna uma extensão do nosso próprio cérebro, um potenciador neural.

Num estudo publicado na revista Science sobre o efeito do Google na memória e as consequências cognitivas de ter a informação na ponta dos dedos (Sparrow et al., 2011) onde foram feitas várias experiências com 106 estudantes de Harvard e 62 de Columbia, concluiu que as pessoas se esquecem dos itens que acham que vão estar disponíveis externamente e lembram-se dos itens que acham que não estarão disponíveis externamente.

Concluiu ainda que é evidente que as pessoas são mais capazes de se lembrarem de onde um item foi armazenado que a identidade do próprio item.

De uma forma básica, quando uma pessoa é confrontada com uma pergunta, esta em vez de se lembrar da resposta em si, lembra-se antes do local onde pode encontrar a resposta.

Estamos a tornar-nos em seres simbióticos com as nossas ferramentas computacionais, estamos a crescer em sistemas interconectados em que nos preocupamos cada vez menos em saber a informação per se, para saber onde é que essa informação pode ser encontrada.

Isto dá-nos claramente uma vantagem no acesso a uma enorme gama e quantidade de informação, gama e quantidade essa que é impossível guardar e aceder na nossa memória, e uma vez que a memória se tornou externa, o sistema de atenção do cérebro é libertado para se concentrar e focar noutras coisas mais importantes.

Os autores deste estudo (Sparrow, Liu, & Wegner, 2011) ficaram surpreendidos não pela nossa dependência de informação não memorizada, mas pela eficiente capacidade que temos em encontrá-la.

Este estudo é suficientemente convincente para afirmarmos que não existem dúvidas que as nossas estratégias de aprendizagem e de tomada de decisões estão a mudar. Para quê nos lembrar de algo quando podemos facilmente procurar e encontrar?

Este ambiente rico em informações é altamente estimulante para explicar o misterioso Flynn Effect.

Nunca ouviu falar neste efeito? 

Não se preocupe, neste momento já está a pensar que existe um artigo na Wikipédia sobre isto.

*Método de loci (loci = plural de locus, lugar em latim), também conhecido como “O palácio da memória”, é uma técnica mnemônica que depende de relações espaciais memorizadas para estabelecer, ordenar e recuperar conteúdo da memória. Baseia-se na criação de um lugar imaginário, que pode ser construído e inspirado num lugar familiar, ou criar um lugar imaginário totalmente fictício, ou a combinação de ambas as coisas.

Artigo de Rui Silva, Autor – MIT Technology Review Portugal