Inteligência Artificial

Personalização em massa: a transformação do marketing e da propaganda

Como os marketeers tradicionais estão a ficar para trás na corrida dos dados e da IA.

Durante décadas, o marketing foi dominado pela estratégia do funil: de cima para baixo, as táticas de comunicação adotadas variavam de acordo com a relação entre o consumidor e a marca ou o produto, começando pelo conhecimento da marca, passando pelo interesse, pela consideração e intenção até a avaliação, compra e o relacionamento com a mesma. Os investimentos em media eram determinados de acordo com os canais mais apropriados para cada uma dessas camadas. A TV, por exemplo, tem vocação para gerar conhecimento, a mala direta incentiva a avaliação de produto e site para a etapa de compra.

Seguindo este raciocínio, quanto mais para cima do funil, maior a massa (escala) e menor a personalização. Pode, por exemplo, fazer publicidade no Jornal Nacional para apresentar o seu produto a milhões de pessoas de uma só vez, porém a mesma mensagem é apresentada a todas elas. No meio do funil, uma mala direta pode ser personalizada apresentando uma oferta diferente para um público diferente. Já o site pode ser individual, apresentando para cada pessoa uma experiência diferente.

Figura 1: Funil Tradicional de Marketing

Porém, três fatores contribuíram para uma recente revolução no marketing, em que é possível unir personalização e massa (escala). A primeira é a disseminação dos dispositivos digitais: todos estamos cercados por telas digitais em telemóveis, relógios, assistentes pessoais, etc. A segunda é a capacidade computacional das ferramentas de MarTech extremamente poderosas. A terceira é a disseminação do uso da Inteligência Artificial. Estes três fatores juntos estão a mudar a forma de fazer marketing.

Primeiro passo: a personalização em massa tem origem na inteligência dos dados.

Começando pela Inteligência Artificial: conhecer os consumidores vai muito além dos dados de registo que estão no CRM, e inclui todas as interações possíveis em todos os canais. Por exemplo: o Fernando, que no cadastro do CRM é homem, casado, com dois filhos e vive em São Paulo, já comprou dois calções tamanho M da nossa empresa no ano passado. Também navega no site nas páginas de roupa masculina e feminina, fica de três a seis minutos no site, coloca poucos produtos no carrinho e demora dias para fechar a compra. Fernando também ligou na central de atendimento duas vezes para mudar a data de vencimento do boleto, a sua forma favorita de compra. Também visita as nossas lojas físicas, onde fez compras de meias e cuecas algumas vezes este ano.

Vamos supor que quer melhorar a etapa de conversão do funil e, então, da forma antiga de pensar marketing, pensou que era boa ideia mandar um e-mail com promoção de camisas masculinas para um comprador de calções e meias. Pensou errado. Dessa forma, não está a usar a inteligência dos dados, pois está a usar a sua intuição, o que é uma péssima ideia na era da Inteligência Artificial.

Dados NÃO são o novo petróleo, mas a inteligência a partir dos dados, sim.

A IA usa uma infinidade de dados de Entrada – como os que citei acima – e compara com os dados de Saída – as compras realizadas pelos consumidores. A partir daí, encontra padrões que são colocados dentro dos algoritmos. Dessa forma, assim que um novo consumidor entrar no site, na loja ou ligar, e tiver as mesmas características de um desses padrões anteriormente identificados, terá a sua experiência de compra personalizada de acordo com o objetivo de negócio da empresa, que é, normalmente, a venda.

Em resumo, essa é a explicação da Inteligência Artificial num parágrafo.

Seguindo o exemplo anterior: vamos supor que o padrão do homem de 44 anos, que compra calções on-line, navega nas páginas masculina e feminina, compra meias na loja e troca vencimento do boleto ao telefone são traços que indicam uma propensão a comprar calças femininas para a sua parceira. Quem chegou a essa conclusão foi o cientista de dados rodando modelos estatísticos. Não adianta comparar com a sua intuição ou tentar explicar este padrão. Dados são dados. O que pode – e deve – fazer a partir daqui é testar essa hipótese.

Segundo passo: a personalização precisa de ferramentas de MarTech.

Conhecidas como MarTech, diversas ferramentas vão possibilitar que o marketing possa conhecer cada um dos consumidores de forma individual e então entregar comunicações (chamadas de experiências) de acordo.

O Fernando, propenso a comprar roupa feminina para a sua parceira, quando entrar no site, verá em destaque fotos da nova coleção de verão de roupas femininas. Nessa jornada de compra, será abordado aos poucos e, durante essa viagem, a sua propensão será sempre recalculada para corrigir a rota. O próximo passo após o destaque na página inicial pode ser o envio de um e-mail marketing influenciado pela navegação no destaque feminino e pela propensão que agora aponta alta chance de compra com desconto no curto prazo. As comunicações então modificam-se, e Fernando recebe por e-mail um voucher para compra com 40% de desconto, válido até sexta-feira.

Se Fernando não abriu o e-mail, mas entrou novamente no site, a mesma promoção estará lá, só para ele. Então, Fernando compra a blusa para a sua parceira, e o marketeer segue feliz.

As ferramentas fazem o que chamamos de “orquestração” da comunicação com cada consumidor de acordo com sua jornada, oferecendo a mensagem certa, na hora certa, com IA.

Figura 2: Personalização em massa “um a um”

Terceiro passo: escala

A partir da aprendizagem acima, o marketeer seguirá a criar hipóteses em cima dos dados e testando táticas novas para vender mais. Eu, que na Adobe acompanho de perto casos nacionais e internacionais de adoção de IA e MarTech, assisto a recorrentes relatos em que o custo de aquisição cai mais de metade, as conversões duplicam, enquanto o investimento em propaganda tradicional cai. Consultorias citam aumento de até 20% na receita e 30% na retenção. Tudo isso a partir de experiências de comunicação usando IA e ferramentas.

Levando a inteligência de dados até o topo do funil, a minha história favorita já tem mais de oito anos – e o facto de ser antiga é um dos motivos deste apreço. Na campanha de 2012, a equipa da reeleição de Barack Obama decidiu que não compraria media em TV baseado nos critérios antigos de audiência, frequência ou perfil das pessoas que (em média) assistem aos programas. Após muitos cruzamentos, classificaram mais de 70 milhões de eleitores de acordo com a sua propensão a: “apoiar”, “votar” ou “influenciar”. Apoiar significa dizer que votam, mas na hora da eleição não se levantam da cadeira. Votar significa que vão para a urna. Influenciar é a capacidade de converter votos de indecisos.

A partir do cruzamento com os dados de set-top boxes (aquela caixinha da TV a cabo na sua sala), os programas foram classificados de acordo com sua audiência em cada um desses agrupamentos. A mensagem então era personalizada: programas com alta concentração de “apoio” recebiam mensagens de incentivo a levantar da cadeira no dia da eleição. O mesmo se replicava nos sites, e-mails e nas comunicações digitais.

Foi assim que comparam media na TV e personalização em massa, usando propensão.

Eu não estou a pregar o fim do marketing tradicional, mas tenho a certeza que esse é o começo do fim do marketeer tradicional, que, se não acordar para o mundo da inteligência dos dados, será engolido por cientistas de dados, estatísticos e matemáticos.

O mundo da intuição acabou. Juntas, tecnologia e estatística venceram.

Artigo de Fernando Teixeira, Autor – MIT Technology Review Brasil

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