No meu artigo “O Decisor e a Memória Externa” escrevia que num estudo publicado na revista Science sobre o efeito do Google na memória e as consequências cognitivas de ter a informação na ponta dos dedos (Sparrow et al., 2011), que o mesmo concluiu que, as pessoas se esquecem dos itens que pensam que vão estar disponíveis externamente e lembram-se “apenas” dos itens que pensam que não estarão disponíveis externamente.
E em 2010, o site edge.org – o “salão” intelectual online – no âmbito do seu tradicional desafio anual a dezenas de especialistas mundiais da ciência, da tecnologia, do pensamento, da arte e do jornalismo – perguntou: “Está a Internet a mudar a forma como pensa?” (“Is the Internet Changing the Way You Think?”)
E uma das grandes, senão talvez a maior conclusão é que a Internet expandiu radicalmente a nossa memória, tornando-se numa espécie de memória universal, que nos ajuda a pensar e decidir melhor (Brockman, 2011).
Marissa Mayer (na altura CEO da Yahoo!), respondia a essa pergunta seguindo a mesma linha de pensamento que da conclusão do estudo que referi anteriormente, com um “NÃO É O QUE VOCÊ SABE, É O QUE VOCÊ PODE ENCONTRAR” escrevendo que a “Internet colocou na vanguarda o desenvolvimento do pensamento crítico e que relegou a memorização de factos rotineiros ao exercício mental ou ao prazer”, tendo a Internet criado “a sensação de que tudo é conhecível ou encontrável – desde que você possa construir a pesquisa certa, encontrar a ferramenta certa ou conectar-se às pessoas certas”.
Contudo, atente na expressão “desde que você possa construir a pesquisa certa”, porque este é precisamente o problema da “memória externa”.
O Problema da Memória Externa
Um dos grandes problemas é o rastreamento e recuperação de informações específicas a partir de dados armazenados.
Maureen Ritchey, neurocientista cognitiva, revelou que muitas evidências sugerem que durante a experiência inicial de aprendizagem, o hipocampo une informações de outras partes do cérebro num traço de memória ligada. Em seguida, durante a recuperação, o hipocampo desencadeia a reativação dessas representações distribuídas. Desta forma, podemos começar com parte de uma memória (por exemplo, uma face) e reativar o resto da informação que vai com ela (um nome)” (Hickey, 2012).
E esta é a grande limitação das memórias e sistemas externos, porque só recuperam informações acessíveis apenas através da exacta sugestão da recuperação directa.
Vejamos um problema de indexação muito simples: imagine que se reuniu com o António e que no fim da reunião criou um ficheiro com o relatório com as conclusões dessa reunião. Quando vai guardar esse ficheiro do relatório, pode guardar esse ficheiro em pastas com nomes diferentes, pode guardar numa pasta “reuniões” ou numa pasta chamada “relatórios”, etc. No entanto, a questão que se coloca é: quando se quer encontrar uma informação específica deste relatório tem que procurar dentro de umas dessas pastas e provavelmente juntamente com dezenas ou centenas de ficheiros.
E quando a informação que procura está dentro desse ficheiro, e o nome do ficheiro não lhe dá nenhuma pista sobre o assunto que quer consultar? Pode fazer uma pesquisa, mas agora imagine que quer encontrar vários assuntos dentro de várias pastas diferentes e em vários tipos de ficheiros diferentes.
Pelo contrário, o nosso cérebro categoriza os objectos de formas tão variadas que aparentemente chega a fazer um número infinito de conexões, e tem um número infinito de caminhos para chegar a esses objectos. Cada um desses caminhos tem a sua própria rota para o nó neural que representa.
Mas, vamos fazer um pequeno exercício mais concreto:
Pense num camião de bombeiros. Pedi-lhe para pensar num camião de bombeiros, mas poderia induzi-lo a pensar precisamente no mesmo objecto, mas de várias maneiras diferentes sem sequer mencionar “camião de bombeiros”.
Se ouvisse um som de uma sirene, ou se lhe desse uma descrição verbal “um veículo de grande dimensão vermelho”. Em que é que pensava?
Pois o resultado é tão óbvio como surpreendente. Podemos pensar precisamente no mesmo objecto, mas de várias maneiras diferentes sem sequer mencionar “camião de bombeiros” (Levitin, 2014).
O Google e os atuais softwares de pesquisa e de recuperação de informação ainda não conseguem este nível de precisão, porque só recuperam informações acessíveis apenas através da exacta sugestão da recuperação directa.
