Biotecnologia

Vacinas de juventude

Em mais de mil anos a ciência evoluiu com o desenvolvimento de vacinas, aprendizagem fundamental para o combate ao coronavírus. Mas a ciência não para. Quais são os próximos passos?

Nos últimos meses foram aplicadas mais de 3 mil milhões de doses de vacina contra a Covid-19. O mundo nunca produziu tantas vacinas! E lembrar que as primeiras tentativas de imunização coletiva tiveram origem há mais de mil anos na Índia e na China. Nessa época, crostas de feridas de doentes com varíola eram esfregadas sobre cortes feitos propositalmente nos braços de crianças. Na Europa, um método semelhante foi empregado até o século XVIII, quando se percebeu que os surtos de varíola não acometiam aqueles que ordenhavam as vacas.

Em 1796, Edward Jenner inoculou o filho de 8 anos do seu jardineiro com a secreção recolhida das pústulas do corpo de uma jovem ordenhadeira infectada com o vírus causador da varíola bovina. Por infringir as condutas éticas mais básicas, cabe mencionar que experiências como essa jamais seriam aceites nos dias de hoje. Depois de alguns dias de febre e desconforto, a criança recuperou. Dois meses depois, a mesma criança recebeu material retirado de lesão recente de paciente com a versão humana da varíola, e mesmo assim não contraiu a doença. Mesmo desconhecendo a natureza de vírus e bactérias, Jenner foi o primeiro a propor o conceito de vacina, palavra que denota “a sua origem na vaca”.

Por essa e outras histórias sempre associamos vacinas à prevenção de infecções. Vacinas foram concebidas para nos proteger de doenças infectocontagiosas incluindo poliomielite, sarampo, caxumba, rubéola, febre amarela, Covid-19, etc, e o seu impacto sobre a expectativa de vida da população é inquestionável. Estima-se que, somente entre 2011 e 2020, mais de 20 milhões de pessoas deixaram de morrer em virtude das campanhas de vacinação. Dito isso, mais recentemente, alguns cientistas animaram-se com a ideia de que as vacinas poderiam ser usadas também contra o processo de envelhecimento.

Com o passar do tempo, é inevitável que as células que compõem o corpo humano percam a capacidade de recompor ou regenerar tecidos e órgãos, de se multiplicar. A máxima vale para a pele, intestino, fígado e até mesmo para o cérebro. As células que perdem a capacidade de se reproduzir são conhecidas como senescentes. Elas acumulam-se no organismo como sucata, mas diferentemente do “ferro-velho” convencional, têm pouca capacidade de reciclagem ou reaproveitamento. Na prática, conforme se acumulam nos tecidos, alteram as suas próprias características e adquirem um “fenótipo secretor associado ao estado senescente”, conhecido pelo acrónimo SASP. As células SASP são pró-inflamatórias e podem convencer células à sua volta, mesmo as saudáveis e que mantêm a sua capacidade proliferativa, a também se tornarem senescentes! Têm um comportamento “zombie”, permanecendo num estado intermediário entre a vida e a morte que danifica e subverte o tecido ao redor.

Vacinas seriam capazes de impedir o acúmulo de células senescentes, tão associadas à perda da longevidade?

Hiromi Rakugi e sua equipa na Universidade de Osaka interessaram-se pelo tema. Os cientistas desenvolveram uma vacina com o objetivo de eliminar células senescentes e a testaram em camundongos obesos. Na prática, injetaram um fragmento de proteína que estimula a produção de anticorpos contra a proteína CD153 de linfócitos T (células de defesa) senescentes que se acumulavam nos tecidos adiposos desses animais. Os investigadores observaram que a vacinação reduziu marcadores metabólicos associados à diabetes e marcadores de inflamação, além de impedir o acúmulo dos linfócitos senescentes nos animais obesos.

Testes de tolerância à glicose revelaram que os animais obesos imunizados recuperaram os níveis de glicose e tolerância à insulina, ao contrário do observado no grupo sem vacina. No artigo científico publicado em 2020 na revista Nature Communications os autores sugerem que a eliminação de células senescentes reverte alterações metabólicas associadas ao envelhecimento. Cabe mencionar que, por enquanto, a metodologia produz anticorpos que reconhecem somente marcadores de superfície nas células senescentes, e não moléculas intracelulares, o que limita a sua abrangência de reconhecimento às SASP. A seleção acertada de proteínas-alvo será crucial para o desenvolvimento de boas vacinas adaptadas à seboterapia. Como escreveu Eduardo Galeano, “a utopia é o motor da ciência”. Quem sabe no futuro essa utopia nos levará à produção de uma nova categoria de vacinas. As vacinas da juventude.

Artigo de Autores, – MIT Technology Review Brasil

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