Negócios e Economia

Transformação Digital: processo contínuo e evolutivo

Já muito foi falado sobre o que é Transformação Digital, razão pela qual hoje já não estamos perante qualquer novidade, mas perante uma necessidade. Já não se trata de discutir se a teremos de realizar, mas quando a vamos fazer.

De uma forma simplificada, podemos de facto entender a Transformação Digital como a mudança dos processos de negócio da empresa, usando a tecnologia de hoje. E entender a mudança de processos, não é meramente colocar uma peça ou componente tecnológico num processo existente, mas entender o negócio como existe hoje e como o visionamos no futuro, começando pelas necessidades do cliente e só depois pela tecnologia (Gupta, 2018). Na realidade estamos a acoplar um modelo digital estratégico que interliga a estratégia de negócio, a estratégia de sistemas de informação, com a necessidade e experiência dos clientes. Tudo alicerçado em componentes tecnológicas, que alavancam todas estas interações contínuas e evolutivas.

Figura 1 – Interações de Estratégias Digitais e Transformação Digital (Ribeiro, 2021)

A figura anterior representa, de facto, a realidade da nova cultura que surgiu: a Estratégia Digital como centro de uma Empresa Inteligente. Esta é uma estratégia que liga tecnologias, em particular as novas tendências disruptivas de Analytics, IoT, Impressão 3D, Blockchain, Interfaces Naturais de Utilizador ou Inteligência Artificial com a Experiência ao Cliente, à Estratégia de Negócio e à Estratégia de Sistemas de Informação de uma organização.

A estratégia digital entregará a governação digital, a qual é fundamental para definir uma responsabilidade clara no alinhamento da estratégia digital, das políticas e dos padrões digitais. A governação digital, quando efetivamente definida e implementada, irá, com certeza, auxiliar no desenvolvimento de negócios digitais, ágeis e sustentáveis (Welchman, 2015).

E esta viagem da transformação digital é um processo contínuo e evolutivo que não pode ser encarado como um teste isolado, como um departamento independente da empresa ou como uma implementação tecnológica na empresa. Esta é uma viagem que tem de ser entendida como uma verdadeira estratégia de negócio integrado de médio e longo prazo da empresa, acompanhando a evolução digital capaz de nos garantir vantagens competitivas no mercado consistentes.

Simon Sinek caracteriza o mercado e a liderança empresarial como um Jogo Infinito, no qual as organizações para se tornarem sustentáveis, fortes e com vida longa, necessitam de ter atuações consistentes e com decisões que tragam valor contínuo e perpétuo na organização (Sinek, 2019). Na transformação digital teremos de entender que estamos precisamente também perante um jogo infinito, onde o contínuo processo de evolução, de aprendizagem, de reinventar o modelo de negócio, de reinventar as cadeias de valor para procurar acompanhar as também contínuas evoluções de necessidades e exigências dos clientes é fundamental.

A transformação digital tem de ser também encarada como apenas mais uma etapa de um jogo infinito de adequação e continuidade das empresas, como peças que se posicionam num jogo sem fim definido, que diariamente se torna mais complexo, ao qual introduzindo tecnologia o procuramos simplificar e automatizar. E o desafio é que jogamos um jogo, ao qual sabemos as regras atuais, soubemos as regras do passado, mas não sabemos as regras do futuro, razão pela qual procuramos de forma consistente e contínua criar modelos de inovação e agilidade organizacional que nos permitam garantir a adaptabilidade à próxima etapa no mundo social e empresarial.

Costuma-se dizer que “o futuro a Deus pertence”, mas neste caso, estamos perante uma definição estratégica capaz de antecipar o que “Deus fará a seguir”. E, neste caso, com a transformação digital, ambicionamos ser eficientes o suficiente para garantir que estamos no sítio certo, à hora exata, com um esforço mínimo, quando Deus aplicar uma nova regra ao jogo.

Mas entender o futuro é também entender o passado. Estudar a história é essencial para compreendermos o que esperamos no futuro. Importa entender de onde viemos, para estruturar melhor onde estamos e anteciparmos o que iremos fazer. Neste sentido, importa compreender como chegamos hoje ao que conhecemos como Transformação Digital.

De uma forma simplificada, os anos 90 do século XX iniciaram com a denominada “Digitização”, a qual se traduziu na conversão de dados e informação de modelos analógicos para modelos digitais (Salesforce.com, 2018). A título de exemplo, no setor de telecomunicações, estivemos perante a migração de redes 1ª Geração, onde “tudo se podia intercetar e ouvir nas comunicações”, para as redes de 2ª Geração, onde “tudo” passou a ser codificado em ‘0’ e ‘1’. No nosso dia a dia, passámos a ter a capacidade de deixar de escrever à mão, ou na máquina de escrever, para termos processadores de texto em computadores, que nos permitiram escalar muito mais facilmente. Ao invés de partilharmos os documentos através de fotocópias ou papéis químicos de cópia, passámos a conseguir de forma muito mais fácil partilhar o conteúdo produzido, enviando ficheiros, os quais passaram a poder ser impressos em qualquer local. Mudámos essencialmente a infraestrutura de suporte de comunicação e produção.

A evolução tecnológica no início do século XX, trouxe-nos a “Digitalização”, ou seja, passámos a ter a capacidade de introduzir, em atividades de processos existentes, peças tecnológicas capazes de registar em infraestruturas digitais os dados produzidos ao longo do processo. Foi aqui o nascimento de grandes projetos de implementação de Gestores Documentais e de implementações vastas de ERPs e CRMs, na qual não mudámos grande coisa aos processos existentes, traduzindo aí as ineficiências da chamada “Transformação Digital do Papel”. Nesta fase não mudámos qualquer modelo de negócio, apenas “despejamos” tecnologia para dentro do nosso negócio.

Figura 2 – Etapas da História da Transformação Digital

Por volta do ano de 2015, o tema Transformação Digital, tal como hoje o conhecemos, começou de facto a aparecer de forma mais sustentada nos circuitos empresariais, perante as várias ineficiências oriundas da Digitalização, nomeadamente as falhas na experiência de uso por parte dos utilizadores aplicacionais e alguns insucessos claros na avaliação de retornos de investimento. Assim, a Transformação Digital distingue-se da Digitalização, a qual tem o foco de incorporação de tecnologia nos processos, pela efetiva mudança profunda de processos, com um foco muito mais crítico e orientado ao negócio.

O que virá depois desta etapa da Transformação Digital? Não há ainda consenso sobre o tema, mas certamente envolverá a capacidade de alavancar toda uma dinâmica de processos ágeis e adaptáveis autonomamente em tempo real, perante os desafios de contexto que as empresas vão sofrer. Uma era de “Leveraging Digital”.

Artigo de Rui Ribeiro, Autor – MIT Technology Review Portugal

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