(Pesquise: [veículo de grande dimensão vermelho] no Google, clique em imagens e veja os objectos que lhe aparecem. Curioso, não é?)
Um cérebro extra
Peter Drucker (1967) no seu artigo “The manager and the moron,” observou que: “o computador não toma qualquer decisão; só realiza ordens. É um total idiota, e é aí que reside a sua força. Isso obriga-nos a pensar, para definir os critérios. Quanto mais estúpida a ferramenta, mais brilhante o mestre tem que ser, e esta é a ferramenta mais idiota que já
tivemos”.
Como as coisas mudaram entretanto. Os computadores estão a substituir profissionais qualificados em áreas como a arquitectura, a aviação, direito, medicina, geologia entre muitas outras. Estão a mudar a natureza do trabalho numa ampla área de profissões. Empresas como a Hong Kong venture-capital estão a ir mais longe, ao determinar a aplicação de um algoritmo na tomada de decisão do seu conselho de administração.
Os chamados softwares “In-memory apps”, ou seja, aplicações que permitem a consulta rápida e uma análise interativa; um software fácil de usar que permita aos executivos fazerem as suas próprias consultas e análises em apenas alguns cliques do rato, é a solução.
O “computador” Watson da IBM foi dos primeiros a demonstrar que as máquinas poderiam compreender e interagir numa linguagem natural no formato perguntas-respostas e aprender com os seus erros. Isso significava que as máquinas poderiam lidar com o explosivo crescimento de informações não numéricas, informações essas que estão cada vez mais fora do controle dos humanos (Power, 2014).
O “computador” Watson da IBM, é um sistema cognitivo que permite uma nova parceria entre pessoas e computadores que aumenta e escala a experiência humana.
Este tipo de softwares “In-memory apps” eram complicados, exorbitantemente caros e não estavam acessíveis nem compreensíveis ao utilizador comum, nem às empresas comuns. A prova disso é que a IBM investiu 1 bilião de dólares para tornar o Watson comercial e acessível a todos (Leske, 2014).
Mas qual é a correlação entre a forma como estes softwares nos ajudam a lembrar das coisas, com a forma como o cérebro funciona?
Maureen Ritchey numa entrevista (Hickey, 2012) dizia que:
“Alguns dos conceitos mais amplos são os mesmos – tanto nestes softwares como na memória humana – temos uma primeira fase de codificação e uma fase de recuperação.
Mas estas fases diferem muito também. Na memória humana, a codificação não tem que ser um processamento ativo, não temos de andar a tentar lembrar-nos de tudo o que vemos. Outra diferença é que o processo de pesquisa na memória humana é geralmente menos eficaz e mais falível do que o processo de pesquisa através de um software. Esquecemo-nos de coisas e, muitas vezes, quando nos lembramos, as nossas memórias estão incompletas”.
Já concluímos que a nossa memória é limitada, mas nós podemos “estender-nos” ou “aumentar-nos” com estes softwares que são uma extensão de nós mesmos.
Estes softwares, estas memórias externas, fazem com que as pessoas sejam mais inteligentes, permitindo que estas sejam capazes de lidar com mais coisas, mais problemas, mais tarefas e mais informação.
Estas memórias externas podem ajudar um decisor a manter o controle de uma determinada tarefa, podendo mesmo automatizar ou semi-automatizar essa tarefa. É como se uma pessoa estendesse o seu cérebro com um software que faz quase parte de si e que olha pelos seus interesses e que o ajuda em várias tarefas.
Uma das limitações da nossa mente é que esta é boa a fazer uma coisa de cada vez e a manter o controle de uma coisa só, mas a natureza das nossas preocupações quotidianas é muito diferente.
Nós temos que lidar diariamente com múltiplos problemas e fazer uma série de coisas ao mesmo tempo. A multitarefa (multitasking) é simplesmente um conceito que o ser humano não está preparado para lidar.
O multitasking é basicamente fazer muita coisa ao mesmo tempo, mal.
Por isso estes softwares são capazes de amplificar as nossas capacidades mentais inatas, de tornar-nos mais produtivos, mais inteligentes e ajuda-nos a termos mais controle das nossas vidas e decisões.
Estes irão disponibilizar informações armazenadas antes mesmo de as termos pesquisado, funcionando assim como um cérebro externo que nos ajuda a tomar decisões mais inteligentes.
Artigo de Rui Silva, Autor – MIT Technology Review Portugal