O futuro dos drones
Inteligência Artificial

O futuro dos drones

Drones policiais, entregas de sangue, regulações favoráveis à tecnologia, e armas autónomas são sinais de que a tecnologia de drones está a mudar rapidamente.

Os drones têm sido uma tecnologia fundamental para militares, entusiastas e elementos de primeira intervenção durante mais de uma década, tendo a variedade disponível aumentado significativamente durante esse período. Os drones já não estão limitados a pequenos quadricópteros com baterias com autonomia insuficiente; atualmente, estão a auxiliar os esforços de busca e salvamento, a transformar as guerras na Ucrânia e em Gaza, e a entregar pacotes urgentes de equipamentos médicos. Biliões de dólares estão a ser investidos na construção da próxima geração de sistemas totalmente autónomos.

Estes progressos levantam uma série de questões: serão os drones suficientemente seguros para serem pilotados em bairros e cidades populosas? Será uma violação de privacidade o controlo de drones durante um evento ou protesto? Quem decide o nível de autonomia aceitável dos drones em zonas de guerra?

Estas perguntas já não são hipotéticas. Os avanços da tecnologia e dos sensores de drones, a queda dos preços e a atenuação de regulamentos tornaram-nos mais baratos, mais rápidos e mais competentes do que nunca. Eis quatro das maiores mudanças que irão ocorrer na tecnologia de drones no futuro próximo.

Frotas de drones policiais

Atualmente, mais de 1500 departamentos da polícia nos Estados Unidos têm programas de drones, segundo um levantamento do projeto Atlas of Surveillance. Os pilotos da polícia treinados usam os drones para operações de busca e salvamento, para a vigilância de eventos e de multidões, e para outros propósitos. Por exemplo, o departamento da polícia de Scottsdale, no Arizona, utilizou um drone com sucesso para localizar um idoso com demência que estava perdido, conta Rich Slavin, chefe assistente da polícia de Scottsdale. Ele diz que o departamento teve experiências úteis com os drones até o momento, ainda que limitadas, e que os seus pilotos foram frequentemente limitados pela regra da “linha de visão” da Administração Federal de Aviação (FAA). A regra estipula que os pilotos devem sempre conseguir ver os seus drones, o que limita severamente o alcance do dispositivo.

Em breve, isso irá mudar. Nos próximos meses, a polícia de Scottsdale irá instalar um novo drone policial, num telhado algures na cidade, capaz de descolar, voar e aterrar de maneira autónoma. Rich diz que o departamento pretende obter uma isenção da FAA para poder pilotar o seu drone além da linha de visão. (Centenas de agências policiais receberam uma isenção da FAA desde que a primeira foi concedida em 2019.) O drone, que pode voar até 92 quilómetros por hora, fará missões a até 4,8 quilómetros de distância da sua estação de ancoragem, e o departamento diz que o dispositivo será utilizado para ações como seguir suspeitos ou fornecer um feed visual de um polícia que espera apoio em operações de detenção temporária do condutor e dos ocupantes de um veículo.

“A FAA tem sido muito mais progressiva na forma como estamos a entrar neste campo”, diz Rich . Isso pode significar que, nos Estados Unidos, ver (e ouvir) um drone da polícia a sobrevoar o céu irá tornar-se muito mais comum.

O departamento de Scottsdale diz que o drone, o qual vai comprar pela empresa Aerodome, irá dar início ao seu programa de drones como elementos de primeira intervenção e desempenhar um papel no novo real time crime center do departamento (real time crime centers são unidades especializadas dentro dos departamentos policiais que utilizam as tecnologias mais recentes para monitorizar espaços públicos e documentar incidentes). Estes tipos de centros são cada vez mais frequentes no policiamento dos Estados Unidos, e permitem às cidades conectar câmeras, leitores de matrículas, drones e outros métodos de monitorização para acompanhar situações em tempo real. O aumento do número de centros, e a sua associada dependência de drones, foi alvo de críticas de defensores da privacidade, os quais afirmam que estes centros exercem uma vasta vigilância, mas são pouco transparentes acerca da forma como as imagens dos drones e de outras fontes serão utilizadas ou partilhadas.

Em 2019, o departamento da polícia de Chula Vista, na Califórnia, foi o primeiro a receber uma isenção da FAA para voar além da linha de visão. O programa gerou críticas de membros da comunidade, que alegaram que o departamento não foi transparente sobre as imagens recolhidas pelo programa ou como seria usado.

Jay Stanley, analista de políticas principal do projeto Speech, Privacy and Technology da American Civil Liberties Union (ACLU), diz que as isenções intensificam os problemas de privacidade existentes relacionados com os drones. Se a FAA continuar a concedê-las, os departamentos da polícia poderão cobrir uma área maior do que nunca de uma cidade com os dispositivos, enquanto o panorama jurídico permanece pouco claro acerca da possibilidade de isto constituir uma invasão de privacidade.

“Se existir uma acumulação de usos diferentes desta tecnologia, vamos acabar num mundo onde, a partir do momento em que saímos pela porta da frente, vamos ter a sensação de estar sob o olhar constante da polícia vindo do céu”, diz Jay. “Esta tecnologia pode ter alguns benefícios reais, mas também precisa seriamente de forte controlo e equilíbrio.”

A polícia de Scottsdale diz que o drone poderia ser usado numa variedade de cenários, como em resposta a um roubo em curso ou para seguir um condutor suspeito de estar envolvido num rapto. No entanto, o verdadeiro benefício, segundo Rich, virá da sua combinação com outras tecnologias existentes, como leitores de matrículas automáticos e as centenas de câmeras instaladas pela cidade. “O drone pode chegar a locais muito, muito rapidamente”, diz. “Dá-nos inteligência em tempo real e ajuda-nos a responder de forma mais rápida e inteligente.”

Embora os departamentos da polícia possam definitivamente beneficiar da utilização de drones nessas situações, Jay diz que a ACLU descobriu que muitos os usam para casos bastante mais comuns, como relatos de uma criança a atirar uma bola contra uma garagem ou de “pessoas suspeitas” numa zona.

“Isso leva as pessoas a questionar se esses programas serão apenas mais uma forma de as comunidades vulneráveis serem excessivamente policiadas e prejudicadas pelas autoridades policiais que punem pessoas por qualquer tipo de transgressão menor”, diz ele.

Entregas com drones, de novo

Talvez nenhuma tecnologia de drones seja mais excessivamente publicitada do que as entregas ao domicílio. Durante anos, empresas de tecnologia têm exibido imagens futurísticas de drones a entregar encomendas à porta de casa poucas horas após serem encomendadas. Contudo, nunca conseguiram expandi-las muito além de projetos-piloto em pequena escala, pelo menos nos Estados Unidos, maioritariamente devido às regras da linha de visão da FAA.

No entanto, serão efetuadas mudanças regulatórias este ano. Assim como os departamentos da polícia, o programa Prime Air da Amazon estava anteriormente restrito a pilotar os seus drones dentro da linha de visão do piloto. Isso deve-se ao facto de os pilotos destes dispositivos não terem radar, controladores de tráfego aéreo ou qualquer outro sistema do qual os voos comerciais dependem para monitorizar as rotas aéreas e mantê-las seguras. Para compensar, a Amazon passou anos a desenvolver um sistema de bordo que permitiria aos seus drones detetar objetos próximos e evitar colisões. A empresa afirma que demonstrou à FAA que os seus drones poderiam voar de forma segura no mesmo espaço aéreo que helicópteros, aviões e balões de ar quente.

Em maio, a Amazon anunciou que a FAA tinha concedido à empresa uma isenção e permissão para expandir as suas operações no Texas, nos Estados Unidos, mais de uma década após o início do projeto Prime Air. E, em julho, a FAA eliminou mais um obstáculo ao permitir que duas empresas, a Zipline e a Wing Aviation da Google, voassem simultaneamente no mesmo espaço aéreo sem a necessidade de observadores visuais.

Embora tudo isto signifique que as hipóteses de recebermos uma encomenda via drone tenham aumentado ligeiramente, a utilização mais convincente podem ser as entregas médicas. Shakiba Enayati, professora-assistente de cadeias de abastecimento da universidade University Missouri-St. Louis, passou anos a pesquisar como os drones poderiam realizar a última etapa da entrega de vacinas, antivenenos, órgãos e sangue em locais remotos. Segundo ela, os seus estudos descobriram que os drones são fatores decisivos no transporte de equipamentos médicos até populações carentes, e, se a FAA estender estas mudanças regulatórias, poderá haver um impacto real.

Isso seria especialmente verdade nos momentos que antecedem o transplante de um órgão, diz ela. Antes que possa ser transferido um órgão a um recetor, é necessário enviar constantemente vários exames de sangue para garantir que o recetor o pode aceitar, o que pode ser uma tarefa demorada se o sangue for transportado de carro ou mesmo de helicóptero. “Nesses casos, o relógio não para”, diz Shakiba. Se fosse permitido o uso de drones em escala nesta etapa, seria uma melhoria significativa.

“Se a tecnologia apoiar as necessidades da entrega de órgãos, fará uma grande mudança numa área muito importante”, afirma.

A utilização de drones para o transporte de equipamentos médicos pode vir a verificar-se mais rapidamente do que a sua utilização para a entrega de órgãos, os quais têm de ser transportados sob condições rigorosamente controladas para serem preservados.

Domesticação da cadeia de abastecimento de drones

Promulgada em dezembro do ano passado, a lei American Security Drone Act impede as agências federais de comprar drones de países que representem uma potencial ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos, como a Rússia e a China, o que é significativo. A China é a líder incontestável da produção de drones e das suas peças, e mais de 90% dos drones das agências legalmente autorizadas nos Estados Unidos são fabricados pela empresa DJI, sediada em Shenzhen, na China. Para além disso, muitos dos utilizados por ambos os lados da guerra na Ucrânia são fabricados por empresas chinesas.

A lei American Security Drone Act faz parte de um esforço para limitar essa dependência na China. (Enquanto isso, a China tem aumentado as restrições de exportação de drones para usos militares.) Como parte da legislação, a unidade Defense Innovation Unit do Departamento de Defesa dos Estados Unidos criou a Blue UAS Cleared List, uma lista de drones e peças que a agência investigou e aprovou para compra. A lista aplica-se a agências federais e a programas que recebem financiamento federal, o que geralmente se refere a departamentos da polícia dos estados americanos ou a outras agências não federais.

Como os Estados Unidos pretendem gastar quantias significativas em drones, com 1 bilião de dólares destinados apenas à iniciativa Replicator do Departamento de Defesa, entrar na Blue UAS Cleared List é extremamente importante. Isto significa que essas agências federais podem fazer grandes aquisições sem terem de lidar com muita burocracia.

Allan Evans, Diretor Executivo da empresa Unusual Machines, sediada nos Estados Unidos, uma fabricante de peças para drones, diz que a lista provocou um aumento significativo de empresas de drones que tentam adequar-se aos padrões dos Estados Unidos. A empresa de Allan fabrica um controlador de voo com visão em primeira pessoa, que ele espera que se torne o primeiro deste género a ser aprovado para a Blue UAS Cleared List.

É improvável que a lei American Security Drone Act afete aquisições privadas efetuadas nos Estados Unidos de drones usados por videógrafos, corredores de drones ou entusiastas, os quais irão continuar a ser maioritariamente fabricados por empresas sediadas na China, como a DJI. Isso significa que qualquer empresa de destes dispositivos sediada nos Estados Unidos, pelo menos a curto prazo, só irá sobreviver se atender ao mercado de defesa do país.

“Basicamente, qualquer empresa dos Estados Unidos que não esteja disposta a ter um envolvimento auxiliar no trabalho de defesa irá sair a perder”, conta Allan.

Os próximos meses irão mostrar o verdadeiro impacto da lei. Como o ano fiscal dos Estados Unidos termina em setembro, Allan diz que espera ver um grande número de agências a gastar o seu financiamento baseado no princípio “o que não se usa, perde-se” em drones e componentes de drones fabricados nos Estados Unidos durante o mês. “Isso irá indicar se o mercado existe ou não, e quanto dinheiro está a ser realmente investido nele”, diz.

Armas autónomas na Ucrânia

A guerra de drones na Ucrânia tem sido, em grande parte, uma guerra de atrito. Desde o início da guerra, os drones têm sido usados extensivamente para fazer levantamento de danos, localizar e seguir alvos, ou entregar armas; no entanto, estes drones quadricópteros duram, em média, apenas três voos antes de serem abatidos ou se tornarem impossíveis de pilotar devido ao bloqueio do GPS. Como resultado, tanto a Ucrânia quanto a Rússia priorizaram a acumulação de grandes volumes de drones com a expectativa de que os aparelhos não durariam muito tempo em combate.

Agora, são obrigados a repensar essa abordagem, de acordo com Andriy Dovbenko, fundador da UK-Ukraine TechExchange, um programa sem fins lucrativos que auxilia start-ups envolvidas no esforço de guerra e na eventual reconstrução da Ucrânia a obter capital. Ao trabalhar com fabricantes de drones na Ucrânia, Andriy viu a procura por tecnologia mudar de enormes expedições de drones comerciais simples para uma necessidade urgente de drones capazes de voar autonomamente num ambiente onde o GPS foi bloqueado, afirma. Com 70% das linhas da frente a sofrer com este bloqueio, segundo Andriy, os investimentos russos e ucranianos encontram-se atualmente focados em sistemas autónomos.

Isso não é pouca coisa. Normalmente, os pilotos de drones dependem de feeds de vídeo do dispositivo, bem como da tecnologia de GPS, e nenhum dos dois está disponível num ambiente bloqueado por interferência. Em vez disso, os drones autónomos atuam com vários tipos de sensores, como o LiDAR, para voar, embora isto possa ser complicado em situações de nevoeiro ou em outras condições climatéricas adversas. Os drones autónomos são uma tecnologia nova e em rápida evolução, que continua a ser testada por empresas sediadas nos Estados Unidos como a Shield AI. A guerra em desenvolvimento na Ucrânia tem elevado os riscos e a pressão para a utilização de drones autónomos, acessíveis e fiáveis.

A transição para as armas autónomas também levanta questões sérias, em grande parte ainda sem resposta, sobre o quanto os seres humanos devem ser removidos dos processos de tomada de decisões. À medida que a guerra avança e a necessidade de armamento mais potente aumenta, é provável que a Ucrânia seja o campo de testes para saber se, e como, o limite moral será traçado. No entanto, Andriy diz que é impossível parar para encontrar essa linha durante uma guerra em curso.

“Existe uma questão moral relativamente ao nível de autonomia que podemos dar à máquina assassina”, diz Andriy. “Esta questão não está a ser colocada na Ucrânia atualmente porque é mais uma questão de sobrevivência.”


Artigo de James O’Donnell

James é repórter de Inteligência Artificial na MIT Technology Review americana, especializado na análise de promessas e riscos de tecnologias como veículos autónomos, robôs cirúrgicos e chatbots.

